16 Julho 2024
"Hoje, em muitas religiões persiste o desejo de invocar o nome de Deus para justificar conflitos; mas, nelas, há também uma consciência crescente de que essa apropriação é sacrílega, porque somente Paz pode ser o nome de Deus", escreve Luigi Sandri, jornalista italiano, em artigo publicado por L'Adige, 15-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Deus lo vult": lançando esse grito - Deus o quer - há 925 anos, como hoje, os cruzados, fazendo um massacre de muçulmanos e judeus, conquistaram Jerusalém. este lema, em outras línguas, em outras religiões e em outros contextos geopolíticos, atravessou os séculos até os nossos dias sendo relançado toda vez que um Poder (Igreja, Estado, partido político), ou um único presunçoso justiceiro, instrumentalizaram o Altíssimo para cobrir, com o Seu nome, suas próprias ambições, iniciativas e violências. O rapaz que atirou em Donald Trump terá invocado Deus?
O que aconteceu em 15-07-1099 foi o resultado final de um apelo lançado por Urbano II no Sínodo de Clermont, na França, no outono de 1095: aquele pontífice, preocupado com a crescente presença árabe muçulmana na Terra Santa, estimulou os príncipes cristãos europeus a se mobilizarem para a reconquista dos Lugares Santos cristãos da Palestina, que os árabes haviam tomado dos bizantinos três séculos antes. Assim começou, pouco a pouco, a grande empreitada militar ocidental para correr até lá em defesa dos monumentos sagrados à cristandade e, também, dos cristãos autóctones. Finalmente, após acordos, tensões e rivalidades, a empreitada partiu e, naquele fatídico mês de julho, Jerusalém voltou às "nossas" mãos.
As Cruzadas - sete no total - foram em parte bem-sucedidas e em parte fracassaram: finalmente, em 1291, os cruzados tiveram que abandonar São João de Acre (hoje Akko, em Israel), o último resquício de sua presença na Terra Santa; e, desde então, todo aquele território permaneceu em mãos muçulmanas: primeiro em mãos árabes, depois, a partir de 1516, em mãos turcas, até 1917, quando caiu em mãos inglesas (a propósito: em 1947, a ONU sancionará a divisão daquela terra em um estado judeu, que depois foi criado, e um estado árabe, que não foi criado).
Em sentido estrito, portanto, as Cruzadas designaram o desafio entre cristãos e muçulmanos pela posse de Jerusalém e de toda a Terra Santa. Mas, em um sentido metafórico, o termo designa toda iniciativa militar que usa o nome de Deus como patrocinador de seus esforços bélicos. Assim, "Gott mit uns" (Deus conosco) estava escrito no cinto dos soldados nazistas.
Hoje, em muitas religiões persiste o desejo de invocar o nome de Deus para justificar conflitos; mas, nelas, há também uma consciência crescente de que essa apropriação é sacrílega, porque somente "Paz" pode ser o nome de Deus. Portanto, é proibido implicar o Altíssimo em violências decididas pelos seres humanos; quem escolhe matar outras pessoas deve assumir suas responsabilidades - laicas e não delegáveis - sem implicar Deus. E assim é hoje, diante de quem atentou contra a vida do ex-presidente dos Estados Unidos (ainda não sabemos se ele se considerava um mensageiro escolhido pelo Céu para eliminar um candidato à Casa Branca) e das guerras em andamento - entre o Hamas e Israel, entre a Rússia e a Ucrânia e as guerras internas em Mianmar ou no Sudão - em que se tenta implicar o Altíssimo.
De qualquer forma, Deus está sempre do lado das vítimas.
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As cruzadas em nome de Deus, ontem e hoje. Artigo de Luigi Sandri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU