14 Novembro 2022
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) publicou o relatório “Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil”, alertando que crianças e adolescentes são os que mais sofrem com as mudanças climáticas e precisam ser prioridade.
O relatório mostra que 40 milhões de meninas e meninos brasileiros já estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental e aponta os impactos da crise climática na garantia de direitos das futuras gerações.
Além disso, o relatório revela que mais de dois milhões de pessoas foram mortas, desapareceram, ficaram feridas, enfermas, desabrigadas ou desalojadas diretamente por desastres ambientais em 2021 no Brasil.
A reportagem é publicada por Ecodebate, 11-11-2022.
Na semana em que líderes mundiais se reúnem para a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), no Egito, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) faz um alerta: crianças e adolescentes são os mais impactados pelas mudanças climáticas, e precisam ser priorizados. No Brasil, 40 milhões de meninas e meninos estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental (60% do total) e as mudanças climáticas comprometem a garantia de direitos fundamentais. É o que revela o relatório “Crianças, Adolescentes e Mudanças Climáticas no Brasil”, lançado pelo UNICEF nesta quarta-feira (9).
O relatório chama a atenção para a urgência de priorizar crianças e adolescentes nos debates e políticas voltadas ao enfrentamento das mudanças climáticas. A crise climática impacta desde a frequência de chuvas até a amplitude térmica e as ondas de calor; da quantidade e da intensidade de eventos extremos, como ciclones e queimadas, até o prolongamento de secas extremas. Todos esses fenômenos afetam a vida humana de diversas formas, colocando em risco o bem-estar, o desenvolvimento e a própria sobrevivência de pessoas em todo o planeta.
“Mudanças climáticas e degradação ambiental enfraquecem os direitos de crianças e adolescentes”, explica a representante interina do UNICEF no Brasil, Paola Babos. “Eles são os menos responsáveis pelas mudanças climáticas, mas suportarão o maior fardo de seu impacto. Por estarem em uma fase mais sensível de desenvolvimento, meninas e meninos são os mais prejudicados diretamente. Além disso, serviços, políticas e instituições que atendem às necessidades deles e de suas famílias são comprometidos pela crise climática”.
Os efeitos dessa crise afetam desproporcionalmente crianças e adolescentes que vivem em situação de maior vulnerabilidade, já privados de outros direitos – principalmente negros, indígenas, quilombolas, e pertencentes a outros povos e comunidades tradicionais; migrantes e/ou refugiados; crianças e adolescentes com deficiência; além de meninas. Apesar disso, o relatório aponta para o fato de que a maioria das políticas públicas e dos planos nacionais referentes ao clima e ao meio ambiente mencionarem pouco ou ignorarem completamente as vulnerabilidades específicas de crianças e adolescentes, em geral, e desses grupos mais vulneráveis, em particular.
Entendendo esse cenário, o relatório apresenta o impacto que as mudanças climáticas e a degradação ambiental podem ter sobre direitos de crianças e adolescentes no Brasil, e os caminhos para reverter esse quadro.
As consequências para a saúde causadas pelos desastres, pela degradação ambiental e pelo clima alterado podem ser graves a curto, médio e longo prazos. O estudo cita como exemplo a poluição do ar que está diretamente associada às mudanças climáticas e que no Brasil é agravada pelas queimadas e pela queima de combustíveis fósseis em áreas urbanas, impactando na expectativa de vida da população.
Aproximadamente dois em cada cinco brasileiros estão expostos a concentrações de PM2.5 (poluição do ar externa) acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No caso de crianças e adolescentes, esse número aumenta para três em cada cinco.
Em crianças, a exposição a poluentes em altas concentrações e/ou por longos períodos pode afetar o cérebro, causando atrasos no desenvolvimento, problemas de comportamento e até mesmo de desenvolvimento intelectual. Em ambientes poluídos, os pulmões de crianças não se desenvolvem completamente, e o sistema imunológico fica fragilizado em função da exposição ao ar poluído. Infecções respiratórias, que já são comuns em crianças, ficam mais severas e mais frequentes em ambientes poluídos.
Outro exemplo citado no estudo é o aumento do risco de transmissão de doenças como malária, febre amarela e dengue no Brasil com as mudanças nos padrões de chuva e temperatura; a grande maioria das vítimas letais dessas doenças são crianças pequenas.
Ainda na área de saúde, a insegurança alimentar também tem relação com as mudanças climáticas. No Brasil, 80% dos alimentos que são consumidos pelas pessoas que vivem na pobreza são produzidos pela agricultura familiar, em pequenas propriedades rurais. É justamente o modo de produção mais ameaçado pela crise climática, e com menos recursos financeiros e técnicos para se adaptar a mudanças no padrão de chuvas e nas temperaturas médias.
Além disso, o relatório revela que mais de dois milhões de pessoas foram mortas, desapareceram, ficaram feridas, enfermas, desabrigadas ou desalojadas diretamente por desastres ambientais em 2021 no Brasil.
Localidades onde acontecem desastres naturais frequentemente têm escolas afetadas, agravando as dificuldades de acesso e permanência escolar de crianças e adolescentes, levando ao aumento da evasão e à dificuldade de manter em funcionamento os serviços e equipamentos escolares.
O relatório cita um estudo acerca das áreas de risco de desastres no Brasil que revela que 721 escolas estão em áreas de risco hidrológico, das quais 525 são escolas públicas; e 1.714 escolas estão localizadas em áreas de risco geológico, sendo que 1.265 são escolas públicas. Considerando apenas os 957 municípios monitorados pelo estudo, os dados indicam que mais de três milhões de pessoas frequentam equipamentos escolares em áreas de risco.
Além disso, em geral, quando não têm suas estruturas afetadas, as unidades escolares são transformadas em ponto de acolhimento coletivo em comunidades que vivenciam desastres em grandes proporções, uma tendência que coloca dificuldades para o pronto retorno das atividades educacionais.
Em situações de grandes desastres naturais, as pessoas ficam em situações de vulnerabilidade e incertezas, o que potencializa o risco de violências físicas, morais e sexuais para crianças. Espaços de acolhimento temporário podem ser especialmente arriscados se medidas de prevenção não forem pensadas na organização da resposta.
O relatório também cita que, em regiões onde há pressões ambientais e econômicas e do crime organizado, o risco de exploração sexual de meninas e mulheres é potencializado. Em 2019, as taxas mais altas de meninas de até 14 anos grávidas no país foram registradas em cinco estados da Amazônia Legal (Roraima, Amazonas, Acre, Pará e Amapá) – e nesses casos há violência presumida.
No Brasil, cerca de 15 milhões de pessoas vivem em áreas urbanas sem acesso à água segura; em áreas rurais, outros 25 milhões de pessoas têm acesso apenas a níveis básicos de segurança na água, e para 2,3 milhões de pessoas, a água disponível para beber e para higiene pessoal não tem qualquer tratamento.
Segundo o Censo Escolar (Inep, 2019), 26% das escolas públicas brasileiras não têm acesso ao abastecimento público de água, e quase 50% não têm acesso à rede pública de esgoto.
Períodos de secas prolongadas e enchentes afetam diretamente a captação e o fornecimento de água, provocando interrupções e falhas na prestação dos serviços, podendo afetar também a qualidade e aumentar a incidência de doenças transmitidas pela água.
No Brasil, a probabilidade de uma criança ou adolescente viver na pobreza é duas vezes maior do que a de um adulto. Sendo assim, os impactos das mudanças climáticas na população mais pobre recaem de maneira mais intensa sobre crianças e adolescentes.
As famílias mais pobres têm menos recursos para realocar-se ou adaptar-se a mudanças no clima; vivem em áreas geograficamente mais expostas a desastres; sofrem primeiro, e mais intensamente, as crises causadas por choques socioambientais e suas consequências econômicas secundárias.
São os mais pobres que têm maior probabilidade de viver sem acesso à moradia adequada, água limpa ou esgoto tratado; são os mais pobres que vivem expostos aos maiores índices de violência.
Quando a temperatura sobe e as ondas de calor criam ambientes insalubres para a saúde humana, são as famílias mais pobres que não têm acesso à ventilação apropriada, muito menos a aparelhos de ar-condicionado. Quando o rio enche até níveis inéditos, são as comunidades pobres em casas nas palafitas que submergem. Quando a seca quebra a produção da agricultura familiar, são as famílias pobres nas zonas rurais – as famílias dos próprios agricultores familiares – que ficam sem acesso a verduras e grãos a preços que podem pagar.
As pressões climáticas ou de desastres ambientais tendem a agravar situações de crianças e adolescentes que vivem em contextos de vulnerabilidade social e negligência, podendo levar à ruptura dos seus vínculos protetivos e à violação dos seus direitos.
As mudanças climáticas acendem alerta urgente: já temos um problema e ele pode ficar muito maior. Precisamos lidar com ele agora e mitigar os impactos futuros, diminuir a poluição e promover a adaptação às mudanças já inevitáveis. Com base nessa análise, o relatório do UNICEF apresenta uma lista de recomendações para que crianças e adolescentes sejam prioridade absoluta na pauta climática e para que hoje, e no futuro, não tenham que crescer privados da plena realização dos seus direitos:
→ Defender e fortalecer as instituições e a legislação responsáveis pela garantia de preservação e pelo enfrentamento da degradação do meio ambiente, garantindo o alcance das metas de redução de emissões.
→ Garantir financiamento e recursos para a execução de políticas e projetos climáticos sensíveis aos direitos de crianças, adolescentes e jovens.
→ Desenvolver estratégias que considerem os riscos e potenciais específicos de crianças, adolescentes e jovens indígenas e de outras comunidades tradicionais, negros e meninas.
→ Criar espaços, assegurar e estimular a participação segura – e a representatividade – de crianças, adolescentes e jovens nas esferas de debate, decisão e implementação de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente e à crise climática.
→ Priorizar investimento em educação e desenvolvimento de competências de crianças, adolescentes e jovens sobre o meio ambiente, as mudanças climáticas e as habilidades ecológicas, capacitando-os para enfrentar a crise climática e participar da crescente economia verde e azul.
→ Adaptar os serviços públicos que atendem crianças e adolescentes com base nos cenários de vulnerabilidade e risco de desastres, e nas possibilidades de mudanças de longo prazo nas temperaturas, no padrão de chuvas e estiagens. Garantir a infraestrutura de escolas e hospitais, para assegurar o bem-estar dos usuários e a continuidade dos serviços essenciais.
→ Engajar o setor produtivo em defesa da adoção de medidas de preservação ambiental e de manejo sustentável das cadeias de produção e transporte.
→ Estimular investimentos e outras medidas que promovam e acelerem a transição para uma economia verde, abrindo oportunidades de inclusão socioprodutiva de adolescentes e jovens.
As recomendações devem ser colocadas em prática, priorizando sempre grupos mais vulneráveis no que ser refere à idade, gênero, raça e etnia, renda, deficiência e situação migratória.
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40 milhões de crianças brasileiras já estão expostas a mais de um risco climático - Instituto Humanitas Unisinos - IHU