25 Fevereiro 2023
A humanidade é capaz de se unir contra as forças naturais que a ameaçam e, ao mesmo tempo, está muito pronta para se matar pela vontade de poder de seus próprios soberanos.
O comentário é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado no caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 24-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No magnífico Museu Arqueológico de Istambul, destaca-se este maravilhoso sarcófago helenístico, encontrado em 1887 na necrópole real de Sidon (no atual Líbano) e levado à capital do então Império Otomano, segundo a prática do colonialismo do patrimônio cultural típico de todos os poderes centrais.
Sarcófago de Alexandre (detalhe), ca. 356-323 a.C., mármore pintado, Museu Arqueológico de Istambul
Nele estava enterrado um rei fenício (talvez Abdalônimo), do fim do século IV a.C., que recorreu a escultores gregos imbuídos do estilo oficial da corte macedônia de Alexandre Magno. O resultado é uma verdadeira obra-prima, que nos lembra alguns dos ápices da escultura da Idade Moderna.
No detalhe, vemos o próprio Alexandre, tornado único pela leontè (a pele de leão) que cobre sua cabeça à maneira de Hércules, que se cingiu com os restos mortais do leão de Nemeia derrotado e morto.
O soberano é representado em batalha, montado em seu famoso cavalo Bucéfalo, enquanto atinge com uma lança um soldado persa, bem reconhecível pelos típicos calções, que os gregos não usavam.
Estamos evidentemente no meio da ação de uma das batalhas que viram Alexandre conquistar o Império Persa, uma campanha que culminou justamente nos lugares hoje devastados pelo terremoto que abalou a Turquia oriental e a Síria: a Iskenderun turca, do qual lemos nas tristes crônicas destes dias, é a Alexandreta fundada por Alexandre após a vitória sobre Dário em Issus, em 333 a.C.
O que chama a atenção não é apenas a força da escultura, que milagrosamente ainda conserva traços de cromia, mas sim a escolha de representar, do outro lado do sarcófago, não um segundo episódio de guerra, mas uma caça ao leão e ao cervo, na qual gregos e persas participam juntos, colaborando.
A singular duplicidade do sarcófago narra uma humanidade capaz de se unir contra as forças naturais que a ameaçam e, ao mesmo tempo, muito pronta para se matar pela vontade de poder de seus próprios soberanos.
Pois bem, não é exatamente essa a história de hoje? Por mais fúria que tenha tido, o terrível terremoto turco-sírio não conseguiu provocar nem mesmo a metade dos mortos causados pela invasão da Ucrânia por parte de Putin e pela escolha do Ocidente de buscar a vitória, e não a paz.
Porém, diante do terremoto, todos os atores da guerra se uniram em uma única solidariedade humana. Uma contradição estridente, absurda, atroz: que nem mesmo depois dessa teoria de séculos aprendemos a resolver. Sempre somos muito melhores em nos matarmos por conta própria.
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Conflitos de interesse. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU