10 Abril 2023
Os numerosos espíritos xapiri são fortes e sustentam o céu, nem eles, porém, serão capazes de evitar a “queda do céu” se o povo da mercadoria continuar destruindo suas moradas. A advertência é do líder xamã Davi Kopenawa.
O artigo é de Cesar Sanson, professor de Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
A Páscoa fala da redenção da vida. A vida, entretanto, como diz Boff está ameaçada pelas crises que assolam a humanidade. Entre as principais ameaças está a “queda do céu” profetizada pelo xamã Davi Kopenawa que nada mais é que a destruição da Terra e todas as suas formas de vida levada a cabo pelo “povo da mercadoria”.
Davi Kopenawa carrega em seu nome, um nome cristão e um nome indígena. Davi “foram os brancos que me nomearam”, conta ele falando de uma missão de catequizadores do povo de Teosi que chegando a sua aldeia lhe deram um nome cristão. Kopenawa é o nome que gosta, “esse é um verdadeiro nome yanomami, foram os xapiri que quiseram me nomear, deram-me esse nome em razão da fúria que havia em mim para enfrentar os brancos”. A fúria de Kopenawa é a fúria dos xapiri, os espíritos da floresta que moram nos topos das montanhas, nos rios, nas águas, no vento que sopra, nos animais. Destruídas a sua morada se voltarão contra as cidades e então a ‘queda do céu’ será iminente.
Davi Kopenawa em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert na imponente obra A Queda do Céu, identificada pelo antropólogo José Antonio Kelly Luciani como um dos grandes livros de nosso tempo, nos fala dos brancos e a sua vida sem sentido, orientada pela compulsão do consumo e consequente destruição da vida.
Diz Kopenawa:
“Para os habitantes da floresta, as cidades dos brancos são empesteadas por um cheiro ruim de queimado e de epidemia xawara. Lá as pessoas trabalham em estado de fantasma e não param de engolir o vento das fumaças das fábricas e das máquinas. Elas entram no nariz, na boca e nos olhos; colam nos cabelos de todos. Assim seu peito fica enegrecido” [1].
“A vida dos brancos que se agitam assim o dia todo como formigas xiri na parece triste. Eles estão sempre impacientes e temerosos de não chegar a tempo a seus empregos ou de serem despedidos. Quase não dormem e correm sonolentos durante o dia todo. Só falam de trabalho e do dinheiro que lhes falta. Vivem sem alegria e envelhecem depressa, sempre atarefados, com o pensamento vazio e sempre desejando adquirir novas mercadorias. Então, quando seus cabelos ficam brancos, eles se vão e o trabalho, que não morre nunca, sobrevive sempre a todos. Depois, seus filhos e netos continuam fazendo a mesma coisa” [2].
Kopenawa manifesta sua incompreensão e estranhamento com os brancos e sua paixão pelas mercadorias:
“Os brancos são gente diferente de nós. Devem se achar muito espertos porque sabem fabricar multidões de coisas sem parar. Cansaram de andar e, para ir mais depressa, inventaram a bicicleta. Depois acharam que ainda era lento demais. Então inventaram a moto e depois os carros. Aí acharam que ainda não estava tão rápido o bastante e inventaram o avião. Agora eles têm muitas e muitas máquinas e fábricas. Mas isso não é o bastante para eles. Seu pensamento está concentrado em seus objetos o tempo todo. Não param de fabricar e sempre querem coisas novas. Temo que sua excitação pela mercadoria não tenha fim e eles acabem enredados nelas até o caos” [3].
“São de fato apaixonadas por elas [mercadorias]! Dormem pensando nelas, como quem dorme com a lembrança saudosa de uma bela mulher. Elas ocupam sue pensamento por muito tempo, até vir o sono. E depois ainda sonham com o seu carro, sua casa, seu dinheiro e todos os seus outros bens – os que já possuem e os que desejam possuir. Assim é. As mercadorias deixam os brancos eufóricos e esfumaçam todo o resto em suas mentes” [4].
“Os brancos costumam empilhar seus bens de modo mesquinho e guardá-los trancados. Por sinal, sempre levam com eles muitas chaves, que são as das casas em que escondem seus pertences. Vivem com medo de ser roubados. E, ao final, só os dão com muita má vontade, ou sobretudo os trocam por peles de papel que também acumulam, pensando em se tornar grandes homens. Devem pensar, com satisfação: ‘Faço parte do povo da mercadoria e das fábricas! Só eu possuo todas essas coisas! Sou inteligente! Sou um homem importante, sou rico!’” [5].
A fala de Kopenawa é acompanhada pela voz de Boff para quem o espírito da Páscoa, a redenção do humano, está ameaçado pela crescente perda do espírito que pertencemos a um todo maior, terrenal e cósmico. Esta vida do espírito, diz o teólogo, vem soterrada pela vontade irrefreável de acumulação de bens materiais, pelo consumismo, pelo egoísmo e pela falta profunda de solidariedade.
1 – KOPENAWA, Davi. ALBERT, Bruce. A Queda do Céu. Palavras de uma xamã yanomami. Companhia das Letras, São Paulo, 2015, p. 436.
2 – Id ib., p. 436.
3 – Id ib., p. 418-19.
4 – Id ib., p. 413.
5 – Id ib., p. 419.
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A Páscoa e a profecia do xamã Davi Kopenawa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU