27 Setembro 2024
"Os recentes acontecimentos climáticos extremos no Brasil mostram que não podemos mais esperar e adiar ações efetivas nessa área. A natureza não espera. Esse problema atinge a todos, pobres e ricos. As pessoas com grandes fortunas precisam dar sua contribuição", escreve Clair Hickmann, presidente do IJF, e Paulo Gil Introíni, vice-presidente do IJF, em artigo publicado por Instituto Justiça Fiscal, 25-09-2024.
A tributação das grandes fortunas e altas rendas é um tema que sempre gera debates acalorados e as mais diversas reações. Nessas discussões, surgem frequentemente comentários, mitos, equívocos que revelam desconhecimento da real compreensão dos efeitos positivos que a cobrança de impostos sobre essas bases econômicas geraria. Na verdade, é fácil identificar de onde vêm as tentativas de interdição do debate: dos mais ricos e seus representantes.
Limitamo-nos a mencionar os cinco principais motivos pelos quais devemos taxar essas riquezas, incluindo a instituição do imposto sobre grandes fortunas e a incidência progressiva e isonômica sobre lucros e dividendos distribuídos e sobre os rendimentos de aplicações financeiras vultosas.
Cuidar do povo para termos uma sociedade mais justa é uma tarefa gigantesca e fundamental. O primeiro passo é superar a insuficiência de recursos públicos. Atender as necessidades básicas da população como saúde, educação, saneamento, moradia, segurança, infraestrutura e reduzir as desigualdades sociais é uma obrigação constitucional dos governos, além de ser uma questão ética e de princípios de justiça.
Para cuidar bem do povo são necessários recursos em volume substancial, como se verifica nas experiências dos países que conseguiram estabelecer um Estado de bem-estar social. Os países mais bem sucedidos combinaram adequadamente uma tributação fortemente progressiva com gastos públicos bem orientados.
Nesse sentido, se queremos realizar esses objetivos no Brasil, é urgente a instituição de um imposto progressivo sobre as grandes fortunas e uma tributação efetivamente progressiva sobre os lucros e dividendos distribuídos, como também, sobre os rendimentos de aplicações financeiras.
O período de maior florescimento econômico na Europa e nos Estados Unidos, nos chamados anos de ouro do capitalismo, foi exatamente a época de maior tributação sobre a renda e riqueza, quando as alíquotas superiores do IR superaram o patamar de 90%, como se constata pelos exemplos do Reino Unido e EUA. Vários outros países praticaram alíquotas máximas do IR elevadas. Sua motivação central era a preocupação com a desigualdade.
A tributação progressiva da renda e riqueza é um instrumento eficaz para enfrentar a desigual distribuição de renda e do patrimônio.
A experiência histórica nos mostra que o Estado pode exercer uma influência orientadora sobre a propensão marginal a consumir, estimulando a geração de emprego e renda. E, pode fazê-lo, principalmente, por meio da fixação da taxa de juros e do seu sistema de tributação.
De outro modo, a não taxação das altas rendas e fortunas aumenta a poupança dos super-ricos que opera na contramão do crescimento da riqueza coletiva, ao contrário do que dizem os liberais. Ao retirar recursos para o financiamento das políticas públicas dos extratos de maior renda da sociedade e desonerar os mais pobres, a tributação progressiva não apenas eleva a propensão marginal de consumo, como melhora o nível de bem-estar social. O Estado também passa a ter mais recursos para o investimento público, o principal indutor do desenvolvimento.
Portanto, ao lado de reduzir a carga tributária sobre a grande massa de trabalhadores, tributar os lucros e dividendos distribuídos são incentivos eficazes para o crescimento da economia real. A tributação desses rendimentos recebidos pelas pessoas físicas pode reduzir significativamente a distribuição dos resultados, com a consequente destinação do recurso para reinvestimento.
A redistribuição da carga tributária, observando a capacidade contributiva, constitui um poderoso instrumento para a desconcentração de renda e riqueza com efeitos sobre a redução das desigualdades sociais.
O atual sistema tributário brasileiro, no entanto, é muito regressivo. É importante assinalar que a concentração de renda e riqueza leva à concentração de poder, que agrava a desigualdade social, além de colocar em risco a democracia do país.
Tributar mais a renda e a riqueza e reduzir os impostos sobre o consumo é o caminho para a construção de um sistema tributário progressivo e para o desenvolvimento nacional.
Os super-ricos não podem se abster de dar a sua contribuição. Hoje, os mais ricos não pagam imposto equivalente à sua renda e riqueza. É exatamente isso que precisamos mudar. Temos que redistribuir o peso dos impostos, diminuindo o fardo daqueles que carregam o piano.
Tributar os que estão no topo da pirâmide da distribuição de riqueza é justificável sob uma perspectiva social, ética e legal. Um estudo recente da Tax Justice Network[1] conclui que, embora, em média, metade (50%) da população dos países estudados possuam apenas 3% da riqueza total, os 0,5% mais ricos detiveram 25,7% da riqueza total e aumentaram as suas fortunas (ajustadas à inflação) 2,7 vezes nos últimos 25 anos. Esta evolução pode ser parcialmente explicada pelo fato de o retorno realizado sobre a riqueza ser consideravelmente mais elevado para aqueles que se encontram no extremo superior da distribuição, os super-ricos.
Outro dado citado no estudo mostra que, passando do 10º ao percentil 90 da distribuição da riqueza líquida, o retorno da riqueza aumenta em 18 pontos percentuais. Em outras palavras: riqueza gera mais riqueza, mas principalmente para os indivíduos mais ricos. Como a riqueza está mais concentrada do que o rendimento e o consumo, um imposto sobre a riqueza apenas sobre os 0,5% mais ricos pode gerar uma grande quantia, ao mesmo tempo que mantém a riqueza dos 99,5% intocada.
Atualmente, os indivíduos com rendas muito elevadas e grandes patrimônios pagam alíquotas efetivas mais baixas de imposto sobre seus rendimentos que o contribuinte médio, uma vez que parte significativa destes provém de lucros e dividendos distribuídos, isentos, e ganhos de capital cuja tributação conseguem evitar por meio de complexos planejamentos a partir dos sistemas fiscais globais.
Não há justificativa para que os rendimentos do capital sejam menos tributados que os rendimentos do trabalho. Também, nada justifica que os rendimentos do capital não sejam submetidos à progressividade. Esse tratamento desigual fere os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, previstos na Constituição brasileira. Quando a sociedade percebe a injustiça e os privilégios dos super-ricos, o sistema tributário perde legitimidade.
Portanto, a tributação da renda e riqueza deve ser progressiva e incidir sobre todas as pessoas e todos os rendimentos, alcançando, especialmente, a extremidade superior do espectro de riqueza.
Do ponto de vista econômico socioambiental, também são necessários enormes investimentos para financiar a transformação rumo a uma economia que conviva harmonicamente com a natureza. O mencionado estudo da Tax Justice Network afirma que “as despesas necessárias devido às alterações climáticas induzidas pelo homem constituem outro argumento moral para um imposto progressivo sobre a riqueza: os cidadãos mais ricos têm mais responsabilidade pelas emissões de carbono, tanto devido ao seu consumo mais excessivo como também quanto aos seus hábitos de investimento. Um estudo recente da Oxfam (2022), por exemplo, mostra que os investimentos de 125 dos bilionários mais ricos do mundo levam a emissões de carbono de três milhões de toneladas por ano”.
Os recentes acontecimentos climáticos extremos no Brasil mostram que não podemos mais esperar e adiar ações efetivas nessa área. A natureza não espera. Esse problema atinge a todos, pobres e ricos. As pessoas com grandes fortunas precisam dar sua contribuição.
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Cinco motivos para tributar os super-ricos? Artigo de Clair Hickmann e Paulo Gil Introíni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU