29 Abril 2024
"Em uma época de nacionalismos, identitarismos e xenofobias, o desafio hoje é exatamente o oposto do estranhamento: a integração, a harmonia, a acolhida, a contaminação, o direito à cidadania, o compromisso, o reconhecimento mútuo, todos juntos em busca de um 'bem comum', do qual a arte é cifra e profecia"
A opinião é do Padre Antonio Spadaro, subsecretário do Dicastério Vaticano para a Cultura e Educação, em artigo publicado por Artribune, 27-04-2024.
Francisco é o primeiro Papa a visitar a Bienal de Veneza, que este ano tem o título "Estrangeiros em todos os lugares". É peculiar que seja um pontífice que fez da "cidadania" um dos temas-chave de seu magistério, desde seus tempos como arcebispo de Buenos Aires. Ele escreveu em um de seus discursos fortemente militantes em 2010: "ser cidadão significa ser convocado para uma luta, a luta pela pertença a uma sociedade e a um povo. Parar de ser uma massa de indivíduos para ser pessoas, para ser sociedade, para ser um povo".
Por outro lado, Francisco é o Papa que teve que lidar com o tema da migração como um "nó político global" e com as muitas formas de alienação social que caracterizam nossos tempos, mesmo nas cidades fervilhantes de diferenças, o que o levou a formular os conceitos negativos de "anti-cidade" e "não-cidadãos". Mas também a pensar que para entender o "centro" é necessário olhá-lo a partir da periferia em uma operação de "não coincidência", como François Jullien diria, por exemplo, que decidiu compreender o logos grego a partir do chinês. Da mesma forma, para Francisco, é necessário um olhar extremo para entender o sentido da Europa do século XVI: o extremo Ocidente (Magalhães) e o extremo Oriente (Matteo Ricci). Extremo, não externo. Agora como então: ser estrangeiro e ser cidadão são os dois polos entre os quais se estabelece uma tensão permanente.
E é a mesma polaridade que se encontra na Igreja: por um lado, ela é ekklesia, que chama, convoca, reúne, agrega e gera pertencimento; por outro lado, ela tem sua "cidadania nos céus". Bergoglio escreveu em 2008: "como Abraão, que caminhou como um estrangeiro pela terra prometida, assim também caminhamos nós, estrangeiros, em nossa própria cidade todos os dias".
Qual é a chave para entender essa tensão? Acredito que seja o fato de que "estrangeiro" não significa de modo algum "estranho", mas que possui essa "estranheza" de valor cognitivo precioso: o poeta jesuíta Gerard Manley Hopkins, amado por Francisco, louvava a Deus por "todas as coisas contrárias, originais, ímpares, estranhas". Hoje em dia é comum chamá-las de queer: é apenas uma maneira. Estrangeiro também indica essa "estranheza" que permite pertencer, mas não cair no anonimato ou no tédio da identidade sempre igual a si mesma.
O tema da Bienal é um apelo ou uma observação? Será o olhar do espectador que irá julgar, visitando pavilhão após pavilhão. No entanto, isso nos coloca em uma encruzilhada. O risco, de fato, é que a "diferença" seja resolvida na palavra estrangeiro, como se as diferenças criassem por si só estranhamento e alienação; como se a diferença fosse tão irredutível a ponto de nos tornar estrangeiros uns aos outros, fechados em nossas bolhas de estranheza. A Bienal nos apresenta de forma extensiva o tema das diferenças, da pluralidade, em todos os níveis (e de forma obstinadamente anticolonial). Querer resolver isso em estranhamento é perigoso. "Vamos nos aproximar no meio das diferenças", pediu Bergoglio de Buenos Aires em 2001. Em uma época de nacionalismos, identitarismos e xenofobias, o desafio hoje é exatamente o oposto do estranhamento: a integração, a harmonia, a acolhida, a contaminação, o direito à cidadania, o compromisso, o reconhecimento mútuo, todos juntos em busca de um "bem comum", do qual a arte é cifra e profecia.
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Papa Francisco na Bienal de Veneza. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU