15 Dezembro 2022
"As duas coisas não se misturam. A gestão da Coisa pública deve lidar com a complexidade das crenças, respeitá-las e defendê-las. Mas ai dela se, em nome da superioridade de uma fé sobre todas as outras, pretende impor uma visão do mundo que se vale do absoluto. A política não pode governar em nome do absoluto, a religião sim. Portanto, a sabedoria e o bom senso entendem que, para a paz da convivência civil e democrática, a fé e o governo de um país devem estar sempre rigorosamente separados", escreve Dacia Maraini, escritora italiana, em artigo publicado por La Stampa, 13-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O auge do horror foi atingido pela tortura e morte de Mahsa Amini. O que se pode esperar do regime dos fanáticos mulás que estão usando o terrorismo institucional para silenciar quem protesta pela liberdade? O terror continua hoje com Fahimeh Karimi, uma jovem iraniana, treinadora de vôlei, mãe de três filhos, presa nas rígidas prisões de seu país com a acusação de ter chutado um paramilitar em uma manifestação de rua. Ela corre o risco de receber centenas de chicotadas, e se a sentença sem processo prosseguir com esse crescendo de raiva, ela corre o risco de pena de morte.
Cabe se perguntar atônitos, espantados, escandalizados, amargurados, horrorizados: mas o que lhes faz ter tanto medo das mulheres? Seus cabelos? Seu corpo? Sua palavra? Sua inteligência? É difícil entender tanto medo, mas certamente não honra a sagacidade eclesial. Se uma mecha de cabelo saindo do véu pode suscitar tanta violência, significa que o homem é considerado incapaz de se governar e se controlar. Mas realmente se acredita que o mundo masculino, para vencer e dominar, precisa cancelar o corpo feminino como se fosse a personificação do mal? Temos certeza de que o amoroso, justo e maravilhoso Deus dos céus seria tão punitivo com suas filhas?
Ou se acredita que as mulheres não são corpos criados pelo Pai Eterno, mas habitantes perniciosas de algum obscuro reino do submundo? A voz do conhecimento histórico me adverte: olha que a misoginia existe há milênios e o mundo cristão compartilhou as mesmas idiossincrasias, o mesmo ódio de gênero, o mesmo desejo de se abater contra o corpo feminino considerado perigoso e desprezível.
Basta pensar na caça às bruxas, uma prática que durou séculos e levou à morte milhões de mulheres inocentes. Mulheres que eram torturadas para que admitissem negociar com o demônio. As torturas eram tão atrozes que no final todas confessavam. Uma vez confessado, os inquisidores, felizes, as enviaram para a fogueira. Se admitiram ter acordo com o inimigo, é lícito, aliás, obrigatório, puni-las severamente!
Os horrores que foram cometidos em nome de Deus são inumeráveis e sempre imaginativos. A crueldade é inventiva e sempre encontra uma nova maneira de satisfazer aquela libido que o Marquês de Sade conhecia bem e que recebeu seu nome. A história humana, infelizmente, tende a se repetir. Evolui apenas quando a imaginação e a consciência se desenvolvem. Quando se sai do fanatismo egoísta e se passa a entender a dor do outro. O outro, não como estranho, mas como uma parte de si mesmo. A religião, belíssimo sentimento de amor, nunca deveria se identificar com o poder.
As duas coisas não se misturam. A gestão da Coisa pública deve lidar com a complexidade das crenças, respeitá-las e defendê-las. Mas ai dela se, em nome da superioridade de uma fé sobre todas as outras, pretende impor uma visão do mundo que se vale do absoluto. A política não pode governar em nome do absoluto, a religião sim. Portanto, a sabedoria e o bom senso entendem que, para a paz da convivência civil e democrática, a fé e o governo de um país devem estar sempre rigorosamente separados.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Irã. Quando os aiatolás têm pavor de nós, mulheres. Artigo de Dacia Maraini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU