16 Dezembro 2024
"Nesse contexto, o suposto assassino, Luigi Mangione, “se via como um herói que havia decidido agir contra a injustiça”, explica a polícia de Nova York, que analisou o manifesto encontrado no momento de sua prisão. No entanto, o jovem poderia ter pago pelo tratamento de que precisava sem a intervenção de um plano de saúde. Sua família, de origem siciliana, está bastante bem de vida", escreve Elena Molinari, jornalista italiana, em artigo publicado por Avvenire, 11-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após a prisão de Luigi Mangione, os posts muitas vezes ultrapassaram os limites da decência, louvando o assassino. Mas também se destacaram as distorções do sistema de saúde privada que obtem lucros e nega os tratamentos.
Cirurgias de câncer negadas. Quimioterapia não reembolsada. Idosos que recebem alta prematuramente e contra a orientação dos médicos. E raiva, muita raiva. A prisão do suposto assassino do CEO da United Healthcare, identificado como Luigi Mangione, um jovem de 26 anos de ascendência ítalo-americana, indiciado por cinco crimes, não pôs uma tampa no vulcão de frustração que explodiu após a execução a sangue frio, no centro de Manhattan, de Brian Thompson na última quarta-feira. Porque as emoções contra os serviços de assistência privados dos EUA estão em ebulição há anos.
A erupção muitas vezes ultrapassou os limites da decência, com posts louvando o assassino ou afirmando que a vítima não era “um ser humano”. Mas também trouxe à tona montanhas de sofrimento causadas pelo sistema de saúde estadunidense, dominado por um punhado de seguradoras privadas que, em média, negam a cobertura para tratamentos ou medicamentos prescritos por médicos uma em cada três vezes, mesmo quando já a haviam prometido anteriormente.
O poder sem controle das multinacionais de saúde faz com que, nos EUA, o seguro em saúde seja extraordinariamente complicado, caro e arbitrário. Mais de 250 milhões de pedidos de ressarcimentos são rejeitados todos os anos pelas seguradoras privadas de saúde. A United Healthcare, que teve receita de US$ 281 bilhões no ano passado, é a que mais rejeita e já foi alvo de numerosos protestos em frente à sua sede em Minneapolis. Parece também que a UnitedHealthcare esteja no momento se defendendo de uma ação coletiva que a acusa de usar um algoritmo de inteligência artificial com uma taxa de erro altíssimo para recusar a cobertura de saúde a segurados mais idosos.
Nos últimos dias, milhares de estadunidenses inundaram as mídias sociais com acusações de crueldade contra a empresa, explicando que ela negou cobertura para defeitos congênitos, o tratamento de recém-nascidos ou cirurgias de urgência. As reclamações também incluem as de muitos médicos. Saju Mathew, médico há 20 anos, afirma, por exemplo, que as seguradoras estão bloqueando cada vez mais procedimentos críticos por meio de processos complexos de autorização prévia. “Nós, médicos, reclamamos e gritamos a plenos pulmões sobre quantas companhias de saúde estão negando atendimento diariamente”, disse Mathew ao site NewsNation Now, citando pacientes com câncer que não conseguem obter exames fundamentais, como mamografias.
Uma mudança significativa exigiria uma ação do Congresso, que poderia impor a transparência sobre as taxas de negação dos seguros e colocar o poder de decisão de volta nas mãos de médicos e pacientes, tirando das empresas o arbítrio completo sobre as necessidades médicas dos segurados de que desfrutam atualmente. Uma pesquisa recente da KFF, uma organização não partidária dedicada à política de saúde, revela que 97% dos eleitores EUA acreditam que as seguradoras têm uma responsabilidade significativa pelos altos preços da assistência médica.
E um relatório de fevereiro do mesmo grupo destaca que os estadunidenses têm US$ 220 bilhões de dívidas em saúde e que cerca de 3 milhões devem mais de US$ 10.000 cada. Os estadunidenses pagam mais por assistência em saúde mais do que qualquer outro país, geralmente mais de mil dólares por família por mês, e a situação só está piorando. De fato, nos últimos cinco anos, os pacientes têm mais probabilidade de ter seus pedidos de reembolso rejeitados, de pagar mais por mensalidades e consultas médicas e enfrentar custos imprevistos, devido à forte consolidação dentro do setor.
Nesse contexto, o suposto assassino, Luigi Mangione, “se via como um herói que havia decidido agir contra a injustiça”, explica a polícia de Nova York, que analisou o manifesto encontrado no momento de sua prisão. No entanto, o jovem poderia ter pago pelo tratamento de que precisava sem a intervenção de um plano de saúde. Sua família, de origem siciliana, está bastante bem de vida. Seu avô Nicholas, um pedreiro, construiu um pequeno império imobiliário, com uma cadeia de casas de repouso e dois clubes de campo na área de Baltimore. Nino Mangione, primo de Luigi, é um deputado republicano na Assembleia Estadual.
Os membros da família disseram ontem que estavam “devastados e em choque com a prisão de Luigi”, de quem haviam perdido os rastros. O jovem de 26 anos, depois de se formar como em primeiro lugar em uma escola preparatória de prestígio e de se formar duas vezes na universidade UPenn da Ivy League em ciência da computação e engenharia, cortou relações com todos depois de passar por uma cirurgia na coluna vertebral que não resolveu as dores crônicas que o impediam de praticar esportes e levar uma vida normal.
Mangione, no entanto, deixou vários rastros na Internet, que falam de sua transformação ideológica. Em janeiro, fez a resenha de um livro que continha o manifesto de Ted Kaczynski, o Unabomber, o matemático que se tornou terrorista anarquista e que durante anos aterrorizou os Estados Unidos com seus pacotes explosivos, matando três pessoas. Agora Mangione está em uma cela aguardando julgamento, sem possibilidade de fiança. Precisa ser extraditado da Pensilvânia, onde foi capturado, para Nova York. Em seu bolso estava a arma do crime e um bilhete: “Eu tinha que fazer isso. Esses parasitas estavam merecendo”, dizia.
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Quando um assassino se torna o “herói vingador” da raiva contra a (má) assistência médica EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU