05 Outubro 2022
"Será o brasileiro, a brasileira, tão imediatista assim que não consegue enxergar o futuro sem previdência, sem aposentadoria, com o emprego formal indo pelo ralo, com o SUS sendo sucateado?", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Passada a angústia eleitoral do domingo, o Brasil que emerge das urnas me assusta.
Para 51 milhões de brasileiros e brasileiras o país, do jeito que se arrasta na economia, nas políticas sociais, na saúde, na educação, no contexto internacional, está bem. Esse contingente de eleitores e eleitoras apoia o Brasil armado, o Brasil que deixou mais de 400 mil pessoas morrerem por falta de vacinas; o Brasil que rouba direitos trabalhistas e previdenciários, o país que uberiza postos de trabalho, o Brasil que invade terras de seus primeiros habitantes, o Brasil que desmata, incendeia.
Assusta o Brasil que, ao menos foi o argumento de então, tirou do poder uma presidenta eleita para sanar o país da corrupção. Mas não aplica o mesmo critério para derrubar um presidente que pede atenção privilegiada a pastores na distribuição de verbas do Ministério da Educação a peso de ouro; um contingente que não se importa que a família tenha adquirido 51 apartamentos com dinheiro vivo, que não se interessa pela interferência do capitão pai na Polícia Federal para livrar a cara de filhos.
Assusta que mais de 50 milhões de pessoas não se importem com a fome de 33 milhões de concidadãos. Ou não seriam concidadãos, porque consideradas pessoas de segunda ou terceira categoria? Assusta-me a convocação de Deus, pátria, família, Jesus, falsos padres, pastores apoiando blasfêmias para uma campanha de escolha de presidente de um Estado laico.
Assusta quando um ex-jogador de futebol do Ceará, Fabrício Manini, posta em rede social, depois de conhecer o resultado da corrida presidencial de domingo: “Depois do resultado do primeiro turno das eleições, espero que todos eleitores do Bolsonaro, assim como eu, quando encontrar alguém passando fome ou pedindo algum alimento, não ajude. Passe com o carro por cima da cabeça pro País não ter mais despesas com esses vermes”, escreveu o atleta.
Assusta que essa massa apoie as posições e falas chulas do presidente, dos ataques a jornalistas; aplauda o machismo, as mentiras postadas em redes sociais. Assusta que esse pessoal aprove o desmanche do Brasil, agora até com a proposta de venda de nossas praias, o espaço mais democrático que o país tem para sua população.
Assusta um país que pouco sabe de seu passado, que se deixa engabelar, historicamente, pela cantilena dos donos do poder, pelas migalhas pré-eleitorais, como o auxílio emergencial que vai até o final do ano, mas que não tem previsão orçamentária para o próximo ano. Assusta um país que não se indigna com o silêncio imposto nos gastos do cartão corporativo da presidência da República. Onde fica a transparência?
Será o brasileiro, a brasileira, tão imediatista assim que não consegue enxergar o futuro sem previdência, sem aposentadoria, com o emprego formal indo pelo ralo, com o SUS sendo sucateado?
Assusta que atitudes como “passar a boiada”, ou a preocupação com as cores que meninas e meninos devem usar, a falha no suprimento de oxigênio a Manaus sejam motivos para eleger ministros que propuseram e agiram dessa forma. Assusta que um ex-juiz, parcial, e seu comparsa conquistem cadeiras no Congresso Nacional.
Dói constatar que brasileiros e brasileiras não se importem com a imagem chula que o Brasil angariou na opinião pública internacional.
Quando achamos que atingimos o fundo do poço, constata-se que o poço é mais profundo ainda. Então, é hora de reconhecer que essa eleição é barra pesada, em que a oposição esbarra em milhões de verbas do orçamento secreto, de benesses pontuais e eleitoreiras, de ameaças, de enganações... É o momento de se opor ao projeto de terra arrasada que está em andamento no Brasil. Sem perder a graça, o ânimo, a garra, a esperança.
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O Brasil que me assusta. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU