"É preciso deixar o “brilho” se queremos assumir o seguimento e a cruz de Jesus. Ele disse: “Tome a tua cruz e segue-me” (cf. Lc 9,23). Nos envia hoje para as periferias existenciais, geográficas e sociais, para fazer mutirão em busca da dignidade humana, com quem não tem terra, teta e trabalho; para dar as mãos, com respeito, à todas as pessoas na sua individualidade e na sua coletividade, independentemente da raça, cor, sexo, condição social, e ainda montar tendas, ou barracas, onde possamos oferecer acolhimento humano e fraterno, solidariedade e justiça social."
A reflexão é de Celia Soares de Sousa, graduada em Teologia pela Faculdade de Teologia N. Sra. Assunção, SP (1999), mestre em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (2013) e possui especialização em Mariologia (2020). Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Teologia Bíblica, Pastoral e Dogmática, especialmente na formação de leigos e leigas e é pós-graduanda em Mariologia pela Faculdade Dehoniana e Academia Maria de Aparecida. Atualmente é doutoranda em Teologia pela PUC-SP.
1ª leitura - Dn 7,9-10,13-14
Salmo - Sl 96(97),1-2.5-6.9 (R. 1a.9a)
2ª leitura - 2Pd 1,16-19
Evangelho - Mt 17,1-9
O evangelho deste domingo (Mt 17,1-9) relata uma experiência intensa. Jesus sobe a uma montanha, e os discípulos podem ver o seu rosto brilhando como o sol e suas roupas brancas como a luz. O Senhor foi transfigurado diante deles.
A profecia de Daniel (Dn 7,9-10,13-14) narra a visão de “um como filho do homem sobre as nuvens do céu”. Parece um ser humano, mas na verdade, é um ser celestial. Ele é um ser divino, porque faz o que Deus faz. Ele vem na nuvem de glória, ele vem na nuvem do céu. Ele reinará para sempre. Ele é Humano e Divino.
A Transfiguração de Jesus pode ser entendida como uma transformação que remete à Ressurreição. A montanha não tem nome, mas faz pensar na montanha da revelação de Moisés, Sinai-Horeb. Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas, os escritos e a tradição sagrada de Israel. Jesus, dialoga com o Antigo Testamento.
Depois da visão, Moisés e Elias desaparecem. A mensagem do Evangelho passa a valer mais que a lei e os profetas. Aqui temos uma revelação importante: é Jesus a quem devemos escutar! Ele é o Filho amado, no qual Deus pôs todo o seu agrado (Mt 16,16).
Os discípulos, por sua vez, queriam permanecer no monte, de acordo com a sugestão deles: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer três tendas: uma pra ti, outra pra Moisés, e outra pra Elias”.
Assim como os discípulos se assustaram ao ouvir a voz de Deus, vinda das nuvens, muitas vezes tomar consciência da necessidade de se desinstalar e tomar contato com a realidade é uma experiência dolorida, por isso mesmo o susto. No entanto, é o próprio Jesus que se aproxima, toca e encoraja: “Levantai-vos, e não tenhais medo.” (Mt 17,7)
Não há mulheres nesta cena, como em muitas outras elas não são citadas. No entanto, Jesus conhece bem a difícil realidade das mulheres, sobretudo as viúvas, as crianças, órfãs, doentes, e se compadece. Por isso, ele sabe que nem Ele e nem os discípulos podem permanecer no monte, pois a transformação da vida do povo passa pelo compromisso dos que O seguem.
É preciso deixar o “brilho” se queremos assumir o seguimento e a cruz de Jesus. Ele disse: “Tome a tua cruz e segue-me” (cf. Lc 9,23). Nos envia hoje para as periferias existenciais, geográficas e sociais, para fazer mutirão em busca da dignidade humana, com quem não tem terra, teta e trabalho; para dar as mãos, com respeito, à todas as pessoas na sua individualidade e na sua coletividade, independentemente da raça, cor, sexo, condição social, e ainda montar tendas, ou barracas, onde possamos oferecer acolhimento humano e fraterno, solidariedade e justiça social.
A ordem de Jesus de não falarem da visão senão após a ressurreição, sugere que os discípulos não compreenderam a relação entre paixão e a glorificação de Jesus, se não depois da sua ressurreição. Portanto, assumir a cruz de Jesus é reconhecê-Lo nas dores e nos sofrimentos das mulheres e crianças violentadas, nas pessoas em situação de rua, na violência urbana, nas guerras, e na ecologia que sofre com o descuido e descaso humanos.
“Levantai-vos” e “Escutai-o”. O Pai glorificou o Filho! Que Ele possa se alegrar com a nossa pobre oferta e serviço ao reinado de Deus.
Na segunda carta de Pedro (2Pd 1,16-19), o próprio Pedro se apresenta como testemunha ocular da majestade do Senhor. Ele conhece bem a profecia e relembra da voz que ouviu do Pai quando estava com os discípulos no monte santo: “Este é o meu filho amado, no qual ponho o meu-bem querer”.
Assumir o caminho de Jesus é ter diante dos olhos e da vida uma “lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em vossos corações”. Se há medo da escuridão, da solidão, dos preconceitos e das violências diversas lembremos que Jesus se aproxima de nós, nos toca e mais uma vez nos diz: “Levantai-vos, e não tenhais medo.” (Mt 17,7)