10 Julho 2024
“Vivemos um novo ciclo: a era da resiliência”, afirma o economista e sociólogo estadunidense Jeremy Rifkin (Denver, 1945). Este é o título de seu mais recente livro, que abre esta conversa sobre o que ele chama de “a dura realidade que nossa espécie vive”, a esperança nas novas gerações, as guerras que assolam o mundo e o futuro do trabalho e a sua relação com a inteligência artificial.
A entrevista é de Óscar Granados, publicada por Ethic, 09-07-2024. A tradução é do Cepat.
Em seu livro A era da resiliência, convida o leitor a reimaginar sua existência na Terra e, em geral, a forma como se relaciona com as outras espécies. Em que momento da história estamos?
Estamos diante de uma extinção. Deixe-me explicar para você. Durante as últimas centenas de anos, vivemos sob o domínio de um sistema que depende do uso de petróleo, carvão e gás para alimentar o que chamamos de era dos combustíveis. No entanto, este modo de vida teve consequências graves para o nosso planeta. Liberamos uma grande quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera, provocando um aumento da temperatura global e uma mudança climática catastrófica.
Para cada grau Celsius de aumento na temperatura, a atmosfera retém 7% mais de precipitação do solo, resultando em fenômenos climáticos cada vez mais intensos e destrutivos. De inundações repentinas e secas a furacões e ondas de calor, estamos presenciando os efeitos devastadores em todas as partes.
Essa mudança altera drasticamente os ecossistemas, ameaçando a vida de inúmeras espécies, incluindo a nossa. Os cientistas nos advertem que estamos em meio à sexta extinção em massa da vida na Terra e, desta vez, a responsabilidade recai sobre nós, seres humanos.
Existe uma forma de evitar a extinção?
Sim, é possível evitá-la, porque temos os recursos necessários para isto: as novas tecnologias, as maravilhas da ciência e a exatidão das matemáticas e a atração do mercado capitalista em fomentar o bem-estar econômico da sociedade. Além disso, estamos vendo que os jovens, agora, estão muito assustados.
Não só os jovens, também os idosos...
Sim, também as pessoas idosas, os pais, os avós. Contudo, a chave está nos mais jovens. Apesar da gravidade da situação, há esperança. A Geração Z percebeu que o nosso planeta é muito mais poderoso do que tínhamos pensado. Estão começando a compreender que o planeta não está aqui para ser dominado e explorado, mas, ao contrário, é um sistema complexo e dinâmico do qual são uma parte interdependente.
Este reconhecimento nos oferece a oportunidade de mudar a nossa relação com a Terra e a adotar uma atitude mais respeitosa e sustentável em relação à natureza. Está na hora de parar de mercantilizar e explorar os recursos do planeta e começar a trabalhar em harmonia com a hidrosfera e os outros sistemas naturais.
De certa forma, há boas notícias.
Claro. Um dos aspectos mais destacáveis é a notável participação e consciência da Geração Z em relação à crise climática. Somos testemunhas de manifestações em massa lideradas por jovens, que, de modo pacífico, foram às ruas para exigir uma ação urgente frente à emergência climática global.
Pela primeira vez na história, estamos presenciando como toda uma geração se identifica não só como indivíduos, mas como uma espécie em risco de extinção. Estes jovens reconhecem seus semelhantes como parte de uma mesma família evolutiva, transcendendo as divisões políticas, religiosas e tribais.
António Guterres, secretário-geral da ONU, disse que a humanidade abriu as portas do inferno. Você concorda com esta afirmação?
Sim, completamente. Contudo, deixe-me compartilhar uma reflexão sobre isto. Toda a infraestrutura do nosso planeta é um ativo: comunicações, energia, mobilidade, logística, água, edifícios, meio ambiente. Isto se deve ao fato de que desenvolvemos um mundo que não está preparado para enfrentar um evento de extinção e mudança climática. Seja na concepção dos edifícios, sistemas de rodovias ou gestão da água subterrânea, este novo desafio não foi considerado.
A crise atual é a mais grave desde que os seres humanos habitam este planeta, há cerca de 200.000 ou 300.000 anos. Toda a nossa infraestrutura foi projetada para uma era de clima temperado, o Holoceno. No entanto, agora, estamos na era do Antropoceno, em que a hidrosfera é a força dominante. De fato, este planeta é mais precisamente um planeta de água do que terrestre.
Ainda estamos descobrindo a importância da hidrosfera. Esta determina toda forma de vida. Sem a hidrosfera, não há litosfera. A hidrosfera influencia inclusive na formação do solo e é essencial para o equilíbrio e a sustentabilidade de nosso ambiente planetário. Determina a vida vegetal e animal, bem como a composição da atmosfera com o oxigênio que fornece. Além disso, influencia na biosfera em sua totalidade.
Agora, estamos presenciando como as águas estão se rebelando. E a verdadeira ironia de tudo isto é que, em algum momento, acreditamos que poderíamos dominar este planeta. Não foi assim, nós o comercializamos, privatizamos, utilizamos e poluímos em benefício de uma única espécie.
A oportunidade que se apresenta a nós, agora, é que uma nova geração entre na indústria, na governança e na sociedade civil para começar a transformar o nosso mundo. Os políticos, em sua maioria de gerações anteriores, não estão abordando adequadamente os desafios atuais. Precisamos de novas ideias e de um enfoque renovado em todos os âmbitos: indústria, academia, sociedade civil e governo.
A primeira fase foi ver a geração mais jovem protestando nas ruas. Agora, a etapa seguinte implica que esta geração entre em diferentes setores da sociedade e comece a implementar as ideias que surgem, indo além do que alcançamos até agora. No entanto, o problema é que não conseguiremos isto assistindo vídeos no TikTok. Essas questões exigem uma reflexão profunda e um compromisso sério.
Falando em modelos antigos e novos, o que significa para o progresso da humanidade que, em pleno século XXI, os países continuem resolvendo suas diferenças com guerras?
O que presenciamos no mundo atual, embora possa parecer desalentador, na realidade, mostra-nos um lampejo de esperança. Estamos vendo uma mudança significativa na geopolítica, com as fronteiras se fechando e os países competindo cada vez mais por recursos limitados. Esta dinâmica reflete um jogo de soma zero em que cada nação luta pela sua sobrevivência, em um mundo que enfrenta a escassez de recursos, a perda de leis e a degradação ambiental.
Estamos em um ponto crítico, um evento de extinção, e este caos geopolítico é um sinal de que o antigo paradigma está chegando a seu fim. Nas minhas conversas com líderes governamentais e empresariais, noto uma mudança no discurso. Não se trata mais de progresso, mas de resiliência e adaptabilidade. No entanto, muitos ainda não compreendem completamente o que esta mudança implica.
Estamos em transição da geopolítica para a política da biosfera. Isto significa que a governança não se restringirá mais aos Estados nacionais soberanos, mas também abarcará formas biorregionais de governo. Os eventos climáticos não respeitam as fronteiras políticas, afetam os ecossistemas que transcendem estas divisões artificiais.
Contudo, muitos dos líderes atuais ainda não acreditam na mudança climática. No Estados Unidos, por exemplo, um negacionista do aquecimento global pode se tornar presidente novamente.
Vou contar uma história que aconteceu em San Antonio, Texas, e é realmente inspiradora e exemplifica como as decisões estratégicas podem transformar todo um estado em termos de energia sustentável. O Texas, um estado tradicionalmente republicano, encontrava-se há alguns anos em uma encruzilhada sobre como abordar o seu futuro energético.
Apesar da inclinação inicial para as centrais nucleares, uma análise aprofundada revelou que esta opção envolvia custos e riscos consideráveis. A energia eólica foi vista como um recurso mais constante e menos arriscado. Então, em uma decisão ousada e visionária, o Texas optou pela transição para a energia sustentável. Uma aposta impulsionada em grande medida pelo investimento dos agricultores. Agora, é o líder nacional nesta tecnologia.
Não é o único exemplo. As fábricas da General Motors, em Kentucky e Tennessee [os dois são republicanos], também utilizam energias renováveis na produção de caminhonetes elétricas e são uma prova desta tendência. É fascinante ver como mesmo em territórios politicamente conservadores estão ocorrendo mudanças significativas.
Figuras como [Donald] Trump e outros líderes políticos deveriam estar conscientes destes desenvolvimentos e seus benefícios. Agora, as indústrias sustentáveis estão se expandindo para os estados que tendem a apoiar Trump. Então, mesmo que ele se oponha à energia eólica, agora, são os seus partidários que trabalham nestas indústrias.
Há quase 30 anos, publicou O fim dos empregos, abordando o uso das novas tecnologias e os processos produtivos. Atualmente, o que a IA significa para o emprego do futuro?
Bom, até certo ponto, a IA é supervalorizada. Embora certamente tenha a sua utilidade, especialmente para fomentar uma infraestrutura mais distribuída, localizada e democrática (por exemplo, na gestão de redes elétricas, no desenvolvimento de microrredes e na otimização da mobilidade e da logística), é errôneo acreditar que a IA será capaz de prever tudo sobre o futuro.
A IA possui limitações inerentes. Quando se coleta dados, já estão desatualizados e a IA não leva em conta o efeito borboleta e as externalidades negativas. Cada ação neste planeta vivo tem consequências de longo alcance, alterando a cada momento aspectos fundamentais do nosso ambiente.
A natureza não é uma coleção de recursos passivos, ao contrário, está animada dinamicamente. Portanto, embora os dados possam parecer valiosos, muitas vezes, estão divorciados da verdadeira natureza do nosso planeta dinâmico, que se caracteriza por mudanças e fluxos contínuos.
O que diria àqueles que se sentem agoniados pelos desafios que enfrentamos?
Que há esperança arraigada em nossa biologia neuronal. Nós, seres humanos, possuímos neurônios empáticos, descobertos nos anos 1990, que nos permitem experimentar as emoções dos outros como se fossem nossas. Este impulso empático transcende as fronteiras culturais e tem o potencial de unir a humanidade em um desejo compartilhado de florescimento coletivo.
Embora tenha existido flutuações históricas na consciência empática, a era atual marca uma mudança significativa em direção à empatia com a humanidade em seu todo, apontando um caminho promissor a seguir. A vida é um presente inestimável e, mesmo que não compreendamos completamente o seu propósito, sabemos que desejamos mais. Almejamos prosperar e florescer.
A empatia serve como um meio para oferecer apoio mútuo, seja a outros humanos ou outros seres. Devemos aproveitar este conceito, esta sensação, esta essência da vida, e o mobilizar em um movimento sociopolítico destinado a transformar a nossa forma de existência neste planeta.
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“Está na hora de parar de mercantilizar e explorar os recursos do planeta”. Entrevista com Jeremy Rifkin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU