07 Fevereiro 2025
Nascido em 1944, em Collalto (província de Treviso, norte de Itália), Sergio Bastianel foi padre jesuíta desde os 28 anos, depois de ter entrado na Companhia de Jesus aos 21, em 1965. Desde 1981, leccionou teologia moral na Faculdade de Teologia da Universidade Pontifícia Gregoriana, uma das instituições de ensino superior dependentes do Vaticano, da qual chegou a ser diretor e onde se tinha doutorado, em 1980. Passou a professor emérito da Gregoriana em 2010, depois de ter dirigido um curso de formação ética para médicos e gestores de serviços de saúde. Morreu nesta quinta-feira, 6, em Itália.
Bastianel começara por ensinar em Nápoles, na Faculdade Pontifícia San Luigi, do Sul de Itália, em 1979. Ali regressou a partir de 2010, e até 2016. Neste ano, passou a diretor do Antonianum – Centro inaciano de cultura e formação, de Pádua e, em 2018-19, foi ainda formador do corpo docente da Faculdade Teológica do Triveneto, em Pádua.
Na pregação habitual da Igreja, dizia nesta entrevista de Março de 2001 (publicada no Público), há uma desproporção no peso dado às questões da moral privada, como o aborto, e às de justiça social. E acrescentava que “o estilo de vida contemporâneo na Europa seria seriamente posto em causa se a justiça econômica internacional fosse tomada a sério”.
Entre as suas obras mais importantes, algumas delas traduzidas em outras línguas, estão Il carattere specifico della morale Cristiana (Citadella, 1975); Autonomia morale del credente (Morcelliana, 1980), Vita morale nella fede in Gesù Cristo (San Paolo, 2005); Moralità personale nella storia (Gregoriana, 2005). Este último foi publicado em Portugal pelas edições da Cáritas Portuguesa. A mesma editora publicou Entre Possibilidades e Limites, por si coordenado, com textos de Donatella Abignente, José Manuel Pereira de Almeida, Paolo Benanti e Miguel Yanez, entre outros.
Na sua página pessoal na internet, escreveu em Novembro de 2020 – estávamos ainda em pandemia: “Pobre e abandonado por todos, és amado por Deus./ Moribundo, estás nas mãos de Deus como quando nasceste./ Pecador, por ti Cristo morreu./ Tu, quem quer que sejas, Deus quer-te com ele, vivendo em plenitude./ Tu, quem quer que sejas, deixa que Deus te ame no teu viver e no teu morrer./ Como és amado por ele, no viver e no morrer de Jesus, o Senhor.”
A reportagem é de António Marujo, publicada por 7Margens, 06-02-2025.
Estamos perante uma crise da moral, dos valores, da Igreja, da cultura ou de tudo junto?
Pode dizer-se que é tudo junto. Mas na história ocidental, cada 50 anos, há sempre quem diga: “Nunca o mundo esteve pior que agora.” Vivemos dificuldades, diferentes das anteriores, que talvez estejam ligadas a fenômenos culturais: nunca como agora se tinha dado um real encontro entre culturas diferentes.
Na Europa, o pluralismo e a diversidade são afirmados a partir de perspectivas diversas de valores ou de significados no campo ético. Seja sobre aspectos particulares, seja sobre a própria hierarquia dos valores. Esta é uma situação inédita. Por isso, o diálogo é a única via, apesar das dificuldades.
Não estamos, então, na pior época histórica de sempre?
Não. Se olharmos para trás, encontramos inimizades e lutas. Hoje também há fenómenos de violência que, por causa das possibilidades modernas, são enormes. Mas há uma consciência difusa da dignidade da pessoa, dos valores humanos, dos direitos humanos. É verdade que uma coisa é afirmar, outra é viver. Mas também é verdade que essa consciência vai crescendo, ajudada pelo confronto de diversas tradições e culturas.
A liberdade e a consciência individual estão, muitas vezes, em confronto com as (im)posições da Igreja, em questões como o aborto ou a eutanásia. Como se faz a síntese entre a liberdade e a doutrina da Igreja?
O problema não é tanto a autoridade, mas a eficácia da transmissão dos valores. O contexto de crise de valores – com entendimentos diferentes mesmo do ponto de vista da compreensão – já não é o de há 40 anos, quando nem todos viviam segundo os princípios, mas estes eram reconhecidos como tal.
O problema é possibilitar que as pessoas entendam as razões da afirmação de determinado valor. Isto representa um desafio à transmissão ética porque deve ser a própria pessoa a entender a razão e assumi-la. É aqui que entra a liberdade.
A transmissão de valores não é automaticamente eficaz. Posso fazer um discurso correto, mas o interlocutor não o entender. No plano ético, é importante que o outro entenda.
É só um problema de método?
Para transmitir eficazmente, no plano ético, determinado valor, é preciso que a própria transmissão seja eticamente correta. Não me posso impor ao outro. O meu objetivo é que ele compreenda, em consciência. E, depois, que compreenda aquilo de que estou convencido. Joga-se nisto a liberdade e a consciência do outro, que não depende de mim. A fragilidade da transmissão dos valores pode ser a sua grandiosidade.
Quando o Papa contesta o aborto, a mensagem é repetida até ao infinito. Mas se diz que a miséria é inadmissível, já não é escutada com a mesma força. Há mais atenção às questões de moral privada ou é o mesmo problema de método?
O Papa diz “não” ao aborto, mas apresenta também algumas razões e seria importante dar atenção a essas razões, estando ou não de acordo. Diz-se muitas vezes o que ele diz, mas não porque o diz, como sendo apenas o que é permitido e o que não é permitido. Isso é um impedimento à compreensão das mensagens, incluindo a mensagem do Papa.
É mais cômodo não enfrentar as questões que não nos tocam diretamente. Há uma mentalidade que tende a desvalorizar alguns problemas e a fazer emergir outros.
Dentro da Igreja, na pregação habitual, mantém-se uma desproporção entre o peso que se dá a alguns problemas como o aborto, e aquele que se dá a questões de justiça social. Fora da Igreja, há um problema análogo: o estilo de vida contemporâneo na Europa seria seriamente posto em causa se a justiça económica internacional fosse tomada a sério.
As questões de moral social são mais importantes que as relativas à moral privada? Se se pode falar em hierarquia de valores, a miséria é mais grave que o aborto?
Considerando-as exteriormente, diria que sim, se olharmos às consequências de determinado comportamento. Se olhar ao que sucede dentro de uma determinada cultura, então as coisas relacionam-se. É o problema dos critérios com que se decide a própria vida. É verdade que hoje se põem em contraste determinados valores que, no plano social, têm uma importância, e no plano individual, uma outra. Por exemplo: o tema da vida humana tem um subtema, o aborto, e outro diferente, o da miséria e da fome de muitas crianças.
Estas são as contradições do nosso tempo. Se somos, sobre um valor importante como a vida, tendencialmente indiferentes num ponto de vista, é difícil que em outras ocasiões estejamos atentos. Nós agimos com os mesmos critérios de escolha. A atenção às questões éticas no plano social talvez fosse mais sólida e mais lúcida se houvesse mais atenção aos problemas da vida pessoal. E vice-versa.
Há exegetas da Bíblia que sustentam, por exemplo, que o pecado de Sodoma afinal não é a homossexualidade, mas o de não acolher o estrangeiro. Os novos conhecimentos bíblicos podem mudar o olhar da Igreja sobre as questões morais?
Pode influir. A consciência do texto passa através de instrumentos de leitura do texto antigo. Há a leitura de fé, claro, mas a mensagem real de um determinado texto supõe a análise literária – incluindo no exemplo de Sodoma. A mudança de compreensão de um texto pode dizer qualquer coisa diferente, mas não automaticamente. Na teologia moral cristã, a compreensão nunca depende apenas da Escritura. Mas pode acontecer que a mudança de compreensão de textos da Escritura influa no modo de abordar um problema.
No texto que referiu, fala-se de um pecado que é o da não hospitalidade, uma transgressão de uma regra antiquíssima, e muito importante, em Israel. O que não quer dizer que a homossexualidade seja aprovada. Talvez não resulte de um modo tão primário, tão forte, a condenação deste comportamento, que não constituiu um problema urgente no Novo Testamento.
Peço-lhe que me diga uma curta frase sobre como olha para a atitude da moral cristã perante alguns temas:
Aborto.
Em si, é um mal moral, mas deve haver atenção às condições reais em que as pessoas vivem.
Operações de bolsa
É um jogo de sorte da parte de quem pode permitir-se fazê-lo; e as pessoas fazem-no, fazendo-o pagar aos outros. Do que compreendo, é moralmente não legitimável.
Clonagem humana
Não vejo a possibilidade de pensar na sua licitude.
Comércio de armas
No plano dos costumes sociais, é um dos crimes mais graves. Tanto mais que muitas vezes contém fachadas de intervenção humanitária.
Eutanásia
Em sentido estrito, é indubitavelmente um mal e não vejo como, mesmo individualmente, se pode decidir sobre a própria vida. Quando falamos de bem comum, deve recordar-se que a existência pessoal não é uma coisa simplesmente privada.
Fome e miséria
Há um imperativo que atravessa toda a tradição da Igreja, ainda que estejamos em presença de enormes contradições: está ligado ao tema bíblico da terra. A terra e as possibilidades da existência concreta são dadas à família humana e não aos indivíduos. O fato de existir miséria significa que há quem não usa corretamente os bens.
Homossexualidade
Não vejo como possa ser legitimada a homossexualidade ativa. Também aqui, há outra questão, que é a de olhar para a responsabilidade das pessoas, a fim de as compreender.
Planeamento familiar
A responsabilidade de uma vida de casal que esteja orientada para o serviço da vida e que implica a responsabilidade de decidir.
Propriedade da terra
Não há nenhum elemento teológico que permita interpretar que a posse privada seja o princípio. É um instrumento, uma via para a justiça social.
Racismo
O imperativo primeiro é a fraternidade. Não há nenhuma justificação para o racismo.
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