24 Janeiro 2025
O poema a seguir é de Jelson Oliveira, filósofo, publicado no Facebook, 23-01-2025.
Mas não viu a piúva pantaneira em pleno cio
Nem saudou o assovio dos canários no grande sertão
Nem visitou a fonte das águas no alto Himalaia
Nem sorriu para um mestiço nos Andes
Nem dançou pra chover com um índio do Xingu
Nem viu o mistério do mundo no olho de um peixe cáspio
Nem comeu amoras no entardecer
Nem reparou no entardecer
Nem abriu a janela para o vento que trazia a manhã
Acostumado que está com tabelas, gráficos, paredes e prisões
Que são todos a mesma coisa quase sempre.
O homem não sabe da pedra sob a neve
Mas quer devorar infinitos fora do alcance.
Ele não sabe de raízes, relvas e vertentes, que estão à mão.
Nunca pisou um chão sem azedumes
Nem saudou a inocência de uma espiga que cresce em precipício
E entorta para o antigo país dos deuses astecas.
O homem quer ir a Marte, cheio de petulâncias.
Anunciou isso entre gestos horrendos e sem corar
Sob os aplausos dos néscios e depravados senhores das cifras e dos algoritmos.
O homem quer ir a Marte em façanha histórica, disse.
Mas não viajou para o coração da criança faminta da África
Nem viu de perto a dor da mãe com fome a enterrar seu filho imundo
E inútil
Que o homem mesmo matou com a fome que ele inventou e multiplica.
O homem quer ir àquelas securas de pedra e vazio do planeta da guerra
Sem ter reparado na paz dos salares altiplanos
E sem ter provado o gosto da chuva
Crescendo no meio das bromélias da floresta atlântica.
Nada disso sabe o homem que espuma a boca, cuspindo impropérios.
O homem quer o que não tem porque despreza o que tem.
E há de matar o cão, o canário, o elefante e o colibri,
A orquídea, a borboleta e a onça
Que não estarão mais aqui quando ele, sozinho e mudo,
comerá suas pedras de ganância, sem expectadores.
O homem quer ir a Marte.
Cavoucando o céu com seu engenho
Trinca o escuro e cava, delirante,
A fenda de seu próprio sepulcro.
O homem há de matar o homem
Galopando, turbado, uma máquina hipersônica.