24 Setembro 2024
A explosão de uma série de pagers e walkie-talkies que eram utilizados por membros da milícia xiita Hezbollah deixou um saldo de dezenas de mortos e milhares de feridos. O ataque atribuído a Israel viola as leis de guerra e ameaça o conjunto da população libanesa.
O artigo é de Merin Abbass, diretor do escritório da Fundação Friedrich Ebert no Líbano, publicado por Nueva Sociedad, 23-09-2024.
Nesta semana, o Líbano sofreu um dos maiores atentados dos últimos anos. A explosão de pagers e walkie-talkies deixou até agora um saldo de 37 mortos e mais de 2.900 feridos em diversas regiões do país. Entre as vítimas, não há apenas funcionários da organização terrorista pró-iraniana Hezbollah, como informam muitos meios de comunicação ocidentais, mas também civis, incluindo crianças e profissionais de saúde que estavam próximos dos dispositivos que explodiram. O Líbano sofreu os ataques dramáticos durante dois dias. Justamente quando o choque inicial das cenas sangrentas de terça-feira estava se dissipando, uma segunda rodada de atentados abalou a capital e outras regiões do país. As imagens de explosões nos funerais dos falecidos no dia anterior dominaram as notícias.
Todas as pistas levam ao Mossad, o serviço secreto israelense. Mas, como aconteceu em casos semelhantes, o governo israelense não fez nenhuma declaração pública sobre os atentados. O caso também tem implicações transfronteiriças: de Taiwan a Hungria, passando pelo Japão, analistas tentam descobrir como, onde e quando os pagers e os walkie-talkies foram manipulados. A mensagem que Israel tenta transmitir é que nenhum lugar é seguro.
Na tarde de terça-feira, centenas de ambulâncias transportaram os feridos e os mortos para os hospitais lotados de todo o país. Os militares tentaram, em vão, desobstruir as ruas de Beirute e outras cidades para que as ambulâncias pudessem passar pelas ruas estreitas e congestionadas. O sistema de saúde, já à beira do colapso, agora está ameaçado por uma sobrecarga total. O Líbano está em estado de guerra. Durante 11 meses, a guerra se limitou ao sul do país, mas agora chegou às ruas de Beirute e Sidon, onde já está à vista de todos.
A sociedade libanesa, conhecida por sua resistência, agora sente pânico. Os atentados e a forma como foram realizados chocaram os libaneses. Muitos se lembram de 4 de agosto de 2020, quando toneladas de nitrato de amônio explodiram no porto de Beirute em uma tarde de verão, provocando uma situação catastrófica na cidade. É a primeira vez, desde o início da guerra em Gaza e do subsequente ataque do Hezbollah contra Israel, ocorrido em 8 de outubro de 2023, que todos os libaneses têm medo. Eles sentem que a guerra pode afetar qualquer pessoa e que ninguém está a salvo, seja cristão, sunita, xiita ou apoiador do Hezbollah.
A preparação e a execução precisa do ataque demonstram a superioridade técnica tanto dos serviços secretos quanto do exército israelense sobre o Hezbollah, que conta com 100.000 combatentes e um arsenal de mísseis bem abastecido, mas está longe de ter capacidades técnicas semelhantes às de Israel. O ataque expôs a fraqueza e vulnerabilidade da milícia xiita, que conta com o apoio militar do Irã. Muitos se perguntam como foi possível que milhares desses pagers fossem importados para o país e circulassem sem que se percebesse qualquer manipulação prévia.
Militarmente, o ataque foi um sucesso para Israel e seus serviços secretos, mas moralmente e do ponto de vista do direito internacional, a ação é questionável. E é por isso que a comunidade internacional discute a legalidade desses ataques. Mesmo que Israel pretendesse atacar membros do Hezbollah, não podia saber quem seria ferido ou morto nas milhares de explosões. Em última análise, já não podia controlar a distribuição de pagers equipados com explosivos. De fato, muitos civis morreram ou ficaram feridos nos atentados. Assim, Israel violou claramente as regras que haviam sido respeitadas informalmente entre as partes em conflito, com consequências imprevisíveis.
A escala nacional dos ataques fez com que os libaneses em todo o mundo se preocupassem com a possibilidade de que ocorram ataques semelhantes. Perguntam-se se seus telefones, laptops e outros dispositivos tecnológicos poderiam ser afetados. Este é mais um episódio de dano psicológico que se soma ao trauma experimentado por muitas pessoas no Líbano. Afinal, os horrores das inúmeras guerras do passado ainda não foram superados, e as dramáticas cenas da explosão no porto ainda estão frescas na mente de muitos libaneses. Os atentados também causam grande temor entre a população civil porque, com razão, se supõe que poderiam ser o prelúdio de uma invasão em grande escala ou da ampliação dos combates com Israel. As declarações de Israel contribuem ainda mais para alimentar o medo.
Mas, apesar das consequências negativas desses terríveis ataques, que não devem ser subestimadas, também há um sentimento de unidade entre a população libanesa. Do ponto de vista humanitário, a solidariedade se manifestou por meio das numerosas doações de sangue — inter-religiosas. Os hospitais de todo o país acolheram os feridos, inclusive nos bairros e regiões de maioria cristã. No entanto, a solidariedade não deve ser mal interpretada: é solidariedade com o povo, com os feridos, e não com o Hezbollah. Não se trata de solidariedade política. Os atentados dos últimos dias são percebidos como um ataque contra a sociedade libanesa como um todo e não apenas contra a milícia xiita. Em tempos de guerra, as pessoas sempre se mantiveram unidas. Esse fenômeno não é novo; afinal, a sociedade libanesa, que também sofre com a crise econômica, vive agora sua sétima guerra com seu vizinho do sul.
No entanto, do ponto de vista político e estratégico, muitos libaneses já não estão convencidos da estratégia do Hezbollah nesta guerra. Nas ruas de Beirute, diversos debates ocorrem sobre as iniciativas que seriam necessárias para pôr fim a essa confrontação sem sentido. Muitos cidadãos que rejeitam as ações do Hezbollah consideram igualmente importante que a comunidade internacional mantenha ou busque novos canais de comunicação com esse grupo. Ao mesmo tempo, parece cada vez mais necessário que haja um aumento da pressão sobre Israel para que não abra uma nova frente e priorize a proteção dos civis em seus ataques ao Líbano. O líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah, voltou a insistir que o cessar-fogo na Faixa de Gaza é fundamental para acalmar a situação. Sem o fim dos combates em Gaza, não haverá calma no Líbano em um futuro previsível. A atormentada sociedade libanesa não deseja outra coisa.
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Tudo o que explode no Líbano. Artigo de Merin Abbass - Instituto Humanitas Unisinos - IHU