19 Setembro 2014
Neste 25º Domingo, encontramos Jesus e os doze a caminho de Jerusalém. Os que o acompanham ouvem Jesus repetir que é membro do Reino quem aceita Deus como único Senhor, mas um Senhor ao inverso...
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 25º Domingo do Tempo Comum. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Is 55,6-9
2ª leitura: Filipenses 1,20-24.27
Evangelho: Mateus 20,1-16
"Os meus caminhos não são os vossos caminhos"
Esta afirmação vem confirmada no evangelho de hoje, em conclusão a uma longa lista de textos bíblicos. Logo no início, em Gênesis 4, vemos Deus preferir Abel que, além de ser o irmão mais novo, era um pastor de ovelhas, ou seja, consumidor de carne animal. Em Gênesis 1,29, no entanto, todo o mundo foi criado vegetariano, isto é, sem violência. Somente a partir de Noé e em razão da fragilidade do homem, a carne animal seria autorizada (Gênesis 8,21 e 9,1-4). É impossível citar todos os casos desta inexplicável preferência divina, mas podemos pensar em Jacó, que foi escolhido no lugar de seu irmão mais velho, Esaú. Ou em Davi, o mais novo dos sete filhos de Jessé. Ou mesmo em Salomão, filho da mulher que foi roubada de Urias, o hitita. Sabemos que Deus escolhe sempre os que não têm nenhum direito, o que nos faz lembrar as palavras de Paulo aos Coríntios (1 Coríntios 1,26…): «Vede, pois, quem sois, irmãos, vós que recebestes o chamado de Deus; não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos de família prestigiosa. Mas o que é loucura no mundo Deus o escolheu para confundir os sábios…» E acrescenta que Deus escolheu os fracos para confundir os fortes, prefere os desprezados aos que neste mundo são honrados, etc. Ninguém, então, pode fazer valer seus títulos, para justificar o dom de Deus. Deus afinal nos ama não por sermos bons, mas somos bons, ou nos tornamos bons, porque Deus nos ama.
A injustiça de Deus
Temos de rever toda uma teologia do mérito que queria nos fazer crer que pelo nosso valor se pode medir o dom de Deus. Alguns textos bíblicos, se tomados isoladamente, retirados de seu contexto, poderiam com certeza nos fazer crer nisto. Mas, na realidade, o dom de Deus se mede é pelo amor que nos vem d’Ele e pelo qual nos deixamos atravessar para que possa atingir os outros. Somos nós mesmos que fixamos a medida (Lucas 6,38, por exemplo). Da parte de Deus, se assim podemos dizer, o dom é total; Ele nos dá tudo o que somos ou, antes, tudo o que aceitamos ser, e tudo o que Ele é. Nele, o dom é total, sem medida. Pedro dirá que Deus nos fez participantes até mesmo da sua natureza (2 Pedro 1,4). Ele não nos deve nada; e nos dá tudo. Há, portanto, no ponto de partida do nosso ser, um amor sem razão, um amor que não é razoável. Por isso Jesus diz que não veio para os justos, mas para os pecadores. Para que se convertam. Converter-se consiste aqui, antes de tudo, em crer no dom que nos é dado. Se houver conversão moral, esta só virá depois, a título de consequência da nossa confiança no amor que nos vem assumir. Há, portanto, na origem de cada um de nós, alguma coisa -alguém- de inexplicável. Arrisquemos a palavra: injustificável. Sou incapaz de dizer por que estou aqui. Sei o como, mas o porquê não está em lugar nenhum deste mundo. Existimos gratuitamente. Não podemos justificar a nossa presença.
A última hora
Do que nos Jesus fala neste evangelho? Da conduta daquele a quem chamamos de Deus; do Reino dos céus, ou seja, da lógica de nossas relações com Ele. E encontramos aí o injustificável: a justiça de Deus não é a nossa justiça, a sua lógica não é a nossa lógica. Nós é que pensamos que cada um deve receber conforme o que lhe é devido, mesmo se nem sempre ajamos de acordo com isso. Os seus caminhos não são os nossos caminhos. A sua justiça não é justiceira, é justificante: torna justo quem não o era. Aquele que é o justo por excelência não atira no culpado a pedra do castigo. Ele, nesta parábola, retribui um trabalho que não foi feito. Mais ainda, estes operários do último instante são os primeiros a receberem um salário que não ganharam. Onde avulta a ausência de mérito, aí mesmo o amor totalmente gratuito superabunda, como diz, em substância, Romanos 5,20. Deus é injusto por excesso de amor: a justiça não se vê insatisfeita, mas superada. Assim, os que foram os primeiros devem se alegrar por se verem passados para depois dos últimos. Porque, aceitando isto, eles adotam o mesmo amor com que Deus os ama, este amor injustificado, em primeiro lugar porque é ele mesmo a sua própria causa. Por isso o Cristo, O que é o primeiro, a imagem perfeita do Deus invisível, veio ocupar o último lugar. Por isso o Senhor se fez escravo. Mas por que os operários da primeira hora não recebem mais que os outros? Porque o que Deus dá é ele mesmo, para além de qualquer salário.
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Uma justiça desconcertante! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU