21 Fevereiro 2025
“Quando as comunidades falam em transição energética e autonomia energética, não pensam na produção em larga escala e no consumo ilimitado que interessa ao capital. Propõem soluções locais, com uma gestão comunitária capaz de avaliar os impactos que essas soluções podem ter. Dirigem-se ao vento, à água e ao sol como aliados da vida nos territórios, sem contrariar os espíritos que fluem”. A reflexão é de Silvia Beatriz Adoue, publicada por Desinformémonos, 20-02-2025. A tradução é do Cepat.
Você não pode comprar o vento Você não pode comprar o sol Você não pode comprar a chuva Você não pode comprar o calor Você não pode comprar as nuvens Você não pode comprar as cores Você não pode comprar minha alegria Você não pode comprar minhas dores Rua 13
O rei Midas, reza a lenda, transformava tudo o que tocava em ouro. A descomunal gula do capital procura transformar tudo em mercadoria. O que está vivo, em uma coisa morta. Enterra os rios vivos, destrói florestas e engole toda energia vital num banquete indigesto, em cujo metabolismo o resultado não pode sequer servir de adubo. É o caso dos parques eólicos, que aproveitam a força do vento.
Há um conto do moçambicano Mia Couto em que um avô ensina o neto a recolher a água do rio, fazendo uma tigela com a mão, para beber, enquanto navegam numa canoa: “‘Sempre a favor da água, não se esqueça!’. […] Tirar água no sentido contrário da correnteza pode trazer infortúnio. Não se podem contrariar os espíritos que fluem” (Mia Couto. “Nas águas do tempo”. In: Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 10). A ambição exagerada nas relações com os outros e com os não humanos leva ao infortúnio.
Não se trata apenas de retirar energia do vento; há uma questão de escala: desde o moinho de vento compartilhado na aldeia até a produção ilimitada de energia. Sem limite, porque não se destina a quem habita o território. Pelo contrário, põe em movimento a grande máquina extrativista, que destrói as paisagens onde a vida prospera.
“Transição energética” e “energia limpa” soam bem aos ouvidos. Pois o petróleo e o carvão são apontados como as principais causas do desastre climático em que já estamos entrando. Mudar de combustíveis fósseis cada vez mais escassos para fontes de energia renováveis parece sensato.
No entanto, os biocombustíveis produzidos em larga escala a partir da cana-de-açúcar, do milho e da mamona supõem a existência de uma monocultura em larga escala, destinando a terra a esta produção, o que degrada o ambiente. As hidrelétricas também afetam os biomas, o clima e as atividades das comunidades que vivem às margens dos rios.
O mesmo vale para áreas onde estão instalados parques de energia solar e eólica. Esses parques requerem infraestruturas que necessitam de insumos extraídos pela mineração em larga escala. A pergunta que nem sempre é feita é: para que tanta energia? Na prática, como diz o Coletivo El Kintral, não há substituição, mas diversificação das fontes e aumento da produção global de energia. El Kintral prefere chamar a transição de “energívora”.
Olhando o mapa dos parques eólicos no mundo, percebemos que, na América Latina, a maioria está localizada nas costas marítimas, afetando diretamente a vida nessas terras. Os pássaros não conseguem mais voar conforme seus costumes, o barulho constante sobrecarrega as pessoas e a dispersão das sementes se vê alterada.
O impacto dos parques eólicos, porém, não se restringe ao território onde estão instalados. A energia precisa ser “transportada” por “rodovias elétricas” até o seu destino distante. Se a energia eólica fosse utilizada apenas para o consumo elétrico das residências, uma única torre eólica, com tecnologia de ponta, poderia abastecer 20 mil residências (80 mil megawatts/hora de energia elétrica).
No entanto, os parques eólicos não foram concebidos apenas com essa finalidade. A disponibilidade de energia em escala, bem como a infraestrutura logística, ativa um enorme número de projetos extrativos que ficaram encaixotados, porque, sem energia nem logística, não eram suficientemente rentáveis. Ou seja, a onda de choque destas obras de infraestrutura tem repercussões em regiões mais vastas.
Não, não há salvadores que venham em nosso auxílio. É o próprio território que precisa se defender. Os diretamente afetados e todos aqueles que receberão o impacto extrativo. Um parque eólico é uma ameaça para uma região inteira.
Mas, como disse o avô de uma comunidade de pescadores do Ceará, no Nordeste do Brasil, à qual as empresas ofereceram dinheiro para instalar um parque eólico: “não queremos vocês aqui, podem ir embora. O problema é que eles saem daqui e vão destruir outro lugar”. Ali, uma criança perguntou a uma marisqueira: “Tia, eles não vêm, né?” Ela respondeu: “Não vamos deixar”.
Monalisa Lustosa, que fez sua dissertação sobre o assunto, percorreu comunidades litorâneas do Ceará, onde o capital chinês vem instalando parques eólicos, prometendo mundos e fundos aos moradores. Consultas informadas e gratuitas não funcionam muito bem. Não são nem “livres”, nem “informadas” e muito menos comunitárias. Nas práticas de “permissiologia”, as empresas organizam reuniões individuais: “Fulano já assinou, você não vai assinar?” Assim, individualmente, as empresas desarmam as pessoas. Quando se organizam e resolvem coletivamente, as coisas mudam.
Monalisa ouviu as comunidades se organizarem para dizer “não” às eólicas. “Eu sempre digo: dinheiro é lixo. Dinheiro é lixo. O que você compra com dinheiro vira lixo, menos a terra. A terra não acaba. Temos o nosso mar livre para pescar e trabalhar. Meu maior sonho é ver todos felizes. Meu maior sonho e uma necessidade”, afirmou um pescador.
Mas, como diz o Pillo, se são rechaçadas, as empresas desmontam os equipamentos e os levam 6 km adiante. E, de qualquer forma, mesmo a 6 km, os aerogeradores afetam toda a região onde estão instalados. A organização local não é suficiente. No Ceará, por exemplo, diversas comunidades costeiras estão se organizando para enfrentar as empresas eólicas.
Brasil, México, Chile e Argentina são os países que possuem mais parques eólicos. Agora, no Brasil e na Colômbia, em grande parte para escapar da resistência das comunidades, querem construir parques eólicos offshore, como chamam os parques eólicos em alto mar.
Argumenta-se que a energia eólica em alto mar é maior e mais constante. Podemos imaginar os efeitos das vibrações, dos campos eletromagnéticos, da degradação do fundo dos oceanos e dos seus impactos na vida marinha.
A vida útil de um parque eólico é de 20 a 30 anos. Consideremos que cada torre eólica mede entre 90 e 120 metros. E, no caso de parques offshore, é necessário elevar a plataforma em pelo menos mais 30 metros. Cada plataforma pesa cerca de mil toneladas, para manter a torre estável. Podemos calcular o lixo que um parque eólico gera ao final da sua vida útil.
Quando as comunidades falam em transição energética e autonomia energética, não pensam na produção em larga escala e no consumo ilimitado que interessa ao capital. Propõem soluções locais, com uma gestão comunitária capaz de avaliar os impactos que essas soluções podem ter. Dirigem-se ao vento, à água e ao sol como aliados da vida nos territórios, sem contrariar os espíritos que fluem.