29 Outubro 2022
A partir da célebre obra do teólogo dominicano Yves Congar (1904-1995) – “Verdadeira e falsa reforma na Igreja” –, o teólogo Massimo Nardello, de Modena, publicará uma série de artigos sobre a reforma da Igreja. E o fará a partir de alguns termos-chave, quase como um pequeno dicionário sobre o tema.
Nardello é presbítero da Arquidiocese de Modena-Nonantola, na Itália. Leciona Teologia Sistemática no Instituto Superior de Ciências Religiosas da Emília, no Studio Teológico Interdiocesano de Régio-Emília e na Faculdade Teológica da Emília-Romanha, em Bolonha. É membro do Conselho de Presidência da Associação Teológica Italiana.
O artigo é publicado por Settimana News, 06-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O tema da reforma da Igreja interessa desde sempre a reflexão teológica, pastoral e espiritual das comunidades cristãs, pois, em todos os tempos e lugares, elas se deram conta de que não encarnavam adequadamente a identidade evangélica a que eram chamadas e de terem de empreender caminhos de mudança.
A partir da Idade Média, porém, tal ideal reformista foi progressivamente marginalizado e visto com uma desconfiança cada vez maior por grandes parcelas da hierarquia católica, no temor de que isso pudesse desestruturar a Igreja e minar na raiz a autoridade de seus pastores.
A necessidade de se distanciar do pensamento protestante, além disso, fez com que, a partir do século XVI, o tema da reforma fosse conjugado unicamente em relação à vida moral e às escolhas pastorais, sem poder tocar de forma alguma a forma das estruturas eclesiais.
Na teologia católica do século XX, a demanda reformista foi relançada pelo padre Yves Congar, OP (1904-1995) com a sua famosa obra “Verdadeira e falsa reforma na Igreja”, cuja primeira edição data de 1950. Tal obra que, na avaliação teológica de hoje, é extremamente moderada suscitou vivas disputas no catolicismo pré-conciliar.
Embora o contexto eclesial de hoje seja muito mais propenso a refletir sobre o tema da reforma, parece-me muito importante se pôr novamente à escuta dessa obra e, com mais razão, dado o caminho sinodal que estamos percorrendo, porque algumas de suas demandas não são de todo evidente nem sequer em nossos dias.
No caminho que iniciamos, portanto, tentaremos colher algumas pistas de reflexão em “Verdadeira e falsa reforma na Igreja”, referindo-nos à edição de 1968 que foi revisada após a conclusão do Concílio Vaticano II. Vamos articulá-las em torno de algumas possíveis palavras-chave da reforma, quase para escrever um pequeno dicionário sobre o tema.
O primeiro vocábulo que vamos levar em consideração é o de autenticidade. Assim escreve Congar na introdução da sua obra:
“A propósito do ambiente [isto é, das causas mais gerais da autocrítica reformista], notaria essencialmente o gosto pela sinceridade. Trata-se de uma disposição extremamente fecunda, que envolve, sem dúvida, manifestações superficiais, até mesmo criticáveis, mas também aplicações extremamente profundas; não se poderia desconhecê-las sem desconhecer também um dos aspectos mais fundamentais do ser humano moderno ao se oferecer à soberania de Cristo. [...]
A nossa época certamente vai mais longe do que outras em suas exigências de verdade de gestos e de atitudes. Parece incontestável que as gerações anteriores não sentiram tanto quanto os nossos contemporâneos o desconforto de assumir, sem levantar objeções, hábitos e modos de fazer determinados antes de nós e sem nós, ou impostos pela tradição [...]
O que encontramos no gosto atual pelos gestos verdadeiros é, a meu ver, a grande dimensão do mundo moderno: a descoberta do sujeito. […] Certamente, em sentido verdadeiro, ela [a Igreja] é anterior aos seres humanos e não é construída por eles. Mas, de outro ponto de vista, ela também é feita pelos seres humanos ou, melhor, não alcança completamente sua realidade, na ordem da vida, senão com a atividade dos seres humanos.
Há, portanto, um setor que notamos ser justamente o das reformas, no qual o ponto de vista do sujeito encontra seu espaço e inspira, mediante a busca da verdade, excelentes reivindicações reformistas” (Y. Congar, “Vera e falsa riforma nella Chiesa”, Milão: Jaca Book, 1972, pp. 41-42).
A demanda de autenticidade que Congar apresenta como um dos objetivos da reforma eclesial não diz respeito à coerência pessoal dos cristãos, mas ao fato de que os costumes que são transmitidos do passado e que ainda hoje marcam a vivência da Igreja devem ser significativos, isto é, ter um sentido para os atuais membros das comunidades cristãs.
Eles geralmente estão cientes de que são sujeitos inteligentes e responsáveis, e estão cada vez menos dispostos a aceitar estilos e práticas incompreensíveis, herdados de uma sociedade e de um modelo de catolicismo que não existem mais.
Pode-se pensar que essa observação de Congar diz respeito ao contexto dos anos 1950, e que já deixamos de lado as linguagens clericais, as vestes pitorescas, os símbolos litúrgicos pouco compreensíveis, os títulos honoríficos e os papéis que indicam mais uma condição de superioridade do que um serviço específico e assim por diante. Talvez, porém, não seja bem assim.
Para descobrir isso, bastaria ouvir as pessoas de fé que, por várias razões, não estão diretamente envolvidas nas atividades das comunidades cristãs e que, justamente por isso, podem captar muito melhor quando as linguagens e as práticas eclesiais são pouco compreensíveis para a sensibilidade contemporânea.
Se tais diversidades não derivam da doutrina eclesial da fé, incluindo obviamente a de tipo moral, talvez seja o caso de buscar oportunas adaptações. Valorizar com discernimento o estupor curioso e perplexo de tantas pessoas diante de certos estilos e dinâmicas das comunidades cristãs não é ceder à mundanidade, mas nos colocarmos em condições de entender até que ponto somos realmente fiéis à missão eclesial.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Reforma da Igreja: a autenticidade. Artigo de Massimo Nardello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU