Eleições 2024: outra economia para novas cidades

Foto: Ryoji Iwata | Unsplash

30 Julho 2024

"É necessário que construamos o olhar crítico sobre a produção e reprodução da economia capitalista nos territórios que habitamos e (sobre)vivemos. A lógica da economia neoliberal produz uma cidade desabastecida de direitos e submetida à exploração de territórios, pessoas e da própria democracia", escreve a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara — ABEFC, em carta enviada diretamente ao Instituto Humanitas UnisinosIHU.

O Grupo de Trabalho ‘Carta ABEFC Eleições 2024’ é composto por: Peterson Prates, Eduardo Brasileiro, André Ricardo de Souza, Cesar Nóbrega, Irmã Fátima Lessa Ribas, Luiza Bassegio, Marcela Vieira, Marcelo Apel, Regina Dantas (Tia Rege), Roberto Jeferson Normando, Thiago Rocha da Cunha e Wilkie Mafort.

Eis a carta.

A Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara, rede formada em 2019 para ecoar um novo pacto econômico no Brasil, assume o compromisso de desenvolver, mais uma vez, reflexões que alimentem de esperanças e horizontes nossa prática cidadã consciente e promotora da urgência de um novo modelo econômico a ser pautado nas eleições municipais de 2024.

Mais democracia! Sabendo que não estamos perto das grandes conquistas para trabalhadores e trabalhadoras, sabemos que é preciso continuar a reconstruir a democracia. Para isso, se faz necessário identificar as ameaças que cercam o ambiente político e colocam em risco a disputa democrática e pensar estratégias coletivas para superá-las. A primeira ameaça é que devemos ficar alerta com o uso criminoso da comunicação, com promoção de informação falsa, produção e divulgação de fake news, o linchamento virtual e as deepfakes (uso de Inteligência Artificial para trocar o rosto de pessoas em vídeos, sincronizar movimentos labiais, expressões e demais detalhes). A segunda ameaça são os movimentos extremistas que ocuparam o debate público e a vida política com ataques às instituições da república, descrédito ao processo eleitoral, sequestro dos símbolos nacionais e erguem bandeiras de ruptura institucional, e que promovem  candidaturas antidemocráticas altamente financiadas que defendem um programa ultraliberal, retrógrado e de destruição de políticas públicas. 

Com outra economia! É o nosso horizonte para ver florescer grandes transformações nas milhares e plurais cidades brasileiras. Para isso, é necessário que construamos o olhar crítico sobre a produção e reprodução da economia capitalista nos territórios que habitamos e (sobre)vivemos. A lógica da economia neoliberal produz uma cidade desabastecida de direitos e submetida à exploração de territórios, pessoas e da própria democracia.

As eleições municipais de 2024 são uma oportunidade de discutirmos ‘Qual cidade queremos?’. Por isso, transcrevemos abaixo agendas e discussões que devem ter nossa atenção nos próximos meses e podem pautar nossas discussões comunitárias e em nossos movimentos:

1. Orçamento participativo: popular, comunitário e deliberativo

Pela retomada de um projeto de Orçamento Participativo popular, refletido nas comunidades e distritos do município de forma a democratizar o debate dos investimentos públicos, desenvolver uma cidadania ativa e mobilizar mecanismos de deliberação orçamentária direta pela população.

2. Distritos e bairros exercendo o poder popular: por uma descentralização das políticas públicas

Pela construção de mutirões de participação popular por meio de  assembleias a partir de tecnologias sociais e comunitárias que desenvolvam a escuta, a reflexão e a deliberação de políticas, em especial dos interesses das comunidades periféricas. Promovendo uma grande agitação da centralidade do governo municipal em ser pautado pelos interesses das camadas periféricas e populares.

3. Pelo Bem Comum, contra as privatizações e por controle nas terceirizações

As medidas políticas dos últimos anos em nossos municípios têm sido centradas em fortalecer iniciativas privadas que são movidas pela apropriação de nossa riqueza comum em nome do lucro. É possível transformar o público em bem comum, e favorecer políticas participativas de comunidades e cidades que acompanhem e controlem os serviços públicos com fiscalização e cuidado, zelo e compromisso de melhorias para o uso de todos.

4. Direito à cidade: mobilidade, transição energética e adaptação climática

O modelo de gestão das cidades é o mesmo a muito tempo: privilegia-se medidas que pensam em automóveis, mas não se pensa em políticas para melhoria do transporte coletivo e sobretudo o impulsionamento de outras modalidades (cicloviário, ferroviário, hidroviário, entre outros). Por outro lado, as cidades precisam responder às grandes desigualdades que as mudanças climáticas têm gerado, a não garantia de direito às pessoas que vivem em encostas e em regiões de riscos. É preciso uma política de adaptação climática que garanta moradia e acesso à direitos das pessoas envolvidas.

5. Uma cidade ecológica com economia circular

A democratização das decisões sobre as cidades deve acompanhar um processo de sensibilização ecológica e promoção de políticas de transição, fomentando o debate público sobre resiliência na utilização dos bens naturais e comuns, por meio do desenvolvimento de uma economia circular prevendo o uso, descarte e reaproveitamento da produção em pequena e larga escala.

6. Geração de trabalho e renda através da economia solidária

Desenvolvimento de uma política não capitalista de geração de trabalho e renda, denominada Economia Solidária, principalmente através de: 1) formação e fortalecimento de incubadoras municipais de cooperativas e associações autogestionárias, também em parceria com universidades públicas e comunitárias, além de como entidades relevantes na área; 2) compra verdadeiramente prioritária pelas prefeituras de produtos, também agropecuários oriundos de empreendimentos econômicos solidários; 3) apoio concreto à realização de Feiras de Economia Solidária em propícios espaços públicos municipais; 4) suporte efetivo ao desenvolvimento de cooperativas de catadores de resíduos sólidos.

7. Fomento às finanças solidárias e bancos comunitários de desenvolvimento

Pela criação de um sistema municipal de finanças solidárias com o fomento a criação de Bancos Comunitários de Desenvolvimento a nível municipal e/ou territorial, com enfoque na popularização de moedas sociais, créditos solidários aquecendo novas iniciativas econômicas e a circulação de uma economia focada no desenvolvimento de territórios. 

8. Por políticas de atenção integral às pessoas em situação de rua

Estruturação de uma política pública integrada para a população com tal perfil, de modo a abranger tratamentos de saúde, contemplando a dependência química, através de redução de danos (nos casos extremos), locação pela prefeitura de prédios ociosos para servirem de moradia (ao menos provisória), formação de frentes de trabalho, através das quais os usuários pagariam, simbolicamente, pela moradia a eles proporcionada; fornecimento de alimentação produzida em cozinhas solidárias abastecidas com alimentos decorrentes da rural economia solidária e da agricultura familiar

9. Controle social e democracia participativa

Você sabia que a participação em conselhos é fundamental para a manutenção, melhoria e a plena efetivação de políticas públicas? Pela garantia de mecanismos de melhorias no controle social dos municípios, sobretudo com o exercício de fortalecimento da potência das articulações coletivas e das redes de ação e de saberes de cada município.

10. Segurança alimentar e nutricional por uma cidade sem fome

Pela busca de objetivos comuns para a segurança alimentar e nutricional das cidades, tendo como prioridade o fomento à alimentação de qualidade produzida por feiras e espaços agroecológicos, priorizando a criação de cinturões produtivos agroecológicos pela iniciativa de compras públicas do município destes produtos.

11. Despejo Zero - em defesa da terra no campo e na cidade

Pela garantia de políticas de proteção às famílias afetadas pelas violências financeiras e sem o direito à moradia pleno, as campanhas de Despejo Zero são um importante instrumento de solidariedade nos municípios envolvendo famílias de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis que necessitem ou demandem a proteção do Estado na garantia do direito à moradia e à cidade.

12. Saúde, educação e assistência social como direito universal

A política entendida como direito universal garante o acesso gratuito, a qualidade e a implementação sistemática de avaliações de impacto nos territórios e isso envolve a defesa contra o sucateamento, desfinanciamento que leva à privatização destes direitos fundamentais.

Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara
Julho de 2024

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