15 Outubro 2024
"Se colocarmos novamente em jogo a hipótese excluída, talvez possamos perguntar a nós mesmos e aos outros que estão conosco nesta vida para recolocar em discussão as suas escolhas, recolocar em discussão as suas guerras, recolocar em discussão a sua ideia do Inimigo e ajudar a construir uma sociedade diferente, um mundo diferente, um mundo que não acabe".
O artigo é de Raniero La Valle, jornalista, ex-senador italiano, publicado por Chiesa di tutti Chiesa dei poveri, 11-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Retomamos o nosso diálogo, que teve uma longa pausa por vários motivos. Mas, neste intervalo, não tiveram pausa nem o genocídio em Gaza nem a guerra na Ucrânia, e o que é ainda mais grave é que não há um fim à vista, porque em ambos os conflitos um dos lados exclui a possibilidade de pôr um fim até que tenha alcançado seu objetivo, ou, como um deles afirma “até que o trabalho esteja feito”. E o objetivo, ou o trabalho a ser feito, é inatingível, seja para um como para o outro: para o Estado de Israel, seria encerrar definitivamente a questão palestina, extirpando o povo palestino de toda a terra - do mar ao Jordão - que considera sua, e está fazendo isso com a devastação de Gaza programada com os algoritmos e guiada pela Inteligência Artificial; a Ucrânia, por sua vez, junto com a Europa e os Estados Unidos, que são seus mandantes, persegue o objetivo da derrota ou, em todo caso, da aniquilação da Rússia.
Portanto, da crise desencadeada por essas duas guerras, que estão dançando na soleira de uma possível guerra nuclear e mundial, não parece possível uma saída pelos caminhos da política e da racionalidade humana. E o discurso de Netanyahu na ONU, em 27 de setembro, deu o golpe de misericórdia não apenas na ideia de que o massacre impiedoso em Gaza possa acabar, mas também de que possa haver um mundo decente em nosso futuro próximo. Atribuindo o motivo diretamente a Moisés e, portanto, a uma ordem divina, o primeiro-ministro israelense de fato defendeu os crimes de seu governo como direcionados à “vitória total”.
Isso consistiria em dar lugar a um mundo representado em dois mapas que ele exibiu à atônita assembleia da ONU (reduzida à metade devido à polêmica ausência de um grande número de Estados que não gravitam na órbita ocidental). Em sua descrição, esses dois mapas são um de bênção e outro de maldição: o primeiro é o de uma metade do mundo sob o cetro de Israel, da Arábia Saudita ao Oceano Índico, e a outra metade somos nós. Além disso, Israel começou a implementar esse projeto com a invasão do Líbano, o ataque às forças de interposição da ONU, entre as quais estão os Italianos, e, portanto, o rompimento também militar com a comunidade de Nações, o ataque ao Irã.
Netanyahu não é o primeiro a quebrar o mundo em pedaços. O outro é o Corriere della Sera, que adora celebrar as glórias do Ocidente como aquelas que o dividem do “resto do mundo”, “democracias” versus “autocracias”. Mas há também o mundo teatro da “competição estratégica” proclamada pelos Estados Unidos, em que o desafio é derrubar a Rússia e a China, há a Europa que envia a Ucrânia para a morte e transforma em guetos os mundos que antigamente ia descobrir, e há o velho fantasma da Cortina de Ferro que retorna para dividir o Leste e o Oeste.
Em um mundo tão despedaçado, seria muito estranho se não houvesse guerras e mais guerras, intermináveis, generalizadas e não convencionais. Será que ainda temos condições de sair delas? Se “a casa está queimando”, como gritou num encontro em Florença dedicado a isso, e a política é incapaz de fornecer respostas, não se deveria pedir explicações apenas a este ou aquele governo, a esta ou aquela cultura, mas a própria modernidade fundada no velho pressuposto, bem conhecido de Moisés, de colocar um ídolo fabricado no lugar de Deus?
O ídolo de hoje é a tecnologia, graças à qual, como o Papa João XXIII denunciou na Pacem in Terris, entramos na era que se glorifica a energia atômica e que agora, com a Inteligência Artificial, dá razão a Heidegger, para quem a tecnologia não tem mais nada a ver com as ferramentas, mas “em sua essência é algo que o homem em si não tem capacidade de dominar”. Confrontado com esse abismo, o próprio Heidegger, em uma reflexão extrema entregue à revista alemã Der Spiegel, abria um espaço vertiginoso para a questão de saber se “somente um Deus pode nos salvar”.
Era uma hipótese temerária, não “politicamente correta”, pois era proferida no coração de uma modernidade fundada na hipótese oposta, de que “Deus não existe e não cuida da humanidade”, que havia sido provocadoramente apresentada pelo cristão Hugo Grotius na Holanda reformada do século XVII para abrir a temporada da maioridade do homem. Exceto pelo fato dessa hipótese ter sido transformada pela modernidade em absoluto, e sobre esse pressuposto fundou toda a sua identidade, sua fecunda laicidade e o dogma do secularismo, excluindo a hipótese oposta como ultrapassada e infantil. Mas hoje, diante da guerra perpétua e da ameaça do fim, será que não chegou o momento de questionar essa suposição e nos perguntarmos se a hipótese excluída da presença amorosa de Deus na história não deveria ter a mesma legitimidade que a hipótese assumida como verdadeira?
Isso não significa invocar um milagre, uma intervenção extraordinária da parte de Deus, abandonando-se a uma transcendência que não podemos controlar, mas significa saber como, em relação a esse Deus, os homens podem mudar, podem se converter, podem abandonar suas intenções de guerra de extermínio e de ódio; e isso é possível mesmo que não acreditem em Deus e que não saibam nada sobre a graça, porque, como diz o Papa Francisco com um neologismo espanhol, Deus primerea, ou seja, chega com seu amor antes mesmo da invocação ou do pecado do homem.
Esse é o messianismo cristão, fundado na encarnação, na “troca” dos homens com Deus, na vocação de se tornar como ele, de que fala São Paulo em sua segunda carta aos Coríntios. Se colocarmos novamente em jogo a hipótese excluída, talvez possamos perguntar a nós mesmos e aos outros que estão conosco nesta vida para recolocar em discussão as suas escolhas, recolocar em discussão as suas guerras, recolocar em discussão a sua ideia do Inimigo e ajudar a construir uma sociedade diferente, um mundo diferente, um mundo que não acabe.
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A hipótese excluída. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU