14 Novembro 2024
- Não é chegado o momento de nos colocarmos as grandes questões que nos permitirão recuperar o “sentido global” da existência humana na Terra e aprender a viver uma relação mais pacífica entre os homens e com toda a criação?
- Os interesses econômicos imediatos são mais fortes do que qualquer outra abordagem. É melhor desdramatizar a crise, desqualificar “os quatro exaltados ambientalistas” e favorecer a indiferença.
“Entramos num beco sem saída, colocando em crise todo o sistema de vida do mundo”.
O artigo é de José Antonio Pagola, teólogo espanhol, comentando o Evangelho do Corpo e Sangue de Cristo – Ciclo B (Marcos 14,12-16.22-26), publicado por Religión Digital, 11-11-2024.
Eis o artigo.
O homem contemporâneo não tem mais medo de discursos apocalípticos sobre “o fim do mundo”. Também não se detém para ouvir a mensagem esperançosa de Jesus, que, usando a mesma linguagem, anuncia, no entanto, o nascimento de um mundo novo. O que o preocupa é a “crise ecológica”. Esta não é apenas uma crise do ambiente natural do homem. É uma crise do próprio homem. Uma crise global da vida neste planeta. Crise mortal não só para os seres humanos, mas para outros seres animados que a sofrem há muito tempo.
Pouco a pouco começamos a perceber que entramos num beco sem saída, colocando em crise todo o sistema de vida do mundo. Hoje, “progresso” não é uma palavra de esperança como era no século passado, pois há um medo crescente de que o progresso acabe por servir não só a vida, mas também a morte. A humanidade começa a ter a sensação de que um caminho que leva a uma crise global não pode ser correto, desde a extinção das florestas à propagação das neuroses, da poluição das águas ao “vácuo existencial” de tantos habitantes de cidades populosas.
Para parar o “desastre” é urgente mudar de rumo. Não basta substituir as tecnologias “sujas” por outras “mais limpas” ou a industrialização “selvagem” por uma mais “civilizada”. São necessárias mudanças profundas nos interesses que hoje orientam o desenvolvimento e o progresso das tecnologias. Aqui começa o drama do homem moderno. As sociedades não se mostram capazes de introduzir mudanças decisivas no seu sistema de valores e significados. Os interesses econômicos imediatos são mais fortes do que qualquer outra abordagem. É melhor desdramatizar a crise, desqualificar “os quatro exaltados ambientalistas” e encorajar a indiferença.
Não é chegado o momento de nos colocarmos as grandes questões que nos permitirão recuperar o “sentido global” da existência humana na Terra e aprender a viver uma relação mais pacífica entre os homens e com toda a criação?
O que é o mundo? Uma “propriedade sem dono” que nós homens podemos explorar impiedosamente e sem qualquer consideração ou a casa que o Criador nos dá para torná-la cada dia mais habitável? O que é o cosmo? Uma matéria-prima que podemos manipular à vontade ou a criação de um Deus que, através do seu Espírito, vivifica tudo e conduz “os céus e a terra” à sua consumação definitiva?
O que é o homem? Um ser perdido no cosmos, lutando desesperadamente contra a natureza, mas destinado a extinguir-se sem remédio, ou um ser chamado por Deus a viver em paz com a criação, colaborando na orientação inteligente da vida para a sua plenitude no Criador?
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