15 Agosto 2024
A Comissão de Constituição e Justiça - CCJ da Câmara aprovou, na tarde de quarta-feira, 14-08, por 37 votos contra 13, um projeto de lei - PL que permite o desmatamento sem controle na beira de nascentes e rios em todo país, abrindo caminho para o agravamento das crises de falta de água e climática (veja como votaram os deputados). A proposta passou pela Comissão de Meio Ambiente, no final de 2022, e deve seguir agora diretamente ao Senado.
A reportagem é de Oswaldo Braga de Souza, publicada pelo Instituto Sócioambiental - ISA, 14-08-2024.
De autoria do deputado ruralista José Mário Schreiner (MDB-GO), o PL 2.168/2021 enfraquece as restrições à destruição da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente - APPs, previstas no Código Florestal (Lei 12.651/2012), ao considerar como de “interesse público” barragens e outras obras destinadas à irrigação e ao abastecimento de água para o gado.
A votação na CCJ foi concluída após uma batalha de mais de quatro horas de requerimentos e questões regimentais apresentados pelos parlamentares de esquerda para tentar impedir a votação. Em nome da liderança do governo, o deputado João Carlos Bacelar (PV-BA) avisou que será apresentado um recurso à Mesa da Câmara para que a proposta seja analisada pelo plenário.
A aprovação do projeto ocorre meses depois do desastre climático que devastou o Rio Grande do Sul, e enquanto suas consequências ainda são sentidas pelos gaúchos. Cientistas e ambientalistas apontam que a reforma da legislação ambiental promovida pelo governo de Eduardo Leite (PSDB), incluindo a redução da proteção das APPs, pode ter ampliado a intensidade da catástrofe.
“Em tempos de eventos extremos climáticos, o PL piora o cenário das tragédias ambientais e coloca sob risco a segurança alimentar, hídrica e também a segurança climática da população brasileira”, alerta Marcelo Elvira, secretário executivo do Observatório do Código Florestal - OCF.
“As APPs são reconhecidas pela legislação brasileira há cerca de cem anos como fundamentais para a preservação de nascentes e por manter o equilíbrio do meio ambiente”, continua. “Quanto mais o Código Florestal estiver implementado e essas áreas protegidas, maior a capacidade do ecossistema reagir positivamente a eventos extremos, como os que temos presenciado cada ano mais no país”, completa.
De acordo com os pesquisadores, a preservação das APPs é essencial para a manutenção das nascentes de água, controlar a erosão, as enchentes e seus impactos. As matas de beira de rio controlam o fluxo de água gerado pela chuva, impedindo ou reduzindo o carreamento da terra para dentro dos corpos de água e, assim, o seu assoreamento. Quanto mais assoreados, os cursos de água são mais suscetíveis a provocar enxurradas e inundações.
“A falta de avaliações e estudos técnicos relevantes e necessários para as devidas licenças e autorizações de barramentos ou represamentos em cursos d 'água trará efeitos graves à disponibilidade hídrica, à qualidade da água e aos ecossistemas, além de potencializar conflitos entre os usuários dos recursos hídricos”, diz ainda uma nota técnica do OCF.
Parlamentares aliados aos ambientalistas insistiram que o projeto vai causar mais desmatamento, esvazia o Código Florestal, contraria a ciência e a Constituição. No último caso, em especial por afrontar o princípio da proibição do retrocesso ambiental e o direito ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
“Querer enfrentar o desafio de ampliar a irrigação alterando a legislação para permitir mais supressão e desmatamento vai reduzir o fornecimento de água para todos. É um tiro no pé”, disse Elton Carlos Welter (PT-PR).
Os deputados de esquerda voltaram a criticar a presidenta da CCJ, a bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC), que tem atuado para facilitar a votação de projetos antiambientais no colegiado. De acordo com eles, ela têm sido autoritária na condução dos trabalhos, decidindo a pauta de forma unilateral.
Contra as evidências científicas, parlamentares ruralistas e de extrema direita que defenderam o PL afirmaram que ele visaria justamente preservar o fornecimento de água diante das ameaças de escassez produzidas pelas mudanças climáticas.
A relatora, Coronel Fernanda (PL-MT), negou que a aprovação do projeto vai provocar desmatamento, mas admitiu que seu objetivo é “acabar com a burocracia” para os produtores rurais. “Ninguém vai desbarrancar rios, ninguém vai acabar com as APPs, ninguém vai destruir o meio ambiente. Vai se preservar mais ainda e garantir a possibilidade da irrigação”, justificou.
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Meses após desastre no RS, Câmara aprova projeto que agrava crise climática e hídrica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU