01 Abril 2025
"Entrar nos territórios inexplorados do encontro entre mulher e homem significa entrar em contato com experiências não apenas de dor e marginalização, mas também de amizade e trocas enriquecedoras de crescimento mútuo", escreve Adriana Valerio em artigo publicado por “Avvenire”, 25-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Adriana Valerio é historiadora e teóloga, professora de História do Cristianismo e das Igrejas da Universidade de Nápoles Federico II, autora de obras como Il potere dele donne nella Chiesa [O poder das mulheres na Igreja] (Laterza, 2016) e Maria di Nazaret: storia, tradizioni, dogmi [Maria de Nazaré: história, tradições, dogmas] (Il Mulino, 2017).
Éden está o homem, nascido do pó (Adão significa terroso) e animado pelo sopro vital de Deus (a Ruah). Mas o homem está sozinho e não se reconhece nos animais: ele precisa de um ser vivo com quem possa entrar em comunhão. E eis que, com a plasticidade dos contos antigos, toma forma a descrição do nascimento de Eva, cujo nome significa aquela que dá à luz a vida. Se, por um lado, o texto sagrado declara a bondade de toda a criação, por outro, a solidão do homem é apresentada como a única condição negativa. Eis, então, que Deus pensa em um tu que possa entrar em diálogo com Adão, em um ser humano que viva em relação e dá vida a uma mulher, “uma ajuda que lhe corresponda”.
Adriana Valerio, Le radici del mondo, publicado pela Mondadori na série “Le Scie” (páginas 216, euro 21,00). O livro inclui os estudos e as pesquisas da autora sobre a Bíblia, usada muitas vezes e por muito tempo para definir a identidade masculina e feminina, confinando as mulheres a papéis rígidos estabelecidos por modelos hierárquicos e patriarcais. Papéis de suposta inferioridade e subalternidade desmentidos, entretanto, pelas numerosas figuras femininas na Sagrada Escritura e por interpretações mais livres capazes de se desvincular de antigos estereótipos culturais.
Em uma leitura superficial, pode parecer que essa criação seja funcional para cobrir o vazio do homem. A razão da existência da mulher é fazer companhia a ele? Para salvá-lo e libertá-lo da solidão?
Sem dúvida, a história da interpretação considera a existência da mulher como secundária à do homem, com um papel complementar. O termo 'ezer ('ajuda') tem sido entendido como o apoio feminino que torna a vida do homem menos pesada, como se a mulher devesse ser uma “cuidadora qualificada” para socorrer o homem em suas necessidades. No entanto, esse termo no texto sagrado refere-se a pessoas iguais e nunca subordinadas. De fato, é atribuído ao próprio Deus, quando ele é invocado como a ajuda que sustenta (“Eis que Deus é o meu auxílio, o Senhor me sustenta”, Sl 54,4) ou quando ele intervém em momentos de necessidade: “A ti, Senhor, clamei, ao Senhor pedi misericórdia” (Sl 30,8). Não é forte, portanto, aquele que precisa de ajuda, mas aquele que é capaz de emprestá-la: “Pois ele liberta os pobres que pedem socorro, os oprimidos que não têm quem os ajude” (Sl 72,12).
Eva, então, é o tu que desperta o homem de seu torpor solitário, é aquele cara a cara que permite que eles se percebam em sua recíproca identidade, aquela alteridade que está “diante” para gerar diálogo e confronto: ambos se ajudam mutuamente. Isso foi bem entendido pela jornalista e escritora Elisa Salerno (1873-1957), sensível às ansiedades expressas pelos movimentos femininos do início do século XX, que corajosamente enfrentou uma releitura do texto sagrado para recuperar a real figura bíblica da mulher, deturpada pela “interpretação ruim e malévola dos homens da igreja”. Em Per la riabilitazione della donna (1917), Salerno expõe as razões para a igualdade de natureza e dignidade entre Adão e Eva, destacando a arte empregada por Deus na moldagem da mulher, “a obra-prima de suas mãos”. Portanto, a ajuda “que fosse a ele semelhante” deve ser entendida, para a escritora, não em um sentido material, mas em um sentido espiritual: a tarefa da mulher é acompanhar o homem na busca por Deus. Nesse relato do Gênesis, a diferenciação sexual não tem como objetivo a procriação, como na primeira narrativa (“sede fecundos e multiplicai-vos”, Gn 1,28), mas sim estar juntos.
Deus, a fim de superar a solidão e o isolamento, cria distinguindo e comparando: a luz das trevas, a terra das águas, e assim por diante, e tudo é “bom”. Assim, ser companheiros pode ser uma marca da jornada comum pela vida. Aqui, agora, juntos é a relação para o qual o significado de estar no mundo é jogado: estar perto um do outro nos momentos dolorosos e alegres da existência, no cuidado, na resposta à necessidade do outro/a. Jesus de Nazaré não se tornou presença e companhia para ajudar as pessoas a serem cuidadas, ouvidas, acolhidas, no encontrar-se cotidiano, conversando, partindo o pão, compartilhando?
Não estavam as mulheres justamente na companhia do Mestre quando, rompendo o círculo de proteção doméstica, seguiram-no pelas estradas da Galileia (Lc 8,1-3), quando estavam próximas nos caminhos da fé, nos momentos das necessidades materiais, nas situações de dor, presentes até a morte, aos pés da cruz, primeiras testemunhas da ressurreição e enviadas em ajuda aos discípulos assustados? E não foi o apóstolo Paulo apoiado por mulheres, companheiras na jornada de uma vida compartilhada e ativas no empenho de proclamar o Evangelho?
Pensemos na diácona Febe, a guia respeitada da comunidade de Cencreia, nos arredores de Corinto; na missionária Priscila, que, com seu marido Áquila, juntou-se a Paulo na missão em Éfeso, providenciando a casa e desempenhando um importante trabalho de catequese na nascente igreja doméstica; à apóstola Júnia, enviada em missão com não poucas penas e sofrimentos; às evangelizadoras Trifena, Trifosa e Pérside, “que trabalharam para o Senhor”; a Maria, “que muito trabalhou”; à mãe de Rufo, que Paulo considera como sua mãe; a Pátrobas, Júlia, irmã de Nereu e Olimpas (Rm 16,1-17). A elas se somam as missionárias de Filipos, Evódia e Síntique, que com Paulo “lutaram pelo evangelho” (Fp 4,2-3); as benfeitoras Áfia (Fm 1 e s.), que o hospedou em Colossos, e Ninfa, que o recebeu na casa de Laodiceia para celebrar a Ceia do Senhor (Cl 4,15). Tantas mulheres prestativas, corresponsáveis pela missão evangelizadora das primeiras comunidades cristãs.
O texto sagrado retrata a vida em todas as suas facetas humanas e, quando ao falar da história de um povo, é impensável ignorar o envolvimento de todos os seus componentes - mulheres, homens, jovens, idosos - atravessados por toda a gama de sentimentos. E, é claro, não conta histórias de heróis solitários, pois enfatiza em cada uma de suas páginas a estrutura fundamental da existência: estar em relação. A vida é compartilhada com os outros seres humanos, com a criação, com Deus. Todos estão inseridos em redes de experiências, sentimentos, aspirações e ideais. A história do cristianismo é também, como todas as experiências humanas, uma história de gênero, um entrelaçamento de relações complexas nas quais os códigos do masculino e do feminino interagem, se cruzam e se delineiam no desenrolar-se de uma vida de coparticipação em espaços de troca e enriquecimento mútuos, em um panorama variegado de sensibilidades e abordagens interpretativas.
Entrar nos territórios inexplorados do encontro entre mulher e homem significa entrar em contato com experiências não apenas de dor e marginalização, mas também de amizade e trocas enriquecedoras de crescimento mútuo. Muitas vezes, mulheres e membros do clero ou da vida monástica percorrem juntos o caminho da vida, reconhecendo e aceitando uns aos outros tanto em suas diferenças quanto em sua igual dignidade, em uma contínua referência de necessidades e ideais, de exigências afetivas e ansiedades espirituais.