28 Março 2025
Culturas agrícolas hoje comuns perderão espaço para outras melhor adaptadas ao clima ameno.
A reportagem é de Luciano Velleda, publicada por Sul21, 27-03-2025.
Temperaturas máximas mais altas, com dias mais quentes e ondas de calor, causando mais mortes e doenças entre idosos e população pobre urbana. Aumento do risco de prejuízos para a agricultura e aumento da temperatura mínima diária, com a redução do número de geadas, o que deve ampliar a área de vetores de doenças como a dengue e chikungunya.
Essas são algumas das principais consequências decorrentes das mudanças do clima na Região Sul do Brasil, destacadas pelo pesquisador e explorador polar Jefferson Cardia Simões, pioneiro na ciência da glaciologia e geografia polar no Brasil e criador do Centro Polar e Climático (CPC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Há ainda outras consequências, como o aumento da frequência de chuvas fortes, com mais enchentes e mortes por afogamento e mais deslizamentos de terra, assim como o aumento de secas de verão, com redução de colheitas na agricultura e a diminuição na disponibilidade de recursos hídricos. Por fim, o aumento na intensidade dos ciclones tropicais, colocando mais vidas em risco, além do aumento de epidemias de doenças infecciosas e a ampliação da erosão costeira.
“As mudanças vão ocorrer, não voltam atrás”, sentenciou, durante a abertura do Fórum Internacional de Meio Ambiente, realizado pela Associação Rio-Grandense de Imprensa (ARI), nesta quarta-feira (26), no Memorial da Assembleia Legislativa. “Não existe um cientista sério que discorde do que estamos vendo.”
Destacando que a Antártica é tão importante para a circulação atmosférica quanto a Amazônia, o explorador polar é taxativo ao sugerir que o Rio Grande do Sul observe mais o Sul do continente e o Oceano Atlântico Sul. “Temos que olhar para o nosso entorno. O Rio Grande do Sul está mais perto da Antártica do que de Fernando de Noronha”, pondera.
Com a experiência de ser pioneiro na ciência da glaciologia e geografia polar no Brasil, Jefferson Simões discorreu sobre a influência da Antártica no sistema climático e como isso afeta o Rio Grande do Sul devido à proximidade com o polo sul. O “continente gelado”, ele explicou, está interligado com processos que ocorrem em latitudes menores, em especial com a atmosfera sul-americana e os oceanos circundantes.
No caso do estado gaúcho, ele está situado em área geográfica de embate de massas de ar e, por isso, a variabilidade climática é naturalmente alta. É nesse cenário que os processos em curso no Atlântico Sul têm causado mais fenômenos explosivos de ciclones tropicais e extra-tropicais que resultam em chuvas torrenciais acumuladas em curto período de tempo.
Por isso, Simões diz que a Antártica é tão importante quanto os trópicos no sistema ambiental global, sendo um laboratório natural para monitorar as mudanças ambientais globais. Mudanças essas que devem afetar o sistema alimentar dos gaúchos e do Brasil. Para o pesquisador da UFRGS, o aquecimento global poderá colocar em risco a produção de alimentos no País, com as mudanças climáticas tendo efeito diferenciado na oferta de alimentos nas regiões do Brasil e podendo chegar à perda de cerca de 11 milhões de hectares de terras adequadas à agricultura até 2030.
Em algumas décadas, a previsão é de que haja uma nova conformação geográfica da agricultura e pecuária na Região Sul. Culturas agrícolas hoje comuns perderão espaço e outras até agora restringidas pelo frio serão melhor adaptadas ao clima ameno. “Haverá a redução da produção e da qualidade dos alimentos e o surgimento de novas culturas mais adaptadas às mudanças climáticas que afetam a produtividade do sistema. Por isso, temos que pensar em resiliência climática”, disse.
Os impactos fitossanitários das mudanças do clima na agricultura incluem modificações na incidência e severidade de patossistemas e pragas, e a alteração da população, multiplicação e dispersão de microorganismos fitopatogênicos. “A agropecuária na região é vulnerável às mudanças climáticas”, define.
Diante de tal quadro, o pesquisador enfatiza que a resiliência climática é o único caminho a seguir, definido como a capacidade de um sistema sócio-ecológico para absorver tensões e manter a sua função diante das tensões externas impostas pela mudança climática. A resiliência inclui se reorganizar para configurações mais desejáveis que melhoram a sustentabilidade do sistema e deixam-no mais preparado para impactos futuros.
Simões reforçou que o aumento de 1,5ºC da temperatura da Terra (em relação ao período pré-industrial), negociado no Acordo de Paris, em 2015, para limitar o aquecimento global e as emissões de gases de efeito estufa, “já era”. A partir de agora, diz ele, a humanidade precisa agir para que o aumento não chegue a 2ºC. Se nada for feito e o aquecimento global atingir níveis ainda maiores, como 4ºC ou até 5ºC, o cenário será extremo para a vida humana.
O criador do Centro Polar e Climático (CPC) da UFRGS enfatiza que as mudanças climáticas estão ocorrendo em todo o sistema terrestre: na atmosfera, há o aumento da concentração de CO2; na biosfera sentimos o aumento da temperatura da Terra; nos oceanos há o aumento do nível e da temperatura da água; e na criosfera ocorre a perda de gelo marinho, da cobertura de neve, geleiras, calotas de gelo e principalmente os dois mantos de gelo do planeta, a Antártica e Groenlândia.
“Temos que mitigar e nos adaptarmos”, conclamou o explorador polar.