06 Abril 2024
Quão distante estava esse Deus dos ídolos dos outros povos! Um Deus que, tendo acabado de ressuscitar dos mortos, cozinha peixe assado para seus amigos: em uma celebração plena e felizmente corporal da vida, e da vida juntos.
O comentário é do historiador da arte Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado pelo caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 05-04-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Já a partir do nome, a Chiesa delle Sperandie é uma delícia: tipicamente sienesa e, portanto, escondida e reservada, totalmente essencial, nada de aparências exteriores. Uma delícia barroca na cidade do gótico.
Entre seus retábulos, há um que me é particularmente caro. Não tanto pela sua qualidade artística: é uma obra honesta da extrema maturidade de Alessandro Casolani, que é ainda melhor quanto mais pende para o estilo de Federico Barocci.
Alessandro Casolani, “A entrega das chaves a São Pedro”, óleo sobre tela, 1605, Chiesa della Visitazione delle Sperandie, Siena
Ele me é caro porque é um dos poucos quadros que eu conheço em que o pintor não só representa a essência doutrinal do trecho evangélico que os mecenas lhe pediram, mas também acrescenta um detalhe que dá a entender, por um lado, que ele realmente tinha lido o Evangelho e, por outro, que o havia sentido por meio daquela mesma criatura, ou seja, a percepção das coisas concretas pelas quais havia escolhido ser pintor, e não teólogo.
A história é a da entrega das chaves a São Pedro, segundo o título clerical e papista que marca o trecho em que se encerra o vertiginoso Evangelho de João. No qual, com efeito, não se fala de chaves, mas sim de apascentar as ovelhas de Cristo com amor: eis o ministério petrino, fundado em um tríplice e maravilhoso pedido de amor.
Sim, como um namorado adolescente, Jesus ressuscitado, triunfante sobre a morte e senhor dos elementos, pergunta três vezes seguidas a Pedro: “Tu me amas?”. Três vezes: assim como três vezes Pedro o havia renegado, traído, abandonou-o na hora mais sombria. Eis a única coisa verdadeiramente necessária para exercer o serviço de liderança na perspectiva cristã: amar.
Não se entende tudo isso, entretanto, se não se ler também o restante. Jesus espera os discípulos na praia: eles estavam pescando, mas não pegavam nada. O Ressuscitado aparece, e as redes são puxadas com dificuldade devido à quantidade de peixes que pescaram. Depois, desaparece de novo e espera por eles já em terra: “Logo que pisaram em terra firme, viram um peixe na brasa e pão (...) Jesus se aproximou, tomou o pão e distribuiu para eles. Fez a mesma coisa com o peixe. Essa foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos”.
Quão distante estava esse Deus dos ídolos dos outros povos! Um Deus que, tendo acabado de ressuscitar dos mortos, cozinha peixe assado para seus amigos: em uma celebração plena e felizmente corporal da vida, e da vida juntos.
Pois bem, Alessandro Casolani não esqueceu o peixe na brasa: pelo contrário, colocou-o em primeiro plano. Entendendo bem onde realmente estava a essência da história.
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Peixe na brasa para todos. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU