18 Abril 2023
"A quem possa discordar do caminho deste italiano tão brasileiro, tão irmão, seria muito importante ouvir a Comunidade Nossa Senhora dos Mártires, dentre outras, para sentir pulsar de amor o coração de Bruno Constanzo. Seria honrar a memória deste irmão, transformar toda a realidade da Paróquia, em dois meses, remodelando com algo nominado de 'novo'?", escreve Celso Pinto Carias, Doutor em Teologia pela PUC-Rio, instituição na qual atua como professor agregado, em carta aberta, 17-04-2023.
Escrevo esta carta ao longo do Tríduo Pascal de 2023 e desejo antes de tudo que sua leitura fosse entendida, se possível, como expressão de alguém que tem enorme gratidão pela Igreja Católica. Talvez eu possa ser visto dentro de alguma categoria conceitual na qual os acusadores, muitas vezes, não sabem com profundidade o seu significado, tipo “é comunista”. Mas escrevo para tentar ser um sussurro de pessoas que estão com o coração sangrando nesta Páscoa. Não tenho a mínima pretensão de pontificar certezas pastorais, mas de apresentar a dor de não ser escutado em tempos de processo sinodal.
Faço em caráter pessoal, pois uma carta coletiva poderia significar perseguição para as pessoas que viessem a assinar. Contudo, acredito que muitos/as assinariam e poderia trocar o “eu” pelo “nós”. Como tenho recursos da aposentadoria do INSS que garantem minha sobrevivência e a de minha família, não fico tão preocupado com uma possível demissão da PUC-Rio. E ainda que não tivesse, seria solidariamente socorrido por meus amigos e amigas. Assim, posso, sem medo e pavores, tornar-me porta-voz de tantos irmão e irmãs da Diocese de Nova Iguaçu que desde muito caminho lado a lado como Comunidades Eclesiais de Base. Aliás, minha experiência pastoral se dá pelas andanças nas diversas iniciativas pastorais e de encontros que vivi nesta Diocese Irmã. Sem contar que na minha atividade profissional docente contribuí por 12 anos para a formação de presbíteros através do Seminário Paulo VI, que reunia seminaristas de cinco dioceses do Regional.
Uso a mídia porque o contexto parece não ser favorável ao diálogo mais terno e pessoal. Espaços de diálogo como os Conselhos Pastorais com a participação diversificada de leigos e ministros ordenados foram praticamente mutilados, tornando-se agendas de meros informes com decisões de caráter “cumpra-se”. Isto, lamentavelmente, contradiz o próprio princípio canônico de que o discernimento pastoral é fruto do diálogo dos mais diversos protagonistas ou organizações do Povo de Deus. Aliás, o nosso amado Pastor Francisco tem nos alertado para que a Igreja não seja transformada em um parlamento e sim caminhar juntos, Sínodo, como irmãos e irmãs. Somos todos e todas sacerdotes, profetas e reis pelo Batismo, sacramento fundamental para que nos sintamos parte integrante da Igreja Povo de Deus. A Teologia do Batismo, o Concílio Vaticano II e a Lumen Gentium sobretudo, tem sido jogados na lixeira das vaidades e do poder sagrado clericalista, com exceções, graças a Deus.
Seria desprezível fazer tais considerações se minha vida como seguidor de Jesus Cristo na Igreja Católica não refletisse uma herança recebida de meus pais e a família que constituí nos últimos 34 anos. Tenho 61 anos, oriundo de uma família pobre, sendo o quarto de seis filhos. Fui batizado em Realengo/RJ, tendo recebido a Primeira Comunhão numa Comunidade deste mesmo bairro. Meu pai e minha mãe, católicos fervorosos, serviram à Igreja até o final de suas vidas. Sendo de família pobre, recebi, como herança digna de meus pais, a humildade, a fé e uma âmbula do serviço como Ministro da Eucaristia que meu pai exercia com muito amor e fidelidade. Minha mãe foi uma servidora do altar e zeladora da fé de seus filhos, falecidos aos 54 e 62 anos, respectivamente.
Ingressei no seminário e permaneci por cinco anos. Matrimonialmente, constituí com minha esposa uma família com dois filhos e agora uma nora e uma neta. Sirvo à Igreja pela minha formação doutoral de Teologia, onde contribuí, como já citei, com a formação de vários ministros ordenados. O Regional Leste 1 da CNBB no Estado do Rio de Janeiro, e de forma mais orgânica a Diocese de Duque de Caxias, sempre foram o meu lugar. Nos últimos anos, também venho atuando como assessor nacional das CEBs, inclusive o Setor CEBs da CNBB.
Esta breve ou talvez longa introdução foi para me dirigir a Dom Gilson, Bispo da Diocese de Nova Iguaçu, como alguém que pisa neste chão faz tempo onde, repito, estive presente por muitas vezes, ao lado de tantos presbíteros e leigos e leigas, celebrando a fé e animando a caminhada através da formação de lideranças. Dirijo-me, de forma representativa, pelas lideranças que por longos anos foram pastoreadas por Pe. Bruno, presbítero, pastor, pai para este Povo de Deus na Paróquia São Simão a quem, que por tanto amor, dedicam uma imensa saudade, falecido em 08 de novembro de 2022.
No último mês de fevereiro, outros dois presbíteros foram empossados para esta Paróquia, sendo a um deles confiada a missão de Pároco. Devoto profundo respeito ao bispo com crédito a alguém que busca cumprir com zelo e retidão seu múnus apostólico. Mas não há como se calar diante de um caminho tão bem alicerçado por Pe. Bruno. Certamente, não houve difamação do trabalho dele ou se sua pessoa, mas quando em um curto período de tempo, tudo o que ele fez vai sendo desmontado há de se concluir um desrespeito.
Contudo, com muita clareza e atenção, digo que o valor dado às pessoas que deram a vida pela missão de evangelizar, com destaque primeiro a Pe. Bruno e outros tantos que Brasil afora tem colocado em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, tendo como linha mestra a opção preferencial pelos pobres (agora excluídos e marginalizados) não tem sido observada em algumas escolhas. Tais substituições, por vezes, buscam trocar o modelo de ação pastoral, sem respeitar o processo anterior, como se tal processo fosse demoníaco.
Ainda que alguém queira questionar a escolha pastoral de um ministro do Senhor como Bruno, a quem conheci de perto e que foi um dos nomes indicados para a sucessão de Dom Mauro Morelli em Duque de Caxias, a fraternidade exige o respeito ao processo histórico de pessoas que dedicaram suas vidas à causa do Evangelho. A comunhão perseguida por Pe. Bruno à Igreja Latino-Americana, por Conferências como a de Aparecida e à CNBB na perspectiva do Concílio Vaticano II, fez de sua missão reconhecida por muitos daqueles que o conheceram e beberam de sua fonte.
Sua visão acolhedora aos leigos e leigas, o respeito ecumênico às outras igrejas e, principalmente, sua solidariedade e carinho aos mais sofridos, desprovidos daquilo que é tão necessário à sua sobrevivência digna, sempre estiveram presentes em suas orações e ações como pastor e ser humano. A quem possa discordar do caminho deste italiano tão brasileiro, tão irmão, seria muito importante ouvir a Comunidade Nossa Senhora dos Mártires, dentre outras, para sentir pulsar de amor o coração de Bruno Constanzo.
Seria honrar a memória deste irmão, transformar toda a realidade da Paróquia, em dois meses, remodelando com algo nominado de “novo”? A busca por dinheiro através dos fiéis, para reforma da casa paroquial, quando boa parte destes mesmos fiéis vivem em moradias pequenas e que acolhe quase uma dezena de pessoas. Belford Roxo, cidade onde fica a paróquia, é uma cidade pauperizada, sem estruturas públicas, saneamento básico e urbanização, com inúmeros desempregados, biscateiros, mães solteiras e abandonadas, crianças sem futuro, jovens sem caminho. Acaso esses teriam mais do que a metade do salário mínimo vigente para ingressar num circuito turístico para bancar a reforma da casa paroquial? Penso que o pedido foi feito ao público errado ou no mínimo na ocasião errada.
Seria o “Cerco de Jericó” e outras propostas pastorais fundadas num Movimento “novo” a ser imposto ao povo? E, liturgicamente, há possibilidade de Missas de Cura? Precisamos competir com as práticas, orações e cânticos das Igrejas Evangélicas Pentecostais promovidas por padres que naturalmente não descobriram o sentido de ser e a caminhada de “sua Paróquia”?
A busca pelo sucesso de um templo cheio, com fortes apelos de práticas emocionais, contradiz a proposta de uma Igreja em saída. O superficialismo é um caminho danoso, mas parece que alguns se incomodam com uma Igreja Católica minoritária e sem condições de oferecer privilégios.
O número 20 da Evangelli Nuntiandi nos recorda o caminho a ser seguido para chegarmos às raízes da realidade cultural, ou seja, evangelizar não é passar um verniz superficial. Enfim, espero que esta carta não seja vista, por aqueles que insistem em práticas pastorais carcomidas, um alarido de “viúvas” deste ou daquele padre ou bispo, como temos escutado. É preciso buscar o caminho para os desafios atuais. O laicato ajudaria bastante com práticas de compaixão, solidariedade, partilha e igualdade para todos.
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Carta a dom Gilson Andrade e aos bispos do Leste 1, quiçá do Brasil (em memória do Pe. Bruno Costanzo) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU