09 Novembro 2022
No Bahrein, para concluir o Fórum Bahrein para o diálogo, o Papa Francisco reiterou sua noção de uma Igreja e um povo que se engaja no diálogo e na resiliência e que se opõe aos “poderosos que cuidam de seus próprios interesses”.
A reportagem é de Andrea Gagliarducci, publicada por Monday Vatican, 07-11-20202.
O tema dos poderosos e o das elites são temas centrais na pregação do Papa Francisco. Ao visitar a Universidade de Roma Tre em 2017, o Papa Francisco apontou o dedo para a chamada educação de elite, em vez de defender a educação popular. E também, o Pacto Educacional Global lançado pelo Papa às vésperas da pandemia visa, afinal, criar novos caminhos educacionais.
O mundo do Papa Francisco parece ser muito claro: por um lado, estão os poderosos, os que decidem; por outro lado, há o povo, chamado a resistir, a tornar-se um grupo, a criar o antídoto para o bem de poucos e fazer o bem a todos. E mais uma vez: de um lado estão as elites, que se fecham, que perpetuam seu poder, e que distanciam os pobres, mal educados, fora dos circuitos decisórios, marginalizados até no acesso aos recursos.
O que o Papa Francisco apresenta em seus discursos parece ser uma gigantesca luta de classes na qual a Igreja está obviamente do lado dos pobres. O próprio Bergoglio, durante a ditadura argentina, disse que alguns princípios da Doutrina Social da Igreja poderiam facilmente parecer leninistas ou trotskistas. No entanto, eles eram os princípios dos Padres da Igreja.
A visão de mundo do Papa Francisco, no entanto, parece ser uma mudança de paradigma fundamental na história da Igreja Católica. A razão é diferente do que você imagina.
Ao longo de sua história, a Igreja sempre defendeu os pobres, os órfãos e as viúvas (essas são as categorias bíblicas) com base em que somos todos irmãos e todos filhos do mesmo pai. No entanto, havia outro princípio orientador dado pelo próprio Evangelho: “dar a César o que é de César”.
Em outras palavras, a Igreja não visa uma transformação política da sociedade. Em vez disso, ela aponta para a conversão dos corações e a partir dessa conversão para criar uma sociedade mais justa, mais adequada a Deus, mais fundada no desenvolvimento humano integral.
Não era um caminho claro, mas acidentado. Tivemos que sair da mentalidade da época e criar uma nova civilização. Foi um trabalho sobre cultura, que foi acompanhado por um trabalho religioso. Como disse Bento XVI em sua memorável palestra no College des Bernardins, em Paris, os monges beneditinos que moldaram, formaram e criaram a civilização europeia criaram a cultura, mas movidos por um único princípio: quaerere Deum, buscar a Deus.
Na visão do Papa, porém, tudo parece se tornar mais pragmático e, de certa forma, político. Na opção preferencial pelos pobres, que sempre foi a base da atividade da Igreja, ele vê também um ato político real, quase revolucionário.
No entanto, a lacuna entre os poderosos e os não-poderosos permanece. Então, em vez disso, o objetivo é derrubar o equilíbrio para colocar os pobres no topo. Novamente, o modelo é o do Magnificat: “Ele derrubou os poderosos de seus tronos. Ele exaltou os humildes.”
Mas essa elevação não pretendia trocar posições de poder, mas como uma dignidade renovada concedida a todos.
Enquanto o Papa Francisco defende que é necessária uma renovação espiritual e uma conversão dos corações, e ele se debruça sobre o conceito inaciano de “corrupção”, que é antes de tudo a corrupção da alma, na realidade, ele parece promover um mundo em que os pobres continuará pobre. Os ricos continuarão ricos, o que depende apenas da dignidade que lhes é conferida.
A Igreja Católica, em vez disso, funcionou não porque não havia elites ou em oposição às elites, mas para criar elites. A formação nas escolas católicas, abertas a estudantes de todas as religiões, sempre foi considerada do mais alto nível.
Não somente. Partindo do conceito de dignidade da pessoa humana, a Igreja fundou hospitais e difundiu uma cultura de cuidado aos doentes que antes era praticamente inexistente.
Os números, divulgados por ocasião do Domingo Mundial das Missões, comprovam isso: a Igreja administra 72.785 pré-escolas em todo o mundo, frequentadas por 7.510.632 alunos; 99.668 escolas primárias para 34.614.488 alunos; e 49.437 escolas secundárias para 19.252.704 alunos. Também supervisiona a educação de 2.403.787 alunos do ensino médio e 3.771.946 estudantes universitários.
As instituições de saúde, caridade e assistência administradas pela Igreja em todo o mundo incluem 5.322 hospitais; 14.415 dispensários; 534 leprosários; 15.204 lares para idosos, doentes crônicos e deficientes; 9.230 orfanatos; 10.441 creches; 10.362 centros de aconselhamento matrimonial; 3.137 centros de educação ou reeducação social; e 34.291 outras instituições.
Tudo conta uma história que não visa opor os poderosos aos pobres, mas dar força aos pobres. Para criar um mundo de iguais e fazê-lo de cabeça para baixo. Não ajudando os pobres, mas tornando os pobres ricos. Não pela oposição ao poder, mas pela criação de um novo poder.
O Papa Francisco pretende fazê-lo, e o diz abertamente. Mas aí a narrativa que ele carrega, que também revela uma linha de pensamento, é diferente, mais secular e menos impactante do que se imagina. Funciona no curto prazo e funciona para a mídia. Mas dá a imagem de uma Igreja que propõe, não de uma Igreja no centro da história. E não é uma questão de manter a relevância. É uma questão de ter alguma dignidade no mundo. A diplomacia fluida, a centralização das decisões sobre o Papa e o uso personalista de certas circunstâncias mostram uma Igreja que quer ter voz no mundo, qualquer que seja o mundo.
O que o Papa Francisco mostra é uma visão um tanto pessimista, talvez, e sem dúvida pragmática. Mas esse mesmo pragmatismo é uma mudança de paradigma a ser definida.
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Papa Francisco e a questão da elite - Instituto Humanitas Unisinos - IHU