07 Janeiro 2025
"Professores, pesquisadores e cientistas devem se libertar todos os dias para realmente servir ao desenvolvimento de sua ciência. E somente uma escola livre de “pensamentos únicos” e ideologias produtivistas pode aspirar a ser o centro de uma educação para a liberdade como tarefa", escreve Massimo Cacciari, filósofo italiano, em artigo publicado por La Stampa, 31-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nenhum voto melhor: que o próximo ano seja o ano da liberdade - e, no entanto, nenhuma palavra é mais incompreendida, vilipendiada, ofendida do que essa. Muitas vezes nos vangloriamos dela, nós, democratas do Ocidente, como se fôssemos seus únicos depositários, chamados pelo Senhor para ensinar ao mundo suas virtudes. E isso nos isenta de pensar sobre seu significado. Ninguém nasce livre. Pelo contrário, todos nós nascemos “acorrentados”, exatamente como as famosas figuras de Platão no mito da caverna, condicionados por todos os lados, dentro de hábitos, tradições, crenças, que não criamos nem quisemos. Que sejam boas ou ruins, só poderemos decidir mais tarde, mas, de qualquer forma, serão o pressuposto ineliminável de todos os nossos atos, assim como o idioma que aprendemos com o leite materno. Isso significa apenas uma coisa: que a liberdade é uma tarefa. Só está em nosso poder nos tornarmos livres, submetendo tudo o que nos é transmitido, todas as formas do já-dito e do já-feito, à crítica, à crítica implacável, eu diria.
Mas isso não é suficiente. Essa é a parte mais fácil de nossa tarefa. Todos aqueles que enfrentaram realisticamente o enigma de nossa natureza, sem qualquer pretensão consoladora, os verdadeiros “psicólogos”, sabem que os opostos estão contidos nela. Falar do humano em oposição ao inumano é a mais vazia das conversas, que a história refuta categoricamente. O humano é, ao mesmo tempo, o além-humano de quem é capaz de amar o próprio inimigo e o sub-humano de quem busca absolutamente o mal do outro a ponto de querer aniquilá-lo. O humano é tudo o que se agita e é compreendido entre esses dois polos. Mas somente o primeiro podemos chamar de liberdade, pois nele nenhum ódio, nenhum ressentimento, nenhuma inveja, nenhuma vontade de dominar pode nos condicionar. O outro polo é o do mal para os outros, em primeiro lugar, mas também para nós mesmos. Aquele que se orienta por ele acaba se destruindo. Portanto, a tarefa da liberdade consiste em superar a “maldade” que existe em nossa natureza e que pode explodir a qualquer momento se não a combatermos em sua raiz. Não sei se as nossas forças e razão sozinhas são suficientes para esse fim. Talvez não, pelo contrário: certamente não para alcançar aquele além-humano que mencionei - talvez sim, se entendermos que perseguir o mal do outro para exaltar o nosso próprio poder ameaça até mesmo a nós mesmos de morte.
Esperemos ser capazes de cumprir a tarefa mais elementar e, ao mesmo tempo, difícil, que deveria caber àquele que se considera livre: libertar. Em vão iremos à caça de uma demonstração “lógica” de nossa liberdade. Só podemos acreditar que podemos demonstrá-la nos atos - e só podemos fazer isso libertando. Libertando da fome os que têm fome, do sofrimento os que sofrem, da guerra os que a guerra massacra, estando próximos, por todos os meios, dos que são torturados por tiranias odiosas, mas não infligindo a eles tormento maior com guerras “de libertação”, que odiosamente mascaram nada mais do que a vontade de poder. Não é livre aquele que se preocupa apenas com sua própria segurança; livre é apenas aquele que age para libertar.
Mas ninguém jamais se libertará se não tiver se libertado. E essa é uma tarefa que se repete todos os dias, em nossas vidas e em nossas profissões. Uma tarefa que está se tornando cada vez mais objetivamente árdua, devido à eficácia e à invasividade de todos os tipos de “persuasores ocultos”, devido à impotência das instituições que garantiam, bem ou mal, o exercício da discussão crítica, a participação na vida política. O “pensamento único” exige que o valor de cada atividade seja ponderado em relação ao seu desempenho econômico, à sua utilidade. Ser livre também significará tentar, na medida do possível, liberar a pesquisa de sua dependência cada vez mais acentuada dos interesses econômicos e mercantis. E uma política que busque a liberdade será a melhor aliada de pesquisadores e cientistas.
Para eles, ser livres significará também libertar-se dos absurdos burocrático-ministeriais que lesam a autonomia nas escolas e nas universidades, enquadrando o trabalho em esquemas rígidos, impedindo a circulação de experiências e a comunicação entre diferentes áreas do conhecimento. Sempre com base na ideia totalmente iliberal de que a escola deve servir a determinados propósitos econômico-produtivos. Professores, pesquisadores e cientistas devem se libertar todos os dias para realmente servir ao desenvolvimento de sua ciência. E somente uma escola livre de “pensamentos únicos” e ideologias produtivistas pode aspirar a ser o centro de uma educação para a liberdade como tarefa.
Nenhuma família, nenhum órgão tradicional, poderão jamais garantir a formação de um pensamento autônomo e crítico no jovem. Somente a escola pode ensinar a tarefa da liberdade. Hoje, nossa escola está ameaçando trair essa sua missão fundamental. Pesquisadores, professores e cientistas, em primeiro lugar, devem libertá-la dessa condição degradante. Ou mostrarão que nem mesmo eles são livres.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Liberdade é uma palavra incompreendida e vilipendiada: somente a escola pode reconstruir seu sentido. Artigo de Massimo Cacciari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU