22º domingo do tempo comum – Ano A – A configuração de vida com a vida de Jesus Cristo

Por: MpvM | 01 Setembro 2023

"A liturgia deste vigésimo segundo domingo do tempo comum nos convida a rezar e a refletir sobre o primeiro anúncio da paixão que Jesus faz a seus discípulos. Convida-nos também a rever a nossa disposição interna para segui-lo, conformando a nossa vida a todos os aspectos da vida de Cristo, mesmo aqueles mais difíceis.

"A narrativa começa e termina com Jesus de posse da palavra. Como um verdadeiro Mestre, ele se dirige aos discípulos e anuncia “ser necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morto e ressurgisse ao terceiro dia” (v. 21). Tão logo Jesus acaba de falar, Pedro, o mesmo que o havia reconhecido como o Cristo, o filho de Deus, toma a palavra e repreende o Mestre ao dizer: “Deus não o permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá” (v.22)."


A reflexão é de Leila Janaína Pereira da Silva, religiosa da Congregação das Filhas de Jesus, FI. É mestre em teologia pela Universidade Católica de Pernambuco-UNICAP, bacharel em teologia e especialista em espiritualidade cristã e orientação espiritual pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia- FAJE e licenciada em pedagogia pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI. Atua na formação bíblica e catequética nas comunidades de base, participa na Pastoral da População em Situação de Rua e em sua Congregação coordena a equipe que atua junto às juventudes na Região do Brasil.

 

Leituras do dia

1ª Leitura: Jr 20,7-9
Salmo: 62(63)
2ª Leitura: Rm 12,1-2
Evangelho: Mt 16,21-27

A liturgia deste vigésimo segundo domingo do tempo comum nos convida a rezar e a refletir sobre o primeiro anúncio da paixão que Jesus faz a seus discípulos. Convida-nos também a rever a nossa disposição interna para segui-lo, conformando a nossa vida a todos os aspectos da vida de Cristo, mesmo aqueles mais difíceis.

Acompanhemos atentamente a cena evangélica de Mateus 16,21-27 e nos deixemos envolver pelas palavras de Jesus e pela reação de seus discípulos explicitada nas palavras de Pedro. Na narrativa anterior à que hoje meditamos (Cf. Mt 16,13-20), Pedro, inspirado por Deus, reconhece a identidade profunda de Jesus: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” (v.16), quando questionado pelo Mestre: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15).

Talvez este episódio tenha levado Jesus a intuir que os seus discípulos já se encontravam capazes de ouvir e compreender que o modo como ele assumiu viver o seu messianismo lhe traria consequências não tão agradáveis, mas duras e penosas, como a incompreensão, a perseguição e até a morte.

A narrativa começa e termina com Jesus de posse da palavra. Como um verdadeiro Mestre, ele se dirige aos discípulos e anuncia “ser necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morto e ressurgisse ao terceiro dia” (v. 21). Tão logo Jesus acaba de falar, Pedro, o mesmo que o havia reconhecido como o Cristo, o filho de Deus, toma a palavra e repreende o Mestre ao dizer: “Deus não o permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá” (v.22).

Com isso, percebemos que Pedro até reconheceu a identidade profunda de Jesus, compreendendo a sua filiação divina, mas não foi capaz de compreender que o modo como Jesus vive e se relaciona com Deus, o seu Pai, não é baseado no privilégio. A reação de Pedro, de certo modo, remontou às tentações no deserto, outro momento decisivo na vida de Jesus, quando o diabo instiga Jesus a se aproveitar de Deus para protegê-lo, defendendo-o de todo perigo e tropeço: “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra” (Mt 4,5-6). Jesus não caiu na armadilha do diabo naquele momento e tampouco cairia no engano e na incompreensão de Pedro porque ele não se deixa enganar pelas falsas aparências.

Jesus, de forma enérgica, dirige-se a Pedro, repreendendo-o duramente. Jesus faz o discípulo perceber que os seus pensamentos não condizem com o modo concreto de viver a fé e o seguimento segundo o projeto de vida e a missão que o Pai lhe confiara. Neste momento, aquele que parecia ter avançado no processo de crescimento, amadurecimento e configuração com a pessoa de Jesus e com o seu modo de ser e de proceder no mundo, age como quem divide e tenta dissuadir Jesus de seu caminho, por isso o Mestre exclama: “Afasta-te de mim, satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas dos homens” (v. 23). Assim, Pedro precisará retomar o caminho como aprendiz do Mestre.

Em seguida, Jesus conscientiza os discípulos de antes (e a cada um de nós hoje) que eles também não estarão livres de se depararem com as duras consequências ao segui-lo. E isso nos leva a pensar na seriedade da identificação e seguimento de Jesus, embora saibamos que cada pessoa é livre para escolher acompanhá-lo adiante, tendo sempre presente as suas palavras: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (v. 24). Jesus também explicita o valor da vida que, no seguimento a ele, plenifica-se abundantemente. Assim, diante deste texto bíblico e das palavras que ele nos transmite como inquietação, como chamado à vivência do seguimento em coerência, verdade e consciência de tudo que isso pode nos acarretar, ousamos pedir a Deus a graça de dia a dia escolher permanecer no caminho com seu filho e com os nossos irmãos e irmãs de caminhada.

E os demais textos bíblicos de hoje? O que eles nos transmitem sobre o processo de configuração com a pessoa de Jesus Cristo a partir do seguimento próximo e profundo?

A partir desta narrativa evangélica, podemos tomar a primeira leitura do livro do profeta Jeremias (20,7-9) e perceber a sintonia entre os textos. Se no evangelho Jesus abre os nossos olhos, mente e coração para a compreensão e o reconhecimento de que a realização da missão nem sempre será fácil, com possibilidade de dureza, incompreensão e perseguição, na primeira leitura esta realidade será explicitada com muita clareza por meio profeta Jeremias.
Após profetizar no Templo, Jeremias sofre violência física pelas mãos do “sacerdote Fassur, filho de Emer, que era chefe da guarda no Templo de Iahweh” (Jr 20,1). O profeta, então, apresenta-se a Deus e se mostra numa profunda crise interior por causa da dureza vivida diariamente no exercício do seu ministério profético: “Sirvo de escárnio todo o dia, todos zombam de mim...” (Jr 20,7d).

A missão de Jeremias “para arrancar e para destruir, para exterminar e para demolir, para construir e para plantar” (Jr 1,10) vai se mostrar do início ao final de sua vida muito desafiante, difícil e dolorosa. Ser porta-voz de Deus, chamando os reis, sacerdotes, profetas e todo o povo de Israel à conversão lhe trará muitos desafios. Isso é matéria de reflexão: como permanecer falando quando não querem ouvir? Como falar em nome do Senhor, se isso lhe causa sofrimento, perseguição e dor?

Contudo, mesmo em crise interna e a sensação de que não valia a pena continuar, Jeremias carregava dentro de si uma força que o impulsionava a não desistir, e sim continuar insistindo e falando em nome de Deus, para que todo o povo de Israel se convertesse e, assim, continuasse gozando da benevolência divina. Jeremias não fugiu da missão a ele confiada com receio das consequências, mas, ao contrário, optou dia a dia por se manter firme e fiel.

Em sintonia com tudo que falamos até este momento, é possível detectar na segunda leitura, a carta de São Paulo aos Romanos 12,1-2, o chamado para nos configurarmos como comunidades, e não somente como indivíduos, com Jesus Cristo. Diante de uma comunidade tão diversificada, é possível encontrar conflitos e dificuldades que põem em risco a vivência da fé de modo autêntico. Mas estas dificuldades e conflitos não podem ser maiores do que o desejo que cada integrante da comunidade traz em si de manter-se firme na fé recebida e, assim, viver de modo que agrada a Deus.

Paulo exorta a sua comunidade e a nós hoje para que acolhamos à vontade de Deus, discernindo sempre o que mais conduz ao bem e a vida segundo a vontade do próprio Deus e, assim, seja realizado um culto que lhe agrade. Sabendo que “para Paulo o novo culto que as comunidades prestam a Deus não passa pelo sacrifício de animais, e sim pela entrega da própria vida, à semelhança de Jesus” (BORTOLINI, 1997, p. 78-79).

Desta forma, que a liturgia que hoje celebramos nos ajude a retomar a nossa caminhada de fé e de seguimento a Jesus Cristo, questionando-nos sobre a nossa disposição para acolher com fé e esperança as consequências que este seguimento nos traz.

Referências

BIBLIA DE JERUSALÉM. Português. Nova ed. rev. e ampl. São Paulo: Paulus. 2002 (13ª imp. 2019).
BORTOLINI. J. Como Ler a Carta aos Romanos: O Evangelho é a força de Deus que salva. São Paulo: Paulus, 1997, p. 78-79.

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