"O Evangelho de Mt 25, 31-46, nos propõe uma catequese sobre o juízo final. Para percebermos a catequese que Mateus desenvolve neste texto, temos de recordar o contexto da comunidade cristã a quem ela se destina.
Estamos nos últimos decénios do séc. I (década de 80). Já passou o entusiasmo inicial pela vinda iminente de Jesus para instaurar o Reino definitivo. E os cristãos que constituem a comunidade de Mateus estão desinteressados, negligenciam o amor aos irmãos, principalmente os mais pobres e alguns estão deixando a comunidade e renunciando ao Evangelho.
Mateus, preocupado com a situação, procura revitalizar a fé, reacender o entusiasmo e o compromisso através de uma catequese que convida à vigilância, enquanto se espera o encontro definitivo com Cristo."
A reflexão é de Valdete Guimarães, smr, religiosa da Congregação das Servas de Maria Reparadora. Ela possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC (2001); especialização em Psicopedagogia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC (2008); graduação (2006), mestrado (2007) e doutorado (2018) em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE. Atualmente é professora de teologia no Instituto de Ensino Superiores do Piauí - ICESPI, coordenadora dos cursos de especializações para leigos e leigas e atua na formação cristã das comunidades.
1ªleitura: Ez 34,11-12.15-17
Salmo responsorial: Sl 22(23),1-2a.2b-3.5-6 (R. 1)
2ª leitura: 1Cor 15,20-26.28
Evangelho Mt 25,31-46
As leituras deste domingo falam-nos do Reino de Deus (esse Reino de que Jesus é rei). É importante já no início dessa reflexão acentuarmos a reserva de Jesus diante de tal título: segundo os evangelhos essa afirmação nunca é encontrada nos seus lábios. E quando lhe é atribuído por outros, Ele não o aceita sem esclarecimentos fundamentais.
Podemos presenciar isso em algumas passagens como:
- No interrogatório diante de Caifás e de Pilatos: onde Jesus silencia diante da pergunta de ser rei.
- Em Mc, quando Pedro afirma que Ele é o Messias, Jesus adverte para que não fale isso a ninguém, pois ele sabia que Pedro tinha em mente a imagem do Messias rei, como as majestades da época. E com isso Jesus não se identificava.
Contudo, o que Jesus menos pretendia era ser rei e menos ainda com a conotação política que lhe davam. Ele declara: meu Reino não é deste mundo.
Na liturgia de hoje podemos acentuar alguns aspectos que nos fazem refletir sobre o verdadeiro sentido do título de Cristo-Rei.
A primeira leitura (Ez 34,11-12.15-17), temos como pano de fundo a metáfora do Pastor. No Antigo Médio Oriente, o título de "pastor" é atribuído, frequentemente, aos deuses e aos reis - um título bastante expressivo em civilizações que viviam da agricultura e do pastoreio.
O pastor expressa autoridade, fortaleza e cuidado ao rebanho. Conhece as necessidades de cada uma, leva nos braços as mais frágeis, ama-as e trata-as com carinho. A sua autoridade não se discute: está fundada na entrega e no amor.
É sobre este fundo que Ezequiel vai colocar as relações que unem Deus e Israel.
A este Povo a quem os pastores humanos (os reis, os sacerdotes, a classe dirigente) tratam tão mal, o profeta anuncia a chegada desse tempo novo em que Deus vai assumir a sua função de pastor do seu Povo.
Como é que Deus desempenhará essa função? Deus vai cuidar das suas ovelhas e interessar-se por elas. Neste momento, as ovelhas estão dispersas numa terra estrangeira, mas Deus, o Bom Pastor, vai reuni-las, reconduzi-las à sua própria terra e apascentá-las em pastagens férteis e tranquilas (vers. 11-12).
Na leitura de 1Cor 15,20-26.28, Paulo afirma que Cristo foi constituído por Deus princípio de uma nova humanidade; a sua ressurreição arrasta atrás de si toda a sua "descendência" - isto é, todos aqueles que se identificam com Ele, que acolheram a sua proposta de vida e o seguiram - ao encontro da vida plena e eterna (vers. 21-23).
O destino dessa nova humanidade é o Reino de Deus. O Reino de Deus será uma realidade onde o egoísmo, a injustiça, a miséria, o sofrimento, o medo, o pecado, e até a morte (isto é, todos os inimigos da vida e do homem) estarão definitivamente ausentes, pois terão sido vencidos por Cristo (vers. 24-26).
Nesse Reino definitivo, Deus manifestar-Se-á em tudo e atuará como Senhor de todas as coisas (vers. 28).
A reflexão de Paulo lembra aos cristãos que o fim último da caminhada do crente é a participação nesse "Reino de Deus" de vida plena e definitiva, para o qual Cristo nos conduz.
A nossa adesão ao projeto de Cristo nos coloca no caminho de uma realidade fundada nos valores do Reino já aqui agora, em nossa história e nos remete à essa realidade plena onde o reino definitivo acontece. Por isso ainda não experimentamos a vida total que Deus nos reserva. E como chegaremos lá? Paulo responde: identificando-nos com Cristo.
A ressurreição de Cristo é o “selo de garantia” de Deus para uma vida oferecida ao projeto do Reino.
O Evangelho de Mt 25, 31-46, nos propõe uma catequese sobre o juízo final. Para percebermos a catequese que Mateus desenvolve neste texto, temos de recordar o contexto da comunidade cristã a quem ela se destina.
Estamos nos últimos decénios do séc. I (década de 80). Já passou o entusiasmo inicial pela vinda iminente de Jesus para instaurar o Reino definitivo. E os cristãos que constituem a comunidade de Mateus estão desinteressados, negligenciam o amor aos irmãos, principalmente os mais pobres e alguns estão deixando a comunidade e renunciando ao Evangelho.
Mateus, preocupado com a situação, procura revitalizar a fé, reacender o entusiasmo e o compromisso através de uma catequese que convida à vigilância, enquanto se espera o encontro definitivo com Cristo.
De fato, quem possui atitudes que não se coadunam com a lógica do Reino não poderá fazer parte deste.
O texto se abre com a solene apresentação do juiz. Ele virá acompanhado pelos anjos, e sentar-se-á glorioso sobre o trono. A mesma descrição apocalíptica aparecerá em outros textos de Mateus sobre o juízo final. Para além da cenografia, Mateus pretende indicar a vinda do Senhor Jesus para o juízo final.
Entram agora em cena aqueles que serão julgados: são todos os povos. O juízo tem caráter universalista: todos recolhidos diante do único juízo. Depois da apresentação dos protagonistas é determinada a ação julgadora – consistirá em uma clara separação figurada pela imagem do pastor que divide as ovelhas dos cabritos. Ressoa em seguida a sentença que assinala a uns o destino de salvação no Reino de Deus e aos outros a perdição definitiva.
O Filho do Homem agora é chamado de rei – Jesus julgará com o poder real recebido na ressurreição: Mt 28,18 – Foi me dado por Deus todo o poder no céu e sobre a terra.
Por fim, é desvelado o critério que serve de base para o juízo: os homens e as mulheres entrarão no Reino ou cairão na perdição segundo a ajuda que tiverem prestado ou não aos necessitados.
O elenco que enumera famintos, sedentos, forasteiros, nus, doentes e prisioneiros repete o esquema tradicional das obras de misericórdia previsto pela Bíblia. Mas é ilustração de uma vasta realidade como vasto é o campo do qual sai o grito dos pobres e desprezados hoje.
A ajuda prestada ou recusada ao pobre é ao próprio Jesus. Nos necessitados encontra-se o Filho de Deus. Entre eles e Ele existe uma misteriosa solidariedade. Eles são os seus irmãos.
Mas, baseando-se em que se dá esse parentesco? Jesus se solidarizou com sua pobreza e é a práxis de amor concreta e simples pelo pobre que demonstra amor a Cristo. A escolha a favor dos pobres é a escolha pela identidade cristã, adesão de vida vivida a Jesus.
Esse texto mostra a exortação de Mateus à sua Igreja cansada e relaxada a perseguir o mesmo ideal de fidelidade cristã no mandamento o do Senhor. Com esta finalidade coloca-lhe diante dos olhos a visão do juízo final, que terá como critério o amor ao próximo. Critério que decide a entrada ou a não entrada no Reino de Deus.
Com os dados que este Evangelho nos apresenta, fica perfeitamente evidente que "estar vigilantes e preparados" (que é o grande tema do "discurso escatológico" dos capítulos 24 e 25) consiste, principalmente, em viver o amor e a solidariedade para com os pobres, os pequenos, os desprotegidos, os marginalizados.
Que essa liturgia ilumine a nossa práxis.