"O Evangelho de hoje (Mt 16,13-19) destaca um episódio que ocupa um lugar central na vida de Jesus. Depois do êxito inicial do seu ministério ele experimenta a oposição dos líderes religiosos e políticos, e percebe que a multidão que o segue não entendeu quem ele é, nem qual sua proposta. Além disto, o Reino de Deus, tal qual ele o apresenta, não é compreendido nem mesmo por seus discípulos e discípulas. É, então, que Jesus dirige-lhes uma série de perguntas sobre Si próprio. Sua intenção é tornar as coisas mais claras para os discípulos e discípulas e confirmá-los na sua opção de segui-lo e de apostar no Reino."
A reflexão é de Sonia Cosentino, teóloga leiga. Ela possui graduação em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio (2005) e mestrado em teologia pela mesma instituição (2008).
1ª Leitura: At 12,1-11
Salmo: Sl 33(34),2-3.4-5.6-7.8-9 (R. 5)
2ª Leitura: 2Tm 4,6-8.17-18
Evangelho: Mt 16,13-19
A liturgia de hoje celebra a Solenidade de Pedro e Paulo e convida-nos a refletir sobre estes dois apóstolos considerando seus exemplos de fidelidade a Jesus Cristo e de testemunho do projeto libertador de Deus.
Entretanto, precisamos olhar para eles como pessoas incoerentes e contraditórias, como nós, cheios de dúvidas e ao mesmo tempo com fé inabalável, cheios de vícios e de virtudes, de pecados e de graça. Somente vendo-os assim é que podemos compreender a Igreja e viver em seu seio buscando aceitar-nos e aceitar nossos irmãos e irmãs de caminhada, com mais empatia, misericórdia e solidariedade.
Lancemos primeiro nosso olhar para Paulo, um dos pilares da Igreja.
Na Segunda Carta de Paulo a Timóteo (4,6-8.17-18) vamos encontrá-lo prisioneiro em Roma fazendo um balanço final da sua vida e da sua entrega ao serviço do Evangelho. A vida de Paulo foi, desde o seu encontro com Cristo Ressuscitado na estrada de Damasco, uma resposta generosa ao chamamento e um compromisso total com o Evangelho. Entretanto, não podemos esquecer que, antes deste encontro transformador, Paulo perseguiu duramente os cristãos e cristãs e aprovou a morte de Estêvão, o primeiro mártir cristão (At 7,58.8,1).
Olhemos agora para Pedro, o outro pilar da Igreja.
O Evangelho de hoje (Mt 16,13-19) destaca um episódio que ocupa um lugar central na vida de Jesus. Depois do êxito inicial do seu ministério ele experimenta a oposição dos líderes religiosos e políticos, e percebe que a multidão que o segue não entendeu quem ele é, nem qual sua proposta. Além disto, o Reino de Deus, tal qual ele o apresenta, não é compreendido nem mesmo por seus discípulos e discípulas. É, então, que Jesus dirige-lhes uma série de perguntas sobre Si próprio. Sua intenção é tornar as coisas mais claras para os discípulos e discípulas e confirmá-los na sua opção de segui-lo e de apostar no Reino.
A questão crucial de Jesus é a de saber se elas e eles estão entendendo seu Messianismo de Serviço. Por isso, os questiona, perguntando-lhes: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro então lhe diz: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Jesus percebe que essa resposta não é mérito de Pedro, mas um dom de Deus, pois não foram a carne e o sangue que revelaram isto a Pedro, mas sim o Pai que está nos céus.
Podemos corroborar que Pedro não havia compreendido que tipo de Messianismo era o de Jesus, ao olharmos a Paixão de Jesus e encontrarmos que Pedro nega-o por três vezes (Mc 14,66-72).
Assim como Paulo, Pedro é uma pessoa cheia de contradições, de defeitos e qualidades, de egoísmos e abertura ao próximo, muitas vezes acolhedor e em outras excludente, exatamente como nós. Apesar de tudo, são estes dois homens que a Igreja considera como seus pilares.
Aprofundando nossa reflexão com base numa grande teóloga.
Ao preparar essa reflexão, estive em contato com um texto de Ivone Gebara intitulado de “Sobre a rigidez que desconhece a fragilidade humana”, que me ajudou muito a pensar o sentido de ser Igreja e nas suas limitações humanas. Usarei alguns fragmentos de sua reflexão como possibilidade de amadurecimento sobre a liturgia de hoje. Nos diz Ivone Gebara:
“Não somos de uma cor só, mas de muitas cores misturadas que se sucedem ao longo de nossa curta ou longa vida. Somos emocionalmente inconstantes, intempestivos, arrogantes e até perversos. E, sabemos bem que nosso ‘direito’ público e nosso ‘avesso’ sombrio se sustentam mutuamente como um único tecido... Atire a primeira pedra quem nunca escorregou na corrida da vida!...”
“Voltar a admitir-nos frágeis, finitos, mentirosos, corruptos, interesseiros, ignorantes - todos/as nós - não seria uma solução definitiva, mas uma brecha importante de reconhecimento de nosso ser e da frágil solidariedade que devemos construir em nosso meio. Isto vale para as lutas sociais, para o feminismo, para o antirracismo, para os movimentos contra as guerras, para os movimentos ecológicos, para as religiões...”
Finalizando, deixo algumas questões para nossa reflexão a partir da Solenidade de Pedro e Paulo:
• Vivemos na Igreja tendo consciência de que somos uma comunidade diversa e plural, que pretende seguir Jesus muitas vezes cometendo erros e outras vezes acertos? Buscamos ocupar nosso lugar nela sabendo que desde o papa, até o menor de seus integrantes, somos todas e todos iguais em dignidade, exercendo funções diferentes, mas sempre exercendo-as como serviço e nunca como poder?
• Além disso, precisamos ter claro que ir à Igreja não é ser Igreja. Ir à Igreja, quando muito, é cumprir um preceito na busca de segurança e salvação, mas ser Igreja é, pelo menos, buscar seguir o caminho apontado por Jesus, caminho do amor concreto, da solidariedade e da inclusão de todo ser humano, que é filho/a amada de Deus, desde seu nascimento, com ou sem batismo.
• No entanto, muitas das Igrejas cristãs colocam pré-requisitos para que os fiéis possam fazer parte delas. Pergunto-me: estaria Pedro, aquele que nega o Mestre, dentro destes requisitos para ser aceito em muitas de nossas comunidades? O que dizer então de Paulo que testemunha o martírio e morte de Estêvão?
• Sabemos que Jesus, por opção, viveu e vive ao lado dos pobres, excluídos, esquecidos, marginalizados, e que ao ir ao Templo alerta seus frequentadores do perigo que se corre ali dentro. Então, porque nossas comunidades não estão de portas abertas para as pessoas empobrecidas, marginalizadas por sua condição social, por sua orientação sexual, por sua cor da pele, por sua etnia?
Que Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo nos ajude a SER IGREJA, libertando-nos dos preconceitos e da vaidade de nos acreditarmos perfeitos e, por isso, com o direito de selecionar pessoas para nossa comunidade eclesial!