21 Agosto 2023
Siddharth Kara traz à tona muito fortemente a exploração nas minas de cobalto. Um mercado econômico global que se baseia sobretudo no trabalho infantil.
A reportagem é de Lorenzo Fazzini, publicada em Avvenire, 18-08-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Por favor, diga ao povo de seu país que todos os dias uma criança morre no Congo para que vocês possam carregar seus celulares.” A frase chocante aparece na metade do livro e é um soco no estômago. Porque a abundância de detalhes, o relato testemunhal, os riscos assumidos para documentar o extrativismo selvagem no Congo fazem de “Rosso cobalto. Come il sangue del Congo dà energia alle nostre vite” [Vermelho cobalto. Como o sangue do Congo dá energia às nossas vidas] (Ed. People), de Siddharth Kara, um daqueles livros que não podem deixar indiferente quem lê suas 352 páginas, ricas em dados, números, exemplos, histórias humanas e denúncias sociais.
Recentemente, o cobalto se tornou um dos minerais mais preciosos: o advento da hi-tech, com smartphones e tudo mais, torna esse mineral essencial para recarregar os instrumentos de comunicação, assim como os carros elétricos.
E aqui está o paradoxo: “Em 2021, 111.750 toneladas de cobalto, representando 72% da oferta global, foram extraídas na República Democrática do Congo – uma contribuição que deve aumentar com o crescimento anual a demanda por parte das empresas de tecnologia de consumo e de veículos elétricos”, observa Kara, professor da Universidade de Nottingham e Global Professor da British Academy, autor de um aclamado livro investigativo sobre o tráfico de seres humanos para fins sexuais, “Sex Trafficking” (Ed. Castelvecchi).
O centro da extração desse mineral encontra-se na cidade de Kolwezi, no sudeste do país, em uma área de 100 km de largura por outros tantos de comprimento: “Não se conhecem em nenhum lugar do mundo jazidas maiores, mais acessíveis e de maior qualidade do que as de cobalto bruto debaixo de Kolwezi.”
É bênção e ao mesmo tempo maldição essa riqueza de materiais preciosos, para um país como o Congo, que – resume Kara com abundância – viveu na época do colonialismo belga sob o Rei Leopoldo uma era de exploração indizível e violenta. Mas que não está muito longe hoje, visto que o neocolonialismo assumiu formas mais suaves, mas não por isso menos gananciosas.
O próprio Papa Francisco denunciou fortemente isso em sua fala aos jornalistas no voo de volta da viagem ao Congo: “Aqui vocês têm tantas riquezas naturais, que atraem pessoas que vêm explorar o Congo. Existe essa ideia de que a África deve ser explorada. Alguns dizem que os países que tinham colônias deram a independência, mas ‘do chão para cima’: do lado de baixo, não deram a independência, eles vêm buscar minerais. Mas temos que acabar com a ideia de que a África deve ser explorada. A África tem uma dignidade própria. E o Congo está em um altíssimo nível nisso”.
Mas, lendo as páginas altamente documentadas e às vezes ferozes de Kara, a extração de cobalto e a dignidade das pessoas são duas dimensões inexoravelmente distantes. Basta acompanhar este diálogo entre o autor e um comerciante libanês de cobalto que estava de passagem pelo Congo: “Perguntei-lhe se alguma vez ele tinha perguntado sobre a proveniência do cobalto adquirido. O que você quer dizer com isso? Me refiro se você tenta saber se o mineral veio de trabalho infantil ou de algum outro tipo de abuso. Não se fazem essas perguntas aqui. Por que não? Não haveria mais cobalto para comprar”.
Kara já viu com seus próprios olhos, peregrinando entre uma mina e outra, até mesmo crianças de seis anos afundadas o dia todo nos abismos à procura de cobalto, para depois venderem um saco de pedras ao preço de dois dólares por dia, cujo valor comercial final é multiplicado por 10. E ele já viu com seus próprios olhos pais abraçando seus filhos todas as vezes, como se fosse a última, e entrando nos túneis a dezenas e dezenas de metros abaixo do solo, sabendo muito bem que todas as vezes que mergulham nas entranhas da terra para procurar cobalto pode ser a última vez que verão seus entes queridos.
De passagem, bastaria conhecer histórias e casos desse tipo para perceber e se calar diante de slogans fáceis como “vamos ajudá-los na casa deles!”, se levássemos em conta que todos os dispositivos móveis que temos em mãos contêm em seu interior minerais ensanguentados de dignidade negada e de abusos silenciados.
“Trabalho infantil, tratamento desumano, exposição tóxica e potencialmente radioativa, salários que raramente superavam os dois dólares por dia e uma onda indescritível de lesões eram a norma”, diz Kara. Com um detalhe eloquente: as muitas mortes no trabalho de cobalto são na sua maioria silenciadas, se é verdade que o autor da reportagem recebeu, em pouco tempo, o testemunho de sete desmoronamentos de túneis de minas de cobalto, sendo que apenas um foi relatado pela mídia: aquele de um túnel no dia 27 de junho de 2019, com a morte de 41 pessoas.
A “globalização da indiferença” em relação ao cobalto ensanguentado alcança todas as latitudes, segundo Kara. Ele não dá descontos a ninguém e questiona empresas e marcas famosas com seus nomes e sobrenomes. Embora seja verdade que “Apple, Samsung, Google, Microsoft, Dell, LTC, Huawei, Tesla, Ford, General Motors, BMW e Daimler-Chrysler são apenas algumas das empresas que compram parte, a maior parte ou todo o cobalto no Congo, nem elas nem outros estão fazendo os esforços necessários para melhorar essas condições”.
Com um detalhe importante: a ligação entre os gigantes da hi-tech e os congoleses explorados são majoritariamente indústrias chinesas, bem implantadas na África: “Quase todos os depósitos das províncias do Alto Katanga e de Lualaba são geridos por compradores chineses. As formas semirrefinadas de cobalto são carregadas em caminhões e transportadas para os portos marítimos de Dar es Salaam e Durban, rumo às refinarias comerciais, a maioria das quais se encontram na China. Em 2021, a China produziu 75% do cobalto refinado do mundo”.
E ainda sobre a preponderância chinesa nesse setor: “Os maiores produtores mundiais de baterias de íons de lítio são a CATL e a BYD, na China; LG Energy Solution, Samsung SDI e SK Innovation, na Coreia do Sul; e Panasonic, Japão. Em 2021, essas seis empresas produziram 86% das baterias de íons de lítio do mundo, e a CATL sozinha foi responsável por um terço do mercado. A maior parte do cobalto dessas baterias provinha do Congo”, onde, afirma Kara, no Cinturão do Cobre da África central, que inclui o Congo e a Zâmbia, encontra-se “aproximadamente a metade das reservas mundiais de cobalto, equivalentes a cerca de 3,5 milhões de toneladas”.
E um dado deve estar presente quando acariciamos a tela de um iPhone: “Se a OCDE e seus membros admitem que 70% dos 72% do abastecimento mundial de cobalto têm ‘algum contato’ com o trabalho infantil, isso implica que metade do cobalto no mundo foi tocado pelo trabalho infantil no Congo”.
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O sangue do Congo nos nossos celulares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU