07 Agosto 2024
A determinação de Cindy Ngamba estava em seus olhos antes de entrar no ringue, de onde saiu após quatro rounds com uma primeira e histórica medalha para a equipe dos refugiados.
A reportagem é de Danilo Ceccarelli, publicada por La Stampa, 05-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O olhar determinado e tenso da boxeadora camaronesa foi imortalizado pelas câmeras no curto trajeto até o ringue onde ela lutou nas quartas de final da categoria até 75 kg, reflexo de uma vida em que, antes de aprender a golpear, teve de aprender a suportar golpes muito mais duros do que os que recebeu na Arena Paris Nord.
A derrotada foi a francesa Davina Michel, que, apesar da vantagem de altura e da torcida de seus compatriotas no estádio, nunca conseguiu realmente colocar sua adversária em dificuldade. A luta terminou em 5 a 0, com um veredicto unânime dos árbitros. No entanto, a anfitriã parecia ter alguma esperança nos primeiros segundos da luta, quando o combate ainda parecia equilibrado. Uma miragem que Ngamba afastou com seus diretos, muito mais precisos do que os da francesa, que estava em tamanha dificuldade que correu o risco de cair no segundo round. Michel se viu diante de uma oponente granítica, firmemente plantada no chão e sempre pronta a reagir às ofensivas, às quais já se acostumou a responder. "Quero dizer aos refugiados do mundo, mesmo àqueles que não são atletas, e a todas as pessoas que continuem a trabalhar, que continuem a acreditar, porque é possível conseguir tudo o que se têm na cabeça", disse a boxeadora de 25 anos logo após a luta, sem poupar os torcedores franceses que a vaiaram. E ela tinha muitas ideias na cabeça quando, aos 11 anos de idade, a mãe Gisette a mandou junto com o irmão Kenneth para a casa do pai na Inglaterra. Para ser mais preciso, para Bolton, não muito longe de Manchester.
No início, a vida é difícil para a pequena Cindy, que se vê longe de seu país natal, em um lugar frio onde as pessoas falam uma língua que ela não entende. Na escola, sofre bullying de seus colegas, enquanto seu pai tenta obter o status de refugiada para ela. Os primeiros anos britânicos são complicados e, às dificuldades sociais e burocráticas, somam-se problemas como a depressão e a bulimia. Mas em algum momento, por volta dos 14 anos de idade, a futura atleta olímpica se aproxima do boxe e fica maravilhada. Os treinos são duros, mas ela suporta o peso do desafio, que não é impossível em comparação com os obstáculos que superou até aquele momento. Ngamba conquista três títulos nacionais contra algumas das atletas mais fortes do país, enquanto continua seus estudos de criminologia na universidade.
Mas sua condição de imigrada continua sendo um obstáculo. Em 2017, quando vai a uma repartição pública para resolver uma simples papelada relacionada à sua condição de imigrada, é presa junto com o irmão Kenneth. Os dois são levados para um centro de imigrantes em Londres com o objetivo de serem deportados do país. É um pesadelo para a garota retornar a Camarões, onde os homossexuais como ela acabam na prisão e correm risco de vida por causa das leis que proíbem amar pessoas do mesmo sexo.
A libertação só acontece graças à intervenção de última hora de um tio, que, segundo a BBC, mora em Paris e trabalha para o governo britânico. Em 2020, finalmente recebe o status de refugiada, que afasta de uma vez por todas o risco de expulsão do Reino Unido. A nacionalidade necessária para lutar pelas cores da Union Jack, no entanto, ainda está longe, mesmo que ela treine com a equipe britânica. É por isso que a boxeadora, que também é patrocinada pela Nike, participou desses Jogos com a Equipe dos Refugiados, a quem deu a primeira e momentânea medalha de bronze. "Alguns deles vieram me ver e eu agradeci de coração", disse ela.
Mas Ngamba não quer parar no degrau mais baixo do pódio: "Espero que no próximo encontro eu possa mudar a cor da medalha", acrescentou com sua determinação habitual. A boxeadora tentará tingir seu resultado olímpico de prata durante as semifinais de quinta-feira contra a panamenha Atheyna Bibeichi Bylon, esperando pintar de ouro seu sonho na final dois dias depois.
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Ngamba, do pesadelo ao pódio "Uma medalha para todos os refugiados" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU