Um profeta do meio de nós. Comentário de Ana Casarotti

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24 Janeiro 2025

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Evangelho de Lucas 4,1-4; 4,14-21 que corresponde ao 4 Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra. Assim sendo, após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo. Deste modo, poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste. Naquele tempo, Jesus voltou para a Galileia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza. Ele ensinava nas suas sinagogas e todos o elogiavam. E veio à cidade de Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor". Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante, e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então começou a dizer-lhes: "Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir".

Neste período litúrgico, ao celebrarmos o Domingo da Palavra, a Igreja nos oferece a leitura e a meditação do Evangelho de Lucas. Hoje a porta se abre para nos apresentar a vida das primeiras comunidades narrada por esse evangelista. Antes de tudo, lembramos que Lucas escreveu dois textos: o Evangelho que leva seu nome e o livro dos Atos dos Apóstolos. Dessa forma, ele deixa um legado da difusão da Boa Nova e narra a vida em abundância que está sendo comunicada e como ela chega até os confins da terra (cf. Atos 1:8).

Lucas começa escrevendo a “história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra”. Na carta apostólica Aperuit Illis, onde o Papa Francisco institui o Domingo da Palavra, ele nos lembra que “que “antes de se tornar um texto escrito, a Sagrada Escritura foi transmitida oralmente e mantida viva pela fé dum povo que a reconhecia como sua história e princípio de identidade no meio de tantos outros povos. Por isso, a fé bíblica funda-se sobre a Palavra viva, não sobre um livro”. Lucas recolhe essa comunicação oral daqueles que foram testemunhas oculares, como ele mesmo disse e como ele mesmo afirma: “após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo”.

Lucas apresenta sua obra, dirigida a Teófilo, que significa “amigo de Deus”, no qual está simbolizada toda pessoa e as diferentes comunidades “amigas de Deus” que nasceriam da Boa Nova de Jesus comunicada e acolhida ao longo da história. Esse evangelho, juntamente com o livro dos Atos dos Apóstolos, é de grande riqueza, onde se destaca a misericórdia de Deus que ama cada pessoa, um Deus próximo do povo, vizinho daqueles que estão sendo deixados de lado, como narrado na parábola do samaritano que se torna próximo daqueles que estão feridos à beira da estrada. O Evangelho nos dá descrições de Jesus que está ao nosso lado, que nos convida a olhar com o seu olhar, a viver a sua alegria, a compartilhar com os mais necessitados. Destaca a presença das mulheres como protagonistas de momentos fundamentais na vida das primeiras comunidades, narra a anunciação do anjo a Maria, a visita e a alegria compartilhada com sua prima Isabel, e assim nos dá o tesouro da vida, da oração, da compaixão de Jesus! 

Este domingo destaca um momento preciso do ensino de Jesus em Nazaré, “onde ele havia sido criado”. Jesus está na sinagoga e, como era de costume, “levantou-se para fazer a leitura”. Ele recebe um livro, que é do profeta Isaías, e Jesus procura uma passagem específica na qual ele dá a conhecer sua identidade e missão. Jesus reconhece que “O Espírito do Senhor está sobre mim...”

É um texto que responde à pergunta que possivelmente percorreu a vida daquela pequena aldeia, daqueles que o conheciam e o ouviam pregar com uma sabedoria diferente. Quem é ele? Onde ele adquiriu essa sabedoria? Perguntas que possivelmente estavam no íntimo das pessoas, que poderiam facilmente se transformar em murmurações que às vezes não dão espaço para o novo, para o que não se encaixa em certas “lógicas” já estabelecidas. O mesmo Jesus que viram crescer, que consideram que “conhecem muito bem”, como às vezes acontece em pequenos vilarejos, dirá ele mesmo que “O Espírito do Senhor está sobre mim”, e enfatiza sua missão porque me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres.

A continuação, ele desenvolve em que consiste essa Boa Nova: “proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor". O texto deste domingo nos convida a olhar para Jesus e a nos deixarmos desafiar por ele. Podemos fazer nossas as palavras de Jesus, dizendo com ele: o Espírito me consagrou para proclamar a Boa Nova aos pobres? Somos sensíveis às diferentes formas de opressão que estão ocultas, mas que correm sob os mantos coloridos da liberdade e das aparências passageiras? Ousamos incentivar a esperança onde a dor e a morte parecem ter a última palavra? Ousamos abordar a cegueira que está ao nosso redor e obscurece o nosso olhar?

Jesus veio para proclamar a Boa Nova que é necessária para aqueles que estão sob o peso da opressão, da escravidão e da cegueira. É uma Boa Nova da liberdade, do amor que não mede consequências, da esperança que toca os desanimados e levanta os caídos, direciona o olhar dos cegos para que possam enxergar e não permite que a tristeza e a angústia invadam suas vidas e se tornem o aparente pão de cada dia.

Neste domingo da Palavra, abrimos nossas vidas para ouvir mais uma vez sua palavra e nos deixamos desafiar por ela. Como disse o Papa Francisco: “Quem se alimenta dia a dia da Palavra de Deus torna-se, como Jesus, contemporâneo das pessoas que encontra; não se sente tentado a cair em nostalgias estéreis do passado, nem em utopias desencarnadas relativas ao futuro. Aperuit Illis

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