17 Abril 2023
“O primeiro ataque violento à nossa existência foi a chegada dos não indígenas e das não indígenas dentro dos nossos territórios, não respeitando esse espaço enquanto corpo de conhecimento, de múltiplas práticas e vivências”. A denúncia consta no Caderno da Semana dos Povos Indígenas 2023, que destaca a ancestralidade e a potência dos corpos-territórios das mulheres indígenas. O caderno foi elaborado pelas antropólogas Braulina Baniwa, do bioma Amazônia, e Joziléia Kaingang, do bioma Mata Atlântica, mais a especialista em saúde indígena Giovana Mandulão, do povo Macuxi/Wapichana do Estado de Roraima, todas integrantes da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista, 17-04-2023.
O material, que conta com o apoio da Fundação Luterana de Diaconia, é dirigido a profissionais da educação, professores e professoras, no intuito de que consigam combater os preconceitos sobre os povos indígenas em seus espaços de atuação. “O contato com essa violência – afirmam as mulheres indígenas – aconteceu sob os diferentes formatos e pretextos, seja com a mentira de ‘salvação da alma’ que nos discriminou de forma silenciosa, até deixar de falar as línguas indígenas nesse processo”. A educação aos moldes oficiais, voltada “para todas e todos”, um sistema que é para indígenas e não indígenas, “silencia e inviabiliza as culturas dos povos indígenas e de outras populações. “Na proposta da educação oficial tem que caber a educação específica e diferenciada”, onde a ciência e a pedagogia indígenas têm que ter lugar, assim como os costumes, a cultura, a identidade, e as línguas que formam o corpo-território dos indígenas, definem.
Quando mulheres indígenas falam do “nosso corpo-território indígena” elas vão além do que se entende por corpo físico. “Nós, mulheres indígenas, nascemos em um lugar que se constrói a partir de um ambiente, de um bioma. Então, quando falamos de corpo-território, estamos falando que nós carregamos heranças ancestrais, que carregamos heranças espirituais nos nossos corpos e, além das heranças, carregamos a sabedoria dos nossos povos”, explicam Braulina, Joziléia e Giovana. Daí a denúncia da interferência de outras práticas religiosas, um desrespeito às práticas de espiritualidade de comunidades indígenas. “A imposição de igrejas cristãs, que muitas vezes se dizem ‘salvadoras de almas’, silenciaram nossas práticas, nossos conhecimentos. Instituições religiosas que adentaram em nossos espaços com intuito de evangelização acabam, muitas vezes, ferindo nosso corpo-território e nossa ancestralidade”, apontam.
Elas admitem que em alguns momentos povos indígenas foram inocentes e silenciados nesses contatos com outras religiões, que acabaram praticando essa religiosidade e deixando a sua de lado. Reconhecem, contudo, que em alguns contextos essa foi também uma prática de sobrevivência. “A intolerância religiosa tem sido uma violência constante em muitos corpos-territórios, como no caso do povo Guarani e Kaiowá, que tem suas casas de reza atacadas e queimadas”, arrolam. Assim, pensar o corpo-território indígena não se limita a um espaço livre e saudável, mas envolve também a espiritualidade. “Entendemos a espiritualidade como as nossas águas que correm em nossos territórios”, como “parte que nos compõem enquanto seres humanos e também de seres não humanos”. Elas destacam que a espiritualidade “está em tudo, está além de um discurso”, ela é “feita de nossa ancestralidade”.
Com a sabedoria e o ensinamento das pessoas mais velhas as comunidades indígenas fortalecem a aprendizagem das crianças, e com as crianças, “que também ensinam”. “Quando nascemos, já fazemos parte de um coletivo, nascemos numa comunidade e é a partir dali que vamos nos formando”, explicam. O corpo indígena, reafirmam as autoras, “é político e ele não está separado do nosso território. Então, quando lutamos pela demarcação de terras, estamos também lutando pela continuidade da nossa existência enquanto corpo indígena daquele território”. Elas reivindicam terra demarcada, rio sem garimpo, comida sem agrotóxicos e ter corpos-territórios respeitados em sua diversidade, “sem assédio e sem violência doméstica”. Por isso, para dar continuidade a essa luta, está sendo organizada, para setembro, a Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília.
A Semana dos Povos Indígenas vai de 16 a 22 de abril. O caderno está disponível neste link.
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O corpo indígena é “político” e não está afastado de territórios, explicam militantes da Anmiga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU