Domingo de Pentecostes - Ano A - Subsídio exegético

26 Mai 2023

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF: Dr. Bruno Glaab, Me. Carlos Rodrigo Dutra, Dr. Humberto Maiztegui e Me. Rita de Cácia Ló. Edição: Dr. Vanildo Luiz Zugno.

Leituras do dia

Primeira Leitura: At 2,1-11
Segunda Leitura: 1 Cor 12,3b-7,12-13
Salmo: Sl 113,1ab.24ac,29bc-30.31-34.
Evangelho: Jo 20,19-23 

Evangelho

O Evangelho da “Comunidade do Discípulo Amado” vincula diretamente a recepção do Espírito a Jesus e à missão e ao perdão de pecados. Dentro do plano do Quarto Evangelho, a partir do capítulo 18 se aborda a morte e ressurreição de Jesus, ou, como alguns comentaristas chamam “O Grande Sinal” ou, a partir dos sinais narrados em 2 a 12, seria “O Sinal dos Sinais”. Lembremos que este Evangelho é escrito depois das pessoas cristãs começarem a ser expulsas das sinagogas (como é denunciado em 9,22;12,42; 16,2) e da grande perseguição que encarcerou lideranças e levou a escrita do livro de Apocalipse (cf. Ap 11,9).

O texto em si

O texto apresenta uma estrutura concêntrica (quiásmica) bastante evidente, onde a palavra estruturante é a “Paz” (que, embora dita em grego eirene, aponta para o sentido hebraico/aramaico de shalom), colocado em tensão dialética com o contexto de medo e perseguição.

v.19 No começo do dia da Ressurreição (cair da tarde do Sábado, quando começa o Domingo), os discípulos estavam reunidos de portas fechadas por medo das autoridades judaicas X Jesus vence o isolamento do medo e anuncia a Paz.

v. 20-22 Jesus mostra as marcas da sua morte na Cruz e é reconhecido como “Senhor” X Jesus anuncia a Paz, envia para a Missão de Deus (Missio Dei) e sopra (transmite) o Espírito Santo.

v.23 Perdoar os pecados X Reter os pecados.

O Espírito Santo (pneuma agion) que “expirado” por Jesus (enefusen, de emfusao), uma palavra grega é um hapax legomena, isto é, uma palavra que só aparece aqui em todo o Novo ou Primeiro Testamento, mas que aparece na versão grega do Antigo ou Segundo Testamento, para descrever a criação do ser humano (adam) a partir da terra-mãe (adamah) recebendo de Deus o “sopro de vida” (cf. Gn 2,7). Portanto, a vida do Ressuscitado, que traz a paz que vence o medo e o isolamento, a paz que mobiliza os discípulos como agentes de Deus na missão, é transmitida pelo sopro. Mas, essa paz não nega a tortura e a morte, pois são essas feridas que permitem que Jesus seja reconhecido como “Senhor” (v.20).

A Paz emerge da memória do sofrimento, da tortura e da morte, que não podem ser esquecidos, pois ali está aquilo que deve ser superado pela vida presente no Senhor Ressuscitado e na nova vida de missão através do Espírito Santo.

Então, chegado ao último versículo (v.23) lido à luz dos anteriores, é possível perceber que o “perdão” é a ação que se dá através do corpo dos discípulos vivificados pelo Espírito Santo, que flui do corpo do Senhor Crucificado/Ressuscitado, é para libertar outros corpos presos pelo isolamento provocado pelo medo da perseguição e da exclusão. Mas, também o perdão pode ser “retiro” (kratete), isto é, “segurado”, não “negado”, para quem promova a tortura, a morte e a exclusão. “Reter” ou “segurar na mão” é uma ação temporária, é uma oportunidade dessas pessoas refletirem e mudarem de atitude, não uma condenação.

Relacionando com as outras leituras

O sentido dado neste Evangelho à transmissão do Espírito Santo é bem diferente ao que é dado por Lucas em Atos. Lá é uma ação direta de Deus na comunidade de fé, aqui é uma extensão da vida do ressuscitado, do poder do ressuscitado e da missão no ressuscitado. Mas, em ambas narrativas, há a libertação do medo e do isolamento, e o oferecimento do perdão e da transformação para quem promove a morte e a exclusão. Já, em 1 Cor 12, o apóstolo Paulo amplia o sentido da corporeidade da Missão de Deus, pois, não apenas o Espírito Santo se incorpora em que o recebe (unindo-se ao Corpo de Jesus), mas transforma toda a Igreja neste Corpo que, na sua diversidade, faz possível realizar, com o fez em Cristo através do Pai, a vontade divina no mundo.

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