02 Dezembro 2024
A riqueza e o desenvolvimento prometidos pelos combustíveis fósseis não chegaram à população do Maranhão, ameaçada pelo fracking, que tem alto impacto ambiental e social.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 02-12-2024.
Um caminhão velho segue pela BR-135, estrada que corta o centro de Santo Antônio dos Lopes, no interior do Maranhão. Na caçamba, há dois homens sobre uma montanha de lixo. O veículo passa em frente a um outdoor na entrada da cidade. A propaganda traz a imagem de uma mulher sorrindo, vestida com uniforme industrial, e uma mensagem sobre a “nova energia que está transformando” o estado e o país. “O gás natural da Eneva faz diferença pra você, pro Maranhão e pro Brasil”, diz o anúncio.
Menos de 1 km depois, o caminhão deixa o asfalto e pega uma estrada de terra. São poucos metros até o destino final: um lixão a céu aberto, irregular, encobre a floresta. Os homens acionam a caçamba e despejam lixo hospitalar. São tubos com restos de coleta de sangue, de urina, colchões que foram usados por pacientes, uma infinidade de materiais contaminantes. Um flagrante desrespeito às regras ambientais e de vigilância sanitária.
Sem luvas, os trabalhadores retiram o que resta na caçamba e jogam no solo da maior província de gás fóssil do Maranhão. A riqueza submersa, há mais de uma década, promete mudar a realidade do local, mas até hoje não alterou a precariedade da pequena Santo Antônio dos Lopes, de 14 mil habitantes, narra André Borges na Folha.
Acompanhado do repórter cinematográfico Ruy Baron, Borges percorreu os municípios maranhenses que formam uma das maiores províncias de gás terrestre do Brasil, para entender as mudanças social, econômica e ambiental de uma região que, desde 2013, passou a ser alvo de intensa exploração do combustível fóssil. E comprovaram o que já é sabido: a riqueza e o desenvolvimento que costumam ser prometidos pelos defensores do petróleo e do gás fóssil não chegaram à população local. O Maranhão continua sendo um dos estados mais pobres do país.
De 2013 até agosto de 2024, a cidade recebeu R$ 166,7 milhões em royalties ligados à exploração de gás, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). No entanto, Santo Antônio dos Lopes tem boa parte de suas ruas com o esgoto correndo a céu aberto. Apenas 5% dos domicílios possuem saneamento básico adequado, segundo dados do IBGE, no Censo de 2022. E a reviravolta do emprego, que sempre é prometida na chegada da exploração fóssil, também não veio. Em 2022, apenas 10% da população tinha uma ocupação formal.
A Eneva é a operadora do chamado Complexo Parnaíba, em Santo Antônio dos Lopes. Ele é abastecido diariamente por 8,4 milhões de m3 de gás fóssil de toda a região, insumo que é queimado para gerar energia elétrica e que responde por 9% da capacidade de produção térmica a gás do Brasil.
Como acontece costumeiramente na exploração de combustíveis fósseis, a empresa lava as mãos quanto à sua responsabilidade pelo disparate socioambiental. A Eneva afirmou à Folha que paga os royalties previstos em lei, mas que “os agentes privados não possuem nenhum tipo de ingerência em relação à gestão desses recursos pelos governos”.
No entanto, a Eneva defende entusiasticamente aplicar na região de Santo Antônio dos Lopes o fraturamento hidráulico, ou fracking. É uma técnica com altíssimo impacto ambiental e social, banida em alguns países e também em alguns estados brasileiros, como Paraná e Santa Catarina, mas pela qual faz um lobby silencioso. Não à toa o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, insiste que o Brasil deveria explorar gás fóssil por fracking. E o governo do Maranhão aponta a técnica como uma “oportunidade de negócios”.
De maneira geral, a população local desconhece o assunto, conta André Borges na Folha. Entretanto, organizações da sociedade civil têm se mobilizado, em encontros públicos e audiências, para traduzir os riscos que essa técnica pode trazer ao meio ambiente e para quem vive nas áreas onde ela for aplicada.
Integrante da coordenação da campanha “Boas Energias: Maranhão Sem Fracking”, João Octávio reforça que o método é “predatório” e “privilegia apenas o interesse econômico, sem retorno social”. Para alertar a população sobre os perigos da técnica, a campanha lançou uma cartilha.
“Precisamos de aprimoramento da legislação e postura de precaução. Não temos de correr atrás do leite derramado. Temos que evitar que aconteçam desastres ambientais”, ressaltou.
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No Maranhão, região com exploração de gás fóssil é marcada por pobreza e miséria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU