01 Agosto 2023
Com uma longa entrevista ao Osservatore Romano, o teólogo Piero Coda, ex-presidente da ATI e secretário da Comissão Teológica Internacional, ofereceu várias ideias para uma releitura dos principais desafios da teologia católica contemporânea. Eu gostaria de retomar apenas algumas das muitas sugestões, particularmente importantes em vista do debate eclesial por ocasião das duas próximas Assembleias do Sínodo dos Bispos.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo é publicado por Come Se Non, 29-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma primeira afirmação geral de P. Coda parece quase um juízo preocupado: “Uma limitação da teologia contemporânea é muitas vezes a falta de audácia e vigor teorético: isto é, de visão e desempenho. O pensamento teológico está enraizado na novidade do evento cristológico, e por isso deve ter a parrésìa e a coragem do testemunho convicto e persuasivo da verdade sempre maior".
O vínculo com visões pré-concebidas e preconceituosas impede uma abordagem sincera e verdadeira às questões. Isso diz respeito principalmente à visão antropológica: “A antropologia teológica, como muitas vezes a representamos - não tenho medo de afirmar - deve ser em grande parte arquivada: certamente não na substância, mas na interpretação que é dada. Porque é abstrata e idealista. Apresenta uma visão do mundo e do homem de exculturação. É preciso revivê-la, repensá-la e repropô-la: certamente na fidelidade à inspiração evangélica e à tradição, mas, precisamente em virtude disso, capaz de se tornar apaixonante e historicamente significativa, ou seja, dizer o que é perene e imperdível na forma em que hoje é chamado a tomar forma. Jesus não promete: 'o Espírito vos guiará em toda a verdade' (João 16, 13)?" Coda "não tem medo" de afirmar que a antropologia teológica que propomos é muitas vezes um discurso ultrapassado, injusto, unilateral e de arquivo. Um trabalho de reconstrução de uma antropologia fiel ao percurso do homem na história na relação com Deus é uma tarefa urgente, que não se faz com sopas requentadas nem com construções autorreferenciais.
No âmbito de uma mais geral reconsideração da relação entre liberdade e graça, que empenha a teologia a um confronto aberto com a descoberta da dignidade do homem como imagem e semelhança de Deus na consciência e na história, desponta com força uma necessária reconsideração do masculino e do feminino como “formas” e “gêneros” do humano. “A própria sociologia induz a um repensamento de alguns axiomas que considerávamos imutáveis e que interferem na doutrina ética ensinada pela Igreja. O tema da relação homem/mulher é paradigmático.
Para usar uma expressão um pouco provocativa, acho que hoje, mais do que uma "questão feminina", nos encontramos diante de uma "questão masculina"! Refiro-me à perda da identidade do homem masculino, incapaz de se adaptar à emancipação irreversível - e abençoada! - do feminino. O homem estava acostumado a idealizar - e aprisionar - a mulher: nos papéis da mãe, da irmã, da esposa ou... da amante, e em todos os casos, muitas vezes, da serviçal. E ele administrava esses papéis. Mas não se relacionava com a mulher como amiga. Daí a necessidade de uma superação radical desses modelos preconceituosos, que invalidam em grande parte o discurso eclesial e magistral sobre o masculino e sobre o feminino: “Hoje a mulher finalmente se recusa a ser engaiolada dentro desse esquema redutivo e até distorcido, elaborado apenas por homens. E o homem não sabe mais por onde se virar. É necessário redescobrir e implementar a dimensão originária da reciprocidade. O que é algo mais e diferente da complementaridade. É um estado de crise, o atual, que afeta a opacidade e a indeterminação da identidade sexual. Recuperar o frescor e a alegria da reciprocidade de ambos os sexos, portanto, para recuperar a plenitude da pessoa na vivência de afeto, liberdade e solidariedade. Nosso atraso na leitura desse fenômeno é erroneamente atribuído à anacrônica fixidez de uma idealização da "sagrada família".
Essa renovação teológica investe necessariamente também o magistério, que deve ser realocado para o seu “terceiro” lugar: “Mas é preciso lembrar que a Dei Verbum no n. 8 coloca o magistério em terceiro lugar entre os fatores que dinamizam aquele caminho do Povo de Deus, que felizmente experimentamos hoje como caminho sinodal: o primeiro é o estudo da Palavra de Deus, ou seja, a sua compreensão na fé e na prática do ágape; o segundo é a experiência da vida de fé por meio do sensus fidei e os dons do Espírito Santo; o terceiro justamente é o magistério. Porque o magistério não faz senão receber, com o carisma de verdade e de orientação de que é dotado para servir, os frutos trazidos pela Palavra vivida no Espírito pelo Povo de Deus”.
Isso parece especialmente urgente precisamente naqueles âmbitos onde as evidências suspeitas de uma antropologia atrasada, e muitas vezes impostas apenas ex auctoritate, condicionam as formas sacramentais e morais da ação eclesial. O magistério sobre a "reserva masculina", aplicada com facilidade e sem confronto cultural ao ministério ordenado, ressente-se de maneira singularmente evidente por essa antropologia arcaica, injusta e sem respeito. Uma teologia corajosa e livre é o pedido mais urgente que tiro da leitura desta bela entrevista. Onde "livre" significa verdadeiramente fiel à inspiração da Palavra e ao dom do Espírito. Essas palavras me lembram um bom teólogo paduano que dizia há mais de 20 anos: "se um seminarista quer estudar liturgia, primeiro seja caminhoneiro por 10 anos". Justamente no para-choque de um caminhão li hoje: "Dinheiro e medo, nunca tive". É assim que se deveria soar um dos lemas decisivos também para uma boa teologia sinodal: uma teologia sem medo e sem ambições, livres para servir o caminho eclesial, à luz da Palavra de Deus e da experiência humana.
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Uma bela jogada do teólogo Piero Coda para a reforma da teologia. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU