17 Dezembro 2024
A reportagem é de Fabio Colagrande, publicada por Religión Digital, 16-12-2024.
"Precisamos de poetas que possam nos ajudar a amar o mundo, encontrar palavras de esperança e retomar uma relação mais saudável e equilibrada com a natureza. Precisamos do reservatório de humanidade e visão que os poetas representam."
O Cardeal José Tolentino de Mendonça, teólogo e poeta, fala com paixão da iniciativa promovida pelo Dicastério para a Cultura e a Educação, do qual é prefeito, para homenagear o 800º aniversário do Cântico das Criaturas de São Francisco. De 2 a 4 de dezembro, ele fez parte de um grupo de poetas de renome internacional que se reunirá no Vaticano, depois em Assis, para se inspirar naquele texto fundacional da literatura italiana, para compartilhar obras inspiradas nos valores franciscanos, para redescobrir através da poesia os valores da paz e da fraternidade.
O evento, intitulado Em nome do cântico, foi organizado em colaboração com o Comitê Nacional Italiano para a Celebração do VIII Centenário da Morte de São Francisco e tem como objetivo celebrar seu legado como figura de conexão entre os povos, guardião da criação e promotor das relações humanas baseadas no perdão e na liberdade.
Mas por que reunir 18 poetas de diferentes nacionalidades no Vaticano? "Os poetas são importantes e sua relação com a Igreja e o cristianismo não é nova", explica o cardeal entrevistado pela mídia vaticana. "Este ano celebramos o 800º aniversário do Cântico das Criaturas e sabemos como essa composição poética desempenhou um papel fundamental na espiritualidade, na visão do mundo, na experiência cristã, na relação com outras criaturas". "Podemos dizer que realmente gerou uma nova sensibilidade. E é isso que esperamos também dos poetas do nosso tempo, que trazem sementes de novidade, de futuro, que podem nos dizer o que é novo, destacar novas possibilidades".
Em julho de 2024, o Papa Francisco publicou uma Carta sobre o Papel da Literatura na qual sublinha a capacidade da poesia de tocar o coração do ser humano e, recentemente, no prefácio do volume do livro Versos para Deus, Antologia de Poesia Religiosa, definiu o poeta que "com os olhos olha e sonha ao mesmo tempo, ele vê mais profundamente, ele profetiza." "Muitas vezes, ao falar em público, tanto para escritores quanto para crianças nas escolas, o Papa Francisco usou o termo poeta como sinônimo de criativo", explica o prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação. "Uma pessoa criativa na esfera social, ou seja, alguém que pode imaginar, pode trazer novas possibilidades para o presente, que ainda não existe, mas pode enriquecer muito a realidade".
"Hoje como ontem a Igreja precisa de vocês e se dirige a vocês", disse Paulo VI no encerramento do Concílio na Mensagem aos artistas, depois de ter querido restabelecer a amizade com eles na Capela Sistina em 1964. Podemos dizer que ainda hoje a Igreja pede ajuda aos poetas? "Absolutamente sim", comenta o cardeal Tolentino de Mendonça. "É o que o Papa Francisco reitera hoje. Precisamos de pessoas criativas, escritores, romancistas, novos contadores de histórias, precisamos de poetas que possam nos ajudar a amar o mundo, encontrar palavras de esperança, nos ajudar a recuperar uma relação mais saudável e equilibrada com a natureza. Os poetas são guardiões desse entrelaçamento da humanidade. "Um poeta", explica o cardeal, "é uma espécie de reservatório de humanidade, porque em suas palavras ele sempre tenta humanizar sentimentos e experiências. E é disso que precisamos: o reservatório de humanidade e visão que os poetas representam."
Em Nome do Cântico é também proposto como um momento de discussão entre os artistas da palavra para redescobrir a relevância do Cântico do Irmão Sol que, segundo os estudiosos, Francisco de Assis compôs entre 1224 e 1226, ano da sua morte. "É uma questão enorme e transversal da atualidade", explica o cardeal.
"O encontro visa refletir sobre a posteridade do Cântico, sobre o seu impacto, não só a nível da cultura e da língua na Itália e noutras culturas, mas também sobre a visão, o modo de ser poeta, de ser artista". "Queremos refletir sobre o seu impacto em gerações de leitores que aprenderam a construir uma relação mais universal e fraterna com todas as criaturas a partir dessa canção", explica Tolentino de Mendonça. "Pensemos em quantos poemas, quantos filmes, quantos romances, obras culturais foram criados meditando sobre essa mesma composição que é como uma semente escondida no coração do tempo."
Num século em que a humanidade enfrenta de novo o horror da guerra, a contribuição dos poetas para a promoção da paz pode parecer secundária. O prefeito do Dicastério para a Cultura discorda. "Lembro-me de uma anedota ligada à biografia da poetisa russa Anna Achmatov, que em um período de guerra e deportação procurava seu filho. Um homem que também procurava desesperadamente por seu filho a reconheceu e, olhando para ela, perguntou: 'Você pode me dizer isso?' Aqui", explica Tolentino de Mendonça, "os poetas são aqueles que sabem contar: contar o drama da guerra - pensar na poesia de Primo Levi em 'Se este é um homem' - fazer as perguntas que ajudam os homens a procurar a paz e a compreender qual é a única solução humana verdadeira e desejável".
O Papa Francisco escreveu que os poetas podem nos ajudar a entender melhor Deus como "o poeta da humanidade". O cardeal sublinha com uma metáfora a capacidade dos escritores de abrir nossa imaginação ao mistério de Deus: "Um poeta é uma espécie de antena, uma sonda para interceptar o invisível, para interceptar o silêncio. E Deus fala em silêncio" "Se nós, como sociedade, eliminamos o silêncio, eliminamos também a possibilidade de acesso ao mistério de Deus que se faz sentir no silêncio. Os poetas são mestres do silêncio, da palavra certamente, mas todos os poetas são consequência do silêncio e sabem habitar o silêncio de maneira teológica".
O encontro internacional de poesia Em nome do cântico reunirá, por iniciativa do Dicastério para a Cultura, uma representação de escritores de diferentes nacionalidades e línguas: dezoito poetas, treze homens e cinco mulheres, da Itália, Espanha, Portugal, Israel, Estados Unidos e Argentina.
O evento é dividido em três dias: um seminário reservado apenas aos poetas do Dicastério, na manhã de 2 de dezembro, seguido à tarde por uma leitura pública na igreja de São Francisco em Ripa. No dia 3 de dezembro, a peregrinação a Assis e, finalmente, o diálogo com o público na feira editorial "Più Libri Più Liberi" em Nuvola all'EUR, na quarta-feira, 4 de dezembro. "É uma articulação que nos permite chegar a públicos muito diferentes", explica Tolentino de Mendonça. "Começamos ouvindo os poetas de cada um para que eles se conheçam e tentem apresentar seus trabalhos. Depois, a leitura em San Francesco a Ripa será um sopro de oração, encarnado nas palavras dos poetas.
A visita a Assis foi solicitada por todos os poetas, porque significa ouvir o lugar onde nasceu o Cântico. E, finalmente, o encontro com os leitores, os leitores desses poetas e os leitores de Francisco de Assis".
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“A Igreja precisa de poetas, uma espécie de reserva da humanidade” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU