Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose e da Casa della Madia, sobre o Evangelho deste 25º Domingo do Tempo Comum, 24 de setembro (Mt 20,1-16). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois da parábola do servo impiedoso que não sabe reiterar a misericórdia e o perdão obtidos (cf. Mt 18,21-35), eis uma parábola sobre a escandalosa misericórdia de Deus. Escandalosa porque não é meritocrática, isto é, não é um sentimento, uma ação de Deus que chega aos seres humanos a partir de seus méritos; não pode ser conquistada, muito menos adquirida, mas só pode ser acolhida como um dom: ela é gratuita, e, por isso, seu nome também é “graça”. Deus faz graça em sua infinita liberdade e em seu infinito amor, e ninguém pode reivindicar prêmios, muito menos privilégios, por eleição ou vocação.
Jesus faz o anúncio dessa boa notícia em uma parábola contada em três cenas e completada por um comentário final (v. 16);
- em horas diferentes, desde o amanhecer até o fim da tarde, o patrão da vinha sai para contratar trabalhadores (vv. 1-7);
- à noite, ele paga os trabalhadores (vv. 8-10);
- por fim, o patrão justifica seu próprio comportamento (vv. 11-15).
O protagonista da primeira cena é “um homem, um chefe de casa”, em seguida definido também como “patrão da vinha”, que atua de manhã à noite, saindo de casa para ir à praça buscar trabalhadores para sua vinha, como era o costume naqueles tempos. Desde o início do amanhecer, portanto, desde as seis horas, ele se dirige à praça e chama trabalhadores, estipulando com eles um contrato: ele os pagará, pelo dia inteiro, uma moeda de prata, de acordo com as tarifas do mercado daquela época.
Depois, ele sai de novo perto das nove horas e contrata outros operários, prometendo-lhes: “Eu lhes pagarei o que for justo”. Faz o mesmo perto do meio dia, perto das três horas e até perto das cinco horas da tarde. Àqueles que ele encontra na praça quase no fim do dia, ele pede a razão de estarem sem fazer nada, e eles respondem: “Ninguém nos contratou”, isto é, “ficamos desempregados”.
O patrão faz muitos chamados, não exclui ninguém, oferece trabalho em todas as horas: sai de casa por nada menos do que cinco vezes, até mesmo no fim da tarde, quando se aproxima o pôr-do-sol e só resta apenas uma hora útil para o trabalho.
A partir dessa primeira cena, fica claro que todos os que estavam na praça do mercado foram chamados pelo patrão e que, à noite, não há mais desempregados. Note-se também que essa convocação é feita pelo próprio patrão, não por um administrador dele: isso é muito estranho, porque os proprietários normalmente não entravam diretamente em contato com trabalhadores frequentemente sujos, vestidos com roupas indecentes e, em todo o caso, grosseiros. Mas tal comportamento indica a solicitude desse patrão, que quer ver face a face quem trabalha em sua vinha e quer estipular, ele mesmo, os contratos com seus operários.
Chega a noite, e os operários retornam da vinha. O patrão, homem justo e também generoso, observa fielmente a lei: “Não explore um assalariado pobre e necessitado... Pague-lhe o salário a cada dia, antes que o sol se ponha, porque ele é pobre e sua vida depende disso. Assim, ele não clamará ao Senhor contra você, e em você não haverá pecado” (Dt 24,14-15).
O patrão, portanto, chama o administrador e lhe ordena que pague os trabalhadores, começando pelos últimos e terminando com os primeiros contratados. A ordem dos chamados é invertida, e isso faz com que os primeiros possam observar que salário o patrão correspondeu àqueles que trabalharam menos do que eles.
O administrador, de acordo com a ordem recebida, começa a dar uma moeda de prata aos operários da última hora. Aqueles que trabalharam desde o início da manhã, então, acham que devem receber um pagamento mais alto: trabalharam mais horas e, portanto, merecem mais! Cria-se entre eles uma expectativa rapidamente desiludida. O texto, de fato, anota laconicamente: “Porém, cada um deles também recebeu uma moeda de prata”, nem mais nem menos do que os outros.
Se até aqui foram descritas quase apenas ações, com a exceção da rápida menção ao pensamento que pairou na mente dos operários contratados de manhã cedo, na última cena, Jesus, mostrando toda sua habilidade de narrador e de conhecedor do coração humano, detém-se para considerar os sentimentos dos personagens.
Os operários da primeira hora, agora, passam do pensamento fugaz à comparação com os outros trabalhadores: disso nasce a raiva por terem sido tratados como os outros, e sua expectativa frustrada os leva a murmurar. Murmurar, esse terrível uso da palavra, infelizmente tão familiar e atestado na Igreja e nas comunidades; tantas vezes nos detivemos sobre esse autêntico câncer das relações humanas...
Esses trabalhadores recriminam, expondo com raiva ao patrão o resultado das suas palavras trocadas às escondidas: “Trabalhamos de manhã à noite, cansamo-nos por 12 horas, suportamos o peso do calor, debaixo do sol ardente, enquanto estes últimos chegaram quase no fim da jornada, trabalharam apenas uma hora, no frescor do pôr-do-sol, mas você os igualou a nós”.
É isso, em última análise, o que eles não conseguem suportar: “Eles foram igualados a nós”, chamados por primeiro e chamados por último são todos iguais! Aos seus olhos, isso parece ser uma injustiça, uma atitude que não vê nem reconhece os méritos. Consequentemente, o patrão é considerado por eles injusto, insuportável, portanto.
Eles nos representam bem: de fato, quando queremos afirmar aquela que nos parece ser a justiça, sentimo-nos cheios de autoridade, levantamos a voz para expressar de forma até dura a nossa convicção. “A justiça em primeiro lugar!”, dizemos, e nem sequer surge em nós o pensamento de que a nossa justiça pode ser limitada e de que pode haver outros critérios de justiça. Quando os outros expressam julgamentos de justiça sobre nós, sentimos que são duros; quando, ao contrário, podemos apelar à justiça para julgar, sentimo-nos fortes, levantamos a voz...
Sobre essa murmuração, o patrão da vinha intervém resolutamente, dirigindo-se a um dos contestadores. Acima de tudo, chama-o de “amigo”, termo utilizado na parábola do banquete nupcial, para indicar o homem desprovido da roupa para a festa (cf. Mt 22,12), e até por Jesus em relação a Judas, na hora da traição (cf. Mt 26,50).
A repreensão, portanto, é introduzida de modo amigável, talvez não desprovido de uma certa ironia. O patrão também recorda que ele respeitou a retribuição concordada e, portanto, não cometeu nenhum erro, não foi injusto. Mas ele não quer forçar a mão e, por isso, despede o murmurador sem nenhuma palavra de condenação: “Toma o que é teu e volta para casa!”.
Mas depois ele continua, com a intenção de deslocar a ênfase para a própria gratuidade: “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence?”. Ele certamente respeita a justiça e, portanto, o acordo estabelecido, mas quer dar mais àquele a quem caberia menos, para que possa levar para casa o salário necessário para si e para a própria família.
Portanto, ele mostra uma justiça diferente daquela prevista e implementada pelos homens: uma justiça não retributiva nem meritocrática. Esse conceito de justiça, que Jesus atribui a Deus, escandaliza os devotos que se esforçam para contar suas ações para poder enumerar seus méritos.
“Trabalho, ganho, logo reivindico!”: esse modo vulgar de se expressar traz o sinal de uma lógica que nos habita e que devemos nos esforçar para extirpar do nosso coração. Ao lado de nós, há pessoas menos afortunadas por nascimento ou por história; há pessoas fracas que não trabalham como nós porque não podem; há aqueles que não têm um emprego ou que a doença tornou menos produtivos. Estes não são descartes a serem esquecidos ou, pior, abandonados: são nossos irmãos e irmãs, carne da nossa carne, e nós devemos pensar também neles, à imagem do senhor da vinha que, em sua generosidade misericordiosa, não quer que outro ser humano volte para casa, para sua própria família, sem o necessário para viver.
Por fim, o patrão da vinha desnuda um risco presente na atitude daqueles que se comparam com os outros: “Ou estás com inveja [o teu olho é malvado], porque estou sendo bom?”. Com essa simples pergunta, ele traça o mecanismo da inveja, termo que deriva de in-videre, isto é, “não querer ver” a felicidade, o bem, a alegria do outro, como se esta atentasse contra a nossa. Ciúme e inveja podem nascer no nosso coração – porque “é do coração humano que nasce... o olho malvado” (Mc 7,21-22) – mas que devem ser combatidos, para se chegar progressivamente, no exercício da escuta do outro, da compaixão e da empatia com ele, a se alegrar quando o outro se beneficia com a nossa bondade, que é sempre bondade de Deus.
Também podemos medir como essa parábola é escandalosa lendo uma parábola rabínica, inspirada, com toda a probabilidade, na nossa:
Um rei, que havia contratado muitos operários, foi controlar o trabalho que realizavam. Notou que um deles era mais hábil e mais rápido do que todos os outros; pediu-lhe, então, para acompanhá-lo em um passeio que durou todo o resto do dia. À noite, deu-lhe uma remuneração igual à dos outros que tinham ficado trabalhando. Estes, então, protestaram: “Nós trabalhamos duro o dia inteiro, e este, que trabalhou apenas duas horas, recebeu o mesmo salário que nós. Não é justo!”. Então o rei respondeu: “Ele fez mais trabalho em duas horas do que vocês em um dia inteiro” (Talmud de Jerusalém, Berakhot 2,3).
O contraste com a parábola evangélica não poderia ser mais claro: aqui, há uma lógica meritocrática, enquanto Jesus fala de gratuidade, de uma misericórdia que não deve ser merecida, mas acolhida com alegria como dom e como amor derramado sobre todos nós, todos irmãos e irmãs, todos filhos e filhas amados por Deus. Diante desse amor, não há privilégios para se orgulhar!
Façamo-nos uma pergunta: como pensamos a nossa relação com Deus? Como relação na graça ou como desempenho meritório? Na verdade, só a graça de Deus pode instaurar a comunhão conosco; e se tentássemos ir ao encontro dele fortalecidos com os nossos supostos méritos, não conseguiríamos conhecer seu amor, sempre gratuito e nunca merecido.
Uma digna conclusão dessa parábola, que canta a misericórdia do Senhor, que não cria primeiros e últimos, mas a todos quer salvar, parece-me ser um trecho da “Catequese sobre a Santa Páscoa”, atribuída a João Crisóstomo:
Quem trabalhou desde a primeira hora receba hoje o justo salário; quem veio depois da terceira, renda graças e festeje; quem chegou depois da sexta, não hesite: não sofrerá dano algum; quem tardou até à nona, venha sem hesitar; que chegou apenas na undécima, não tema pelo seu atraso. O Senhor é generoso, acolhe o último assim como o primeiro, concede o descanso a quem chegou na undécima hora assim como a quem trabalhou desde a primeira. Faz misericórdia ao último e serve ao primeiro.
Que a misericórdia infinita do Senhor, que nos é dada de modo totalmente gratuito, seja compartilhada entre nós, todos seus amados e amadas, sem fazer nenhuma comparação, mas entrando em sua lógica, que nos foi revelada de uma vez por todas por Jesus Cristo: “Vocês receberam de graça, deem também de graça!” (Mt 10,8).