Confira as principais notícias de 26 de fevereiro a 1º de março
Depois de um período de recesso, em decorrência das festas de fim de ano e das férias de verão, os Destaques da Semana voltam a ser publicados pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Como um farol que indica temas candentes da semana, esta editoria será publicada sempre aos sábados.
Nesta edição, seguimos acompanhando os desdobramentos das guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. São conflitos que geram genocídios envoltos numa bruma de mal. É a mesma que está por trás do genocídio Yanomami, que segue em marcha um ano após as primeiras denúncias.
Desespero e angústia. É o que se sente ao ver a imagem de pessoas na Faixa de Gaza em busca de alimento. No meio de toda essa confusão, mais de 100 pessoas morreram enquanto buscavam por comida, no que vem sendo chamando nas redes sociais de “massacre da farinha”.
Israel atira contra uma multidão que tentava pegar comida em caminhões em Gaza, num evento que deixa dezenas de mortos. O Ministério da Saúde de Gaza afirma que mais de 100 pessoas morreram!
— Beta Bastos (@roberta_bastoss) February 29, 2024
Mas não é genocídio, né? pic.twitter.com/X4XVhIV6sR
O pior é saber que, com o passar do tempo, a ajuda a Gaza diminui cada vez mais. Diante de tudo isso, somos incitados a pensar no mal que habita os corações e mentes que fazem uma espécie de reedição do espírito que embalou o nazismo e que provocou o genocídio de judeu. É nesta linha que vai o artigo do jornalista Luiz Cláudio Cunha, intitulado Varsóvia e Gaza: 80 anos depois, dois guetos e o mesmo nazismo. Numa daquelas narrativas que leva da emoção ao medo da perversidade humana, Cunha reconstitui fatos históricos e nos conduz a pensar o que faz com que aquele que um dia foi vítima, agora se torne algoz. O texto está publicado no Cadernos IHU ideias, nº. 357 e pode ser lido abaixo.
Hannah Arendt usa o conceito de tempos sombrios como uma espécie de fio condutor para a compreensão das crises modernas e do fenômeno totalitário. Para a autora, os tempos sombrios são aqueles períodos em que os sujeitos são seduzidos pela violência e convertem o poder em força. Claro, ela falava em um contexto de Segunda Guerra, mas será que essa fala não encontra eco nos tempos atuais? E mais: quem viu, esta semana, o discurso de Putin pode imaginar que um Armagedom é muito mais iminente do que supunham quaisquer obras de ficção científica.
Cada vez que Putin ameaça o mundo com uma guerra nuclear, só mostra como é fraco e está perdendo.
— Josué Nunes (@josuenunes) February 29, 2024
Os EUA não ameaçaram Hiroshima e Nagasaki. Só jogaram as bombas.
Cão que ladra, não morde.
pic.twitter.com/jeTn20Xa0n
Gianluca Di Feo, em comentário reproduzido aqui no site do IHU, também já advertiu que temos provas técnicas de que a ameaça do Armagedom é real. “Entre as muitas notícias perturbadoras desta temporada, uma é particularmente preocupante: um comunicado de algumas linhas divulgado pela Tass anunciando a criação de um ‘simulador de explosão nuclear’”, comentou. A ação é patenteada por cientistas da Academia Militar General Khrulev.
Em outro artigo, Julio Zamarrónk aponta que o assassinato de Alexey Navalny lança luz para algo que já vinha ocorrendo: o rearmamento europeu e a expansão acelerada da indústria de guerra. Quase ao mesmo tempo, Avdivka, ícone da resistência ucraniana, caía, jogando ainda mais água no moinho que parece insuflar a guerra e a resistência de Putin. Neste drama real em que não há mocinhos, a disputa pelo poder gera guerra, morte e uma neblina sombria alimentada por poder e força, sustentados pela violência, bem como descrevia Arendt.
Vladimir Putin põe a carta da guerra nuclear na mesa. A ameaça foi em resposta à possibilidade da Otan enviar soldados para o front em apoio à resistência ucraniana.
— Jornalismo TV Cultura (@jornal_cultura) March 1, 2024
Líder russo enfrenta oposição a seu regime, com destaque para a viúva de Alexei Navalny.#JornaldaCultura #JC pic.twitter.com/eU86eNKCBb
Raniero La Valle também nos provoca a pensar se tudo que vivemos não é apenas fruto de uma sanha de poder. Afinal, se a Rússia brada ameaças, o Ocidente quer mesmo ir para briga, em uma demonstração violenta de poder. Quer dizer, o Ocidente em si não, mas os poderosos do Ocidente, pois é isso que o presidente francês Emmanuel Macron parece querer ao incitar seu petit comité de poderosos para alimentarem ainda mais essas guerras sanguinárias. Como La Valle aponta, talvez, seja o caso de depor os poderosos, não só de seus tronos, mas de seus devaneios absolutistas.
Nas palavras de Inácio de Loyola, é como se vivêssemos tempos perigosos. Aliás, vale recuperar o texto de Patrick Kelly, professor associado de Estudos Religiosos na University of Detroit Mercy, nos EUA, que tem como título O que Santo Inácio diria a nossos líderes políticos durante esses tempos turbulentos?
E se a guerra na Faixa de Gaza tem suscitado muita polêmica em torno do conceito de holocausto, o conceito de genocídio parece não deixar dúvidas sobre o que ocorre lá, como bem sinaliza Ivânia Vieira. Mas, infelizmente, quem quiser deixar para discutir o conceito em uma realidade mais próxima, também tem essa oportunidade. Basta ver o incessante genocídio Yanomami. Sim, como observa o jesuíta Gabriel Vilardi, o genocídio por aqui segue graças a “uma colonial e sádica inércia governamental que condena, nesse presente interminável, o povo Yanomami ao impiedoso e desumano desaparecimento”.
O tema do genocídio Yanomami foi tema de debate nesta semana aqui no IHU. Participaram o advogado e integrante do povo Makuxi, Ivo Aureliano Makuxi; a missionária queniana Mary Agnes, irmã das Missionárias da Consolata, que vive há mais de 20 anos no território Yanomami; e o missionário do Conselho Missionário Indigenista – CIMI, Roberto Liebgott.
A Irmã Mary Agnes, que falou de dentro da área da terra indígena Yanomami, lembrou da resistência e da esperança deste povo. Para ela, é preciso unir essa pulsão de vida dos indígenas com ações que prestem assistência dentro do território, respeitando a cultura e o modo de vida local.
Liebgott lembrou que imagem dramática de índios esqueléticos e doentes gerou muitas manchetes e, por consequência, ações espetacularizadas do governo, mas com bem pouca efetividade prática.
Impressionante mesmo é o relato de Ivo: há um desconhecimento total destes povos e de sua cultura. O governo forneceu aos Yanomamis alimentos como linguiça e sardinha, coisas que eles não conhecem e nem sabem como preparar para comer. Dá para imaginar que essas pessoas seguiram com fome enquanto alimentos eram desperdiçados?
Cada um.... Nem sei se esse povo da linguiça é Yanomami. Mesmo que seja não é porque tem umas quatro linguiça fritando que as 10 mil pessoas estejam alimentadas
— Rodolfo Salm 🌳🌴🌴🌴🏹😺 (@rodosalm) January 29, 2023
O que não se pode perder de vista é que aquilo que pesa nessa barbárie toda é a presença do garimpo ilegal nas terras Yanomami. Gabriel Vilardi lembra que “os Yanomami sabem o que querem, já as autoridades federais não parecem ter tanta certeza...”. Afinal, a mesma voz que anuncia a retirada do garimpo da área, silencia quando eles vão ao pouco voltado em meio a um discurso sobre desenvolvimento.
Outro relato impressionante da irmã Mary é o quanto Roraima vem sofrendo com os incêndios, que agora se alastram por Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Uma secura que gera fogo, mas que é alimentada pela crise climática e ação dos não indígenas que parecem não entenderem a vida dos Yanomami em conexão com a terra, com a mata e com os rios.
No cenário da política nacional, a extrema-direita e o bolsonarismo ainda se movimentam com força, apesar do caudaloso terreno em que se meteram, vide as manifestações do domingo passado na Avenida Paulista. Triste ver, como bem lembra o advogado e ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, que esta vertente alimenta ódio, num egoísmo nefasto, que não pensa em um projeto de país, mas apenas seus interesses.
Mas como, em tempos tão sombrios, alimentar a esperança? Sim, é preciso ver a conjuntura com frieza, mas também ter esperança em tempos melhores. Talvez, um caminho possa ser o sugerido por Tonio Dell’Olio: reconhecer e superar os desgastes da esperança.
Antes de encerrar, um convite: o Instituto Humanitas Unisinos – IHU abriu seu calendário de eventos de 2024 com esta videoconferência sobre o genocídio Yanomami e na próxima semana segue com mais uma atividade. O tema do debate será o livro Influenciadores digitais católicos: efeitos e perspectivas, que acaba de ser publicado pelas editoras Ideias & Letras e Paulus. Participam Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte; Moisés Sbardelotto, coordenador do Grupo de Reflexão sobre Comunicação da CNBB – Grecom e parceiro do IHU; e Aline Amaro da Silva, vice-secretária da Sociedade Brasileira de Teologia Sistemática – SBTS. Será na terça, 05-06, às 10h, com transmissão ao vivo pelos canais do IHU.