Não foi por acaso que o Papa Francisco já se dirigiu nada menos do que seis vezes a Assis: em outubro de 2013, em agosto de 2016, em setembro de 2016, em outubro de 2020, em novembro de 2021 e agora em setembro deste ano. A relação do pontífice com o Pobrezinho de Assis vai muito além do nome.
O comentário é do frei franciscano Pietro Messa, professor de História do Franciscanismo na Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma. O artigo foi publicado na Rivista Teologica di Lugano, de março de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na coletiva de imprensa durante o voo de volta da viagem ao Rio de Janeiro, no domingo, 28 de julho de 2013, quando perguntado se ainda se sente jesuíta como pontífice, o Papa Francisco afirmou: “Eu me sinto jesuíta na minha espiritualidade, na espiritualidade dos Exercícios, a espiritualidade que eu tenho no coração. Mas eu me sinto tanto assim que, daqui a três dias, irei festejar com os jesuítas a festa de Santo Inácio: vou rezar a missa de manhã. Não mudei de espiritualidade, não. Francisco, franciscano: não. Sinto-me jesuíta e penso como jesuíta. Não hipocritamente, mas penso como jesuíta [1].
Mas então por que escolheu como nome pontifício o do Santo de Assis? As interpretações foram diversas [2]. O próprio Papa Bergoglio explicou isso por ocasião da audiência com os representantes das mídias, no sábado, 16 de março de 2013:
“Alguns não sabiam por que o bispo de Roma quis se chamar Francisco. Alguns pensavam em Francisco Xavier, em Francisco de Sales, também em Francisco de Assis. Vou lhes contar a história. Na eleição, eu tinha ao meu lado o arcebispo emérito de São Paulo e também prefeito emérito da Congregação para o Clero, o cardeal Claudio Hummes: um grande amigo, um grande amigo! Quando a coisa ficava um pouco perigosa, ele me confortava. E quando os votos subiram para dois terços, veio o aplauso costumeiro, porque o papa foi eleito. E ele me abraçou, me beijou e me disse: ‘Não te esqueças dos pobres!’. E essa palavra entrou aqui: os pobres, os pobres. Então, imediatamente, em relação aos pobres, pensei em Francisco de Assis. Depois, pensei nas guerras, enquanto o escrutínio continuava, até todos os votos. E Francisco é o homem da paz. E assim veio o nome ao meu coração: Francisco de Assis. Para mim, ele é o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e guarda a criação. Neste momento, nós também temos uma relação não tão boa com a criação que, não? É o homem que nos dá esse espírito de paz, o homem pobre... Ah, como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres!” [3].
Na celebração de início do pontificado, na terça-feira, 19 de março de 2013, ele também fez uma breve menção ao Santo de Assis:
“A vocação de guardar, porém, não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma dimensão que precede e que é simplesmente humana, diz respeito a todos. É guardar a criação inteira, a beleza da criação, como nos é dito no livro do Gênesis e como São Francisco de Assis nos mostrou: é ter respeito por toda criatura de Deus e pelo ambiente em que vivemos” [4].
O tema foi retomado na sexta-feira, 22 de março de 2013, no discurso ao corpo diplomático credenciado junto à Santa Sé:
“Como vocês sabem, há vários motivos pelos quais escolhi o meu nome pensando em Francisco de Assis, uma personalidade que é bem conhecida além das fronteiras da Itália e da Europa e também entre aqueles que não professam a fé católica. Um dos primeiros é o amor que Francisco tinha pelos pobres. Quantos pobres ainda existem no mundo! E quanto sofrimento essas pessoas encontram! A exemplo de Francisco de Assis, a Igreja sempre procurou cuidar, proteger, em todos os cantos da terra, daqueles que sofrem pela indigência, e eu acho que em muitos dos seus países vocês podem constatar a generosa obra daqueles cristãos que se esforçam para ajudar os doentes, os órfãos, os sem-teto e todos aqueles que são marginalizados, e que assim trabalham para edificar sociedades mais humanas e mais justas. Mas há também outra pobreza! É a pobreza espiritual dos nossos dias, que diz respeito gravemente também aos países considerados mais ricos. É o que o meu antecessor, o caro e venerado Bento XVI, chama de ‘ditadura do relativismo’, que deixa cada um como medida de si mesmo e põe em perigo a convivência entre as pessoas. E assim chego a uma segunda razão do meu nome. Francisco de Assis nos diz: trabalhem para edificar a paz! Mas não há verdadeira paz sem verdade! Não pode haver paz verdadeira se cada um é a medida de si mesmo, se cada um pode reivindicar sempre e apenas seu próprio direito, sem se importar ao mesmo tempo com o bem dos outros, de todos, começando pela natureza que une todos os seres humanos sobre esta terra” [5].
Bonaventura Berlinghieri: São Francisco e cenas de sua vida, 1235, uma das mais antigas pinturas representando São Francisco de Assis (Foto: Евгений Ардаев | Wikimedia Commons)
A primeira vez que Bergoglio foi a Assis foi em 4 de outubro de 2013, ou seja, por ocasião da primeira festa litúrgica do santo depois que, eleito papa, escolheu Francisco como nome pontifício. No entanto, anteriormente, ele esteve inúmeras vezes na Itália, parando também por longos períodos, como por ocasião dos sínodos, durante os quais os Padres sinodais têm alguns dias de pausa, nos quais muitas vezes aproveitam a oportunidade para visitar lugares significativos individualmente ou em grupos. E, entre estes, Assis certamente não é o último. O fato de Bergoglio nunca ter visitado a cidade de São Francisco já é indicativo! Precisamente porque sua primeira visita foi aos lugares franciscanos, ele quis ir ao maior número de lugares, incluindo a Eremitério dos Cárceres, que nunca foi visitada pelas visitas papais anteriores.
Acima de tudo, lá ocorreu o encontro com as crianças com deficiência do Instituto Seráfico, durante o qual ele dirigiu algumas palavras, entregando o discurso preparado para a ocasião – sem lê-lo – ao bispo de Assis, Dom Domenico Sorrentino, que o repassou ao assistente Sandro Mariotti, ou seja, ao “mordomo”, que o colocou na pasta de onde havia saído alguns minutos antes, sob o atento olhar do Mons. Leonardo Sapienza, o regente da Casa Pontifícia.
Nos dois textos, ou seja, as palavras proferidas e – como expressado de modo oficial – “as outras palavras que o Papa Francisco havia preparado para esta ocasião e que entregou assumindo-as como lidas” [6], a presença de São Francisco é inversamente proporcional: enquanto nas primeiras não há nenhuma menção – nem explícita nem implícita – a São Francisco ou ao franciscanismo, no texto preparado anteriormente e “abandonado”, tudo gira em torno do santo, com uma argumentação “técnica”, uma citação do seu “Testamento” – inclusive com a referência bibliográfica –, em que recorda a misericórdia usada com os leprosos e até uma menção ao “grande franciscano, o Bem-aventurado Ludovico de Casoria” [7].
O encontro na Sala da Espoliação do bispado, com os pobres assistidos pela Cáritas, foi a etapa mais esperada da viagem a Assis, por ser prevista pela mídia como prenunciadora de novidades, como o próprio Papa Francisco recordou ironicamente: “Nestes dias, nos jornais, nos meios de comunicação, criavam-se fantasias. ‘O papa irá despojar a Igreja lá!’ ‘Do que ele despojará a Igreja?’ ‘Ele vai despojar os hábitos dos bispos, dos cardeais; vai despojar a si mesmo’” [8].
Também aqui houve a partilha de uma reflexão “de improviso”, que se volta para o mundanismo [9] e “as outras palavras que o Papa Francisco preparou para esta ocasião e que entregou assumindo-as como lidas [10]: após a saudação do bispo de Assis, Dom Domenico Sorrentino, o assistente Sandro Mariotti, extraiu da pasta costumeira as folhas do discurso e as entregou ao papa que, embora segurando-as nas mãos, falou de improviso.
Na sua reflexão, o papa recordou o episódio da vida do Santo de Assis, mas para inseri-lo imediatamente em seu discurso sobre o despojamento do mundanismo: “Quando Francisco, aqui, fez aquele gesto de se despojar, ele era um rapaz jovem, não tinha força para isso. Foi a força de Deus que o levou a fazer isso, a força de Deus que queria nos lembrar aquilo que Jesus nos dizia sobre o espírito do mundo, aquilo que Jesus rezou ao Pai, para que o Pai nos salvasse do espírito do mundo” [11].
Foi bem diferente o discurso preparado, “abandonado” e devolvido sem ser lido, que gira totalmente em torno da história franciscana, referindo-se à primeira “Vida” de Tomás de Celano e a Boaventura, para concluir com uma menção à “obra de solidariedade do bispo Nicolini, que ajudou centenas de judeus, escondendo-os nos conventos, e o centro de triagem secreto era exatamente aqui, no bispado” [12].
É interessante que, nesse discurso escrito – que, ao término da reflexão, fez o habitual giro de retorno das mãos papais à pasta do assistente Sandro Mariotti –, depois de lembrar que a espoliação de Francisco foi “a escolha de ser pobre”, afirma-se: “Não é uma escolha sociológica, ideológica. É a escolha de ser como Jesus, de imitá-lo, de segui-lo até o fim” [13]. Esta última referência, semelhante à posterior, na homilia da celebração eucarística, pode com todo o direito ser inserida no estilo dos papas anteriores, especialmente Bento XV, Pio XI e Bento XVI, voltados a recordar a autenticidade da opção evangélica franciscana [14].
Na celebração eucarística, na homilia, o papa seguiu o texto preparado em que há diversas menções a São Francisco, em que “o amor aos pobres e a imitação de Cristo pobre são dois elementos unidos de modo inseparável, os dois lados de uma mesma moeda” [15]. Continuando o discurso, ele afirma:
“O que São Francisco testemunha para nós hoje? O que nos diz, não com palavras – isso é fácil –, mas com a vida?
1. A primeira coisa que ele nos diz, a realidade fundamental que nos testemunha, é esta: ser cristão é uma relação vital com a Pessoa de Jesus, é revestir-se d’Ele, é assimilação a Ele. [...]
2. No Evangelho, ouvimos estas palavras: ‘Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos darei descanso! Tomai sobre vós meu jugo e aprendei comigo, porque sou manso e humilde de coração’ (Mt 11,28-29). Esta é a segunda coisa que Francisco nos testemunha: quem segue a Cristo recebe a verdadeira paz, aquela que só Ele, e não o mundo, pode nos dar. São Francisco é associado por muitos à paz, e está certo, mas poucos aprofundam. Qual é a paz que Francisco acolheu e viveu e nos transmite? A de Cristo, que passou pelo amor maior, o da Cruz. É a paz que Jesus Ressuscitado doou aos discípulos quando apareceu no meio deles (cf. Jo 20,19.20).
A paz franciscana não é um sentimento edulcorado. Por favor: esse São Francisco não existe! Tampouco é uma espécie de harmonia panteísta com as energias do cosmos... Isso também não é franciscano, mas é uma ideia que alguns construíram! A paz de São Francisco é a de Cristo, e ela é encontrada por quem ‘toma sobre si’ seu ‘jugo’, isto é, seu mandamento: ‘Amai-vos uns aos outros como eu vos amei’ (cf. Jo 13,34; 15,12). E esse jugo não pode ser carregado com arrogância, com presunção, com soberba, mas somente com mansidão e humildade de coração.
Dirigimo-nos a ti, Francisco, e te pedimos: ensina-nos a ser ‘instrumentos da paz’, da paz que tem sua fonte em Deus, a paz que o Senhor Jesus nos trouxe.
3. Francisco começa o Cântico assim: ‘Altíssimo, onipotente, bom Senhor... Laudato sie… cun [!] todas as tuas criaturas’ (FF, 1820). O amor por toda a criação, pela sua harmonia! O Santo de Assis testemunha o respeito por tudo o que Deus criou e como Ele o criou, sem experimentar sobre a criação para destruí-la; ajudando-a a crescer, a ser mais bela e mais semelhante ao que Deus criou. E, sobretudo, São Francisco testemunha o respeito por tudo, testemunha que o ser humano é chamado a guardar o ser humano, que o ser humano está no centro da criação, no lugar onde Deus – o Criador – o quis. Não um instrumento dos ídolos que nós criamos! Harmonia e paz! Francisco foi um homem de harmonia, homem de paz. A partir desta Cidade da Paz, repito com a força e a mansidão do amor: respeitamos a criação, não sejamos instrumentos de destruição! […]
Dirigimo-nos a ti, Francisco, e te pedimos: obtém-nos de Deus o dom de que neste nosso mundo haja harmonia, paz e respeito pela Criação! [...]
Faço minha a oração de São Francisco por Assis, pela Itália, pelo mundo: ‘Peço-te, ó Senhor Jesus Cristo, pai das misericórdias, que não queiras olhar para a nossa ingratidão, mas que recordes sempre da superabundante piedade que [nesta cidade] mostraste, para que seja sempre o lugar e o lar daqueles que verdadeiramente te conhecem e glorificam o teu nome bendito e gloriosíssimo pelos séculos dos séculos. Amém’ (‘Espelho de perfeição’, 124: FF , 1824)” [16].
Como se pode ver, a argumentação é semelhante ao dos discursos que, nos encontros anteriores, não foram lidos, mas apenas entregues; uma argumentação em torno de reflexões que concluem com uma oração extraída do “Espelho de perfeição”.
No encontro com o clero, as pessoas de vida consagrada e os membros do conselho pastoral, realizado na Catedral de São Rufino, o papa seguiu o discurso escrito e preparado anteriormente, e as referências são apenas à presença in loco da “fonte batismal onde São Francisco e Santa Clara foram batizados” [17] e a advertência de que “só se pode ir às periferias se levarmos a Palavra de Deus no coração e caminharmos com a Igreja, como São Francisco” [18].
Durante a visita à Basílica de Santa Clara, no encontro com as clarissas, o papa improvisou uma reflexão na qual, entre outras coisas, afirmou que “hoje na missa, falando do Crucificado, eu dizia que Francisco havia contemplado com os olhos abertos, com as feridas abertas, com o sangue que escorria. E essa é a contemplação de vocês: a realidade” [19]. Assim, a menção de São Francisco se torna o ponto de partida para refletir sobre o realismo cristão.
A última intervenção da intensa jornada foi no encontro com os jovens da Úmbria, na praça da Basílica de Santa Maria dos Anjos. Depois de alguns jovens lhe terem feito perguntas, o papa, em referência ao Santo de Assis, disse:
“Mas aqui em Assis não há necessidade de palavras! Tem Francisco, tem Clara, eles falam! O carisma deles continua falando a muitos jovens no mundo inteiro: meninos e meninas que deixam tudo para seguir Jesus no caminho do Evangelho. [...]
Aqui em Assis, aqui perto da Porciúncula, parece que ouço a voz de São Francisco nos repetindo: ‘Evangelho, Evangelho!’. Ele também diz isso a mim ou, melhor, primeiro a mim: ‘Papa Francisco, seja servidor do Evangelho!’ Se eu não consigo ser um servidor do Evangelho, minha vida não vale nada! […] Olhemos para Francisco: ele fez ambas as coisas, com a força do único Evangelho. Francisco fez crescer a fé, renovou a Igreja; e ao mesmo tempo renovou a sociedade, tornou-a mais fraterna, mas sempre com o Evangelho, com o testemunho. Vocês sabem o que Francisco disse uma vez a seus irmãos? ‘Preguem sempre o Evangelho e, se necessário, também com palavras!’ Mas como? Pode-se pregar o Evangelho sem as palavras? Sim! Com o testemunho! Primeiro o testemunho, depois as palavras! Mas o testemunho!” [20].
A partir de um olhar geral, depreende-se que existe uma certa presença de São Francisco somente nos discursos preparados anteriormente, com todas as questões ligadas à história da sua redação, enquanto, nas palavras proferidas sem um texto prévio, sua presença é irrelevante, senão ausente. De fato, São Francisco parece mais um pretexto para dar início a um determinado assunto ou para dar autoridade ao que é dito [21].
Embora parcialmente respondida nas intervenções mencionadas, surge a pergunta sobre qual imagem do Santo de Assis o papa tem: de fato, sabe-se que são propostas múltiplas leituras do santo, se não exatamente contrastantes entre si, certamente às vezes divergentes [22]. Nesse sentido, há uma intervenção de 29 de junho de 2011 na qual o então cardeal Jorge Bergoglio, como arcebispo de Buenos Aires, ilustrando a figura de São Boaventura, apresenta uma verdadeira síntese de sua concepção do franciscanismo:
“É curioso que coloquemos São Boaventura em relação com a humildade. A palavra humildade significa modéstia, submissão e deriva do latim: humilitas-humus-terra e significa abaixar-se. São Paulo descreve a vocação de Jesus como abaixar-se: abaixou-se, anulou-se, fez-se servo mesmo sendo Senhor. A humildade consiste nesse abaixar-se. E, no sul da província de Corrientes, normalmente usamos esse adjetivo para descrever algo que tem pouco valor, como por exemplo ‘este é um livro humilde’, como se não valesse nada, mas a humildade é a maior atitude de Deus que se abaixa, se aproxima de nós, se faz próximo.
São Boaventura foi um daqueles grandes santos da espiritualidade cristã que bebeu a humildade do carisma de Francisco. A caridade e o amor caminharam juntos com essa humildade. Ele se mostrava como era. Ele viu na vida de São Francisco a experiência de um caminho muito humilde e muito realista: dia após dia, caminhando com Cristo, aceitando a própria cruz. Nessa pobreza e nessa grande humildade, Boaventura encontrou o instrumento para interpretar a herança essencial e profunda de Francisco. Boaventura foi quem organizou a ordem franciscana, mas por meio dessa humildade ligada a Francisco. Durante 17 anos, ele foi superior-geral dos franciscanos. Depois, quando o papa lhe concedeu o título de cardeal, ele continuava indo à cozinha para lavar os pratos. Não era altivo, não se tornou vaidoso, foi sempre ele mesmo, o mesmo frade humilde de sempre: de fato, o humilde não olha quantos dons tem, mas começa dizendo: ‘Senhor, sou aquilo que sou’, coloca os talentos a serviço de Deus. Uma alma humilde atrai; pelo contrário, uma alma soberba afasta, rejeita. Jesus atraía porque era Deus humilde. São Boaventura atrai porque era humilde. A virtude que Boaventura preferia era a humildade e a paciência. A humildade caminha com a paciência, e humildade e paciência estão juntas.
Uma alma humilde tudo sofre, tudo suporta, tudo espera, tudo perdoa: é paciente como Jesus. Pensemos na paciência de Jesus, recordemo-lo naquela noite entre a Quinta-Feira Santa e a Sexta-Feira, quando lhe fizeram de tudo, ele foi escarnecido, cuspiram nele, bateram nele, zombaram dele, espancaram-no, e ele ficou em silêncio. Esse Jesus pregado no lenho e paciente ensinou a Boaventura a humildade e o desprezo pelas dignidades. Ele compreendeu a palavra do Evangelho: ‘Quem se humilha será exaltado’.
Da virtude da humildade dependem todas as outras virtudes, é como a guardiã, a carruagem de todas as outras virtudes e, ao mesmo tempo que nos torna pacientes, também nos torna magnânimos. O homem humilde sabe perdoar, é compreensivo, e São Boaventura – por meio do carisma de Francisco –, precisamente porque era humilde, era paciente e magnânimo” [23].
O sermão aos pássaros. Basílica de São Francisco de Assis (Foto: Web Gallery of Art | Wikimedia Commons)
Pelo que vimos, São Francisco, para o Papa Bergoglio, é aquele que sintetiza em si três aspectos considerados importantes, ou seja, ele é “o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e guarda a criação”: como ele mesmo disse, essas são características que o levaram à escolha do nome do Santo de Assis – cuja história, especialmente a partir da segunda metade do século XIX, em um crescendo, tem sido associada ao tema da paz, da ecologia e da opção pelos pobres [24] – e não vice-versa.
E, portanto, não surpreende que o conhecimento do franciscanismo não vá muito além da vulgata; somente nos textos preparados é que aparecem anotações que podem ser definidas como técnicas por causa das referências bibliográficas pontuais que abrangem diversas fontes, dos próprios escritos de Francisco de Assis a Tomás de Celano, de Boaventua ao “Espelho de perfeição”. Ao lado dessas menções, há – por exemplo, no caso da visita à Úmbria em 4 de outubro de 2013 – alguns detalhes “locais” pouco conhecidos fora do ambiente de Assis, como a menção ao fundador do Instituto Seráfico, “um grande franciscano, o bem-aventurado Ludovico de Casoria” e “a obra de solidariedade do bispo Nicolini, que ajudou centenas de judeus escondendo-os nos conventos”, dificilmente atribuíveis ao próprio papa.
Ainda em relação à visita a Assis, à primeira vista, chama a atenção que, no texto preparado para o discurso aos jovens, apareça entre aspas e atribuída a Francisco a frase: “Preguem sempre o Evangelho e, se necessário, também com palavras!”, ausente nas fontes franciscanas. No entanto, ela já havia sido citada no texto lido pelo papa alguns dias antes aos participantes do Congresso Internacional sobre a Catequese [25] e antes disso ainda em 14 de abril de 2013, na homilia na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, na qual, ao ler o texto previamente preparado – como se pode ver na gravação em vídeo –, levantando o olhar da folha e falando de improviso, acrescentou: “Agora vem à minha mente um conselho que São Francisco de Assis dava aos seus irmãos: ‘Preguem o Evangelho e, se necessário, também com as palavras. Preguem com a vida: o testemunho” [26]. Pode-se supor, com mais razão, que a frase dita de modo extemporâneo em abril de 2013 foi retomada na redação dos discursos preparados para os encontros posteriores.
Naturalmente, surge a questão de onde provém tal expressão atribuída ao Santo de Assis, mas ausente nas fontes antigas. Sem querer fazer uma análise detalhada a esse respeito, assinalamos que uma menção está presente, por exemplo, na “Carta do Ministro Geral e do Conselho Geral a todos os Irmãos e Irmãs da Terceira Ordem Regular de São Francisco de Assis para a solenidade do Natal de 2012”, sobre a nova evangelização, em relação à experiência franciscana, em que que afirma: “O modo como isso foi expressado recentemente é que Francisco desafiou seus seguidores: ‘Preguem o Evangelho e, se for realmente necessário, usem também as palavras” [27].
Tal frase, já presente em 2008, atribuída a São Francisco em alguns sites da internet, poderia ter a sua origem no relato narrado por Tomás de Celano no “Memorial no desejo da alma” [28], enquanto, segundo o Pe. Ugo Sartorio, “a referência é à ‘Regra não bulada’ (1221) [...] onde se indica (e é a primeira vez que se encontra em uma regra religiosa) um estilo de missão caracterizado ao mesmo tempo por grande mansidão e força extraordinária” [29]. Mas diversos são os trechos que podem ter inspirado essa frase, como por exemplo o relato da “pregação em silêncio” que tem como protagonistas São Francisco e o frei Junípero [30].
Cominciate col fare ciò che è necessario, poi ciò che è possibile. E all'improvviso vi sorprenderete a fare l'impossibile (S.Francesco)
— Gianfranco Ravasi (@CardRavasi) March 18, 2013
Na realidade, isso evidencia mais uma vez como fatos e ditos continuam sendo atribuídos ao Santo de Assis, de acordo com as próprias finalidades. E que isso ocorra em um discurso papal não é surpreendente, se considerarmos que, nos dias imediatamente após sua eleição, era divulgada no dia 18 de março de 2013, atestando sua confiabilidade no fato de ter sido divulgado via Twitter pelo cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, a seguinte frase, atribuindo-a a São Francisco: “Comecem fazendo o que é necessário, depois o que é possível. E, de repente, vocês se surpreenderão ao fazerem o impossível”. Um texto não apenas ausente das fontes franciscanas, mas também composto por uma linguagem e conteúdo distantes do pensamento e da espiritualidade do frei Francisco de Assis.
Francisco: sim, mas qual? Fundamentalmente, essa será a primeira pergunta a ser feita também na continuidade do pontificado do jesuíta Papa Francisco.
1. Francisco, Coletiva de imprensa durante o voo de retorno do Rio de Janeiro (domingo, 28 de julho de 2013), in L’Osservatore Romano (quarta-feira, 31 de julho de 2013), p. 6.
2. Cf., por exemplo, G. Miccoli, “La chiesa povera voluta da Francesco”, em Il Sole 24Ore (domingo, 15 de setembro de 2013), p. 1, que aparece de forma mais ampla em “Introduzione 2013. Otto secoli dopo: il santo e il papa”, em idem, “Francesco. Il santo di Assisi all'origine dei movimenti francescani”, Roma: Donzelli, 2013, pp. VII-XVII.
3. Francisco, Audiência aos representantes da mídia (sábado, 16 de março de 2013), in Acta Apostolicae Sedis 105 (2013), p. 380-381. A versão narrada é retomada, por exemplo, pelo cardeal Giuseppe Betori, também ele presente no conclave: “A origem da escolha, como ele mesmo relatou, é um diálogo com o cardeal Hummes ocorrido durante as votações do conclave: portanto, não é algo muito planejado, mas sim uma sensibilidade aos valores franciscanos. Portanto, à centralidade de Cristo, como ele mesmo reiterou, mas ao Cristo pobre, o Cristo que cria a fraternidade e a paz. Pode-se dizer que é apenas um elemento simbólico, mas, na linguagem, e ainda mais na linguagem da Igreja, a dimensão simbólica tem uma densidade profunda de realidade, não é um simples revestimento”; in “Il nuovo Papa scelto nella comunione”, http://www.toscanaoggi.it/Vita-Chiesa/Card.-Betori-Il-nuovo-Papa-scelto-nella-comunione.
4. Francisco, Santa Missa de início do pontificado (terça-feira, 19 de março de 2013), in Acta Apostolicae Sedis 105 (2013), p. 384.
5. Francisco, Audiência ao corpo diplomático credenciado junto à Santa Sé (sexta-feira, 22 de março de 2013), in L’Osservatore Romano (sábado, 23 de março de 2013), p. 8.
6. L’Osservatore Romano (sábado, 5 de outubro de 2013), p. 6.
7. Francisco, Encontro com as crianças com deficiência e doentes internadas no Instituto Seráfico (sexta-feira, 4 de outubro de 2013), in L’Osservatore Romano (sábado, 5 de outubro de 2013), p. 6.
8. Francisco, Encontro com os pobres assistidos pela Cáritas (sexta-feira, 4 de outubro de 2013), in L’Osservatore Romano (sábado, 5 de outubro de 2013), p. 7.
9. Esse tema é um dos centros nevrálgicos da pregação do Papa Francisco em seu primeiro ano de pontificado. Ainda no dia 9 de março de 2013, o cardeal Jorge Mario Bergoglio, na penúltima das Congregações Gerais dos cardeais, mencionou-o em uma intervenção. O cardeal de Havana, Jaime Lucas Ortega y Alamino, depois de pedir o texto ao então arcebispo de Buenos Aires, também recebeu a permissão de torná-lo público. Em tal escrito, dividido em quatro pontos, o futuro Papa Francisco, no terceiro, mencionou “aquele mal tão grave que é a mundanidade espiritual”, que é, “segundo De Lubac, o pior mal em que a Igreja pode incorrer”. O texto, ao qual se refere o cardeal prestes a ser eleito papa, está presente na conclusão de Henri De Lubac, “Meditazioni sulla Chiesa”, Milão: Paoline, 1955, p. 446-447: “Enquanto em Maria essa humilde e alta perfeição brilha de puríssimo esplendor, em nós, que ainda somos pouco tocados por esse Espírito, ela custa a emergir. A Igreja, materna, nunca acabou de nos gerar para a vida do Espírito. Mas o maior perigo para a Igreja – para nós, que somos Igreja –, a tentação mais pérfida, aquela que sempre renasce, insidiosamente, quando todas as outras são vencidas, alimentadas, aliás, por essas vitórias, é aquela que o Pe. Vonier chamava de ‘mundanidade espiritual’. Com isso, nós entendemos, dizia ele, ‘uma atitude que se apresenta praticamente como um desapego da outra mundanidade, mas cujo ideal moral e também espiritual não é a glória do Senhor, mas o homem e sua perfeição. Uma atitude radicalmente antropocêntrica; eis a mundanidade do espírito. Ela seria imperdoável no caso – suponhamos que possível – de um homem que seja dotado de todas as perfeições espirituais, mas que não as remete a Deus’. Se essa mundanidade espiritual invadisse a Igreja e trabalhasse para corrompê-la, apegando-se ao seu próprio princípio, seria infinitamente mais desastrosa do que qualquer mundanidade simplesmente moral. Pior ainda do que aquela lepra que, em certos momentos da história, desfigurou tão cruelmente a Esposa amada, quando a religião parecia introduzir o escândalo no ‘próprio santuário e, representada por um papa libertino, escondia debaixo de pedras preciosas, debaixo de maquiagens e ornamentos, o rosto de Jesus”. Nenhum de nós está totalmente a salvo desse mal. Um humanismo sutil, adversário do Deus vivo e, secretamente, não menos inimigo do ser humano, pode se insinuar em nós por mil caminhos tortuosos. A curvitas original nunca está definitivamente endireitada em nós. O ‘pecado contra o Espírito’ é sempre possível. Mas nenhum de nós se identifica com a Igreja. Nenhuma traição nossa pode entregar ao Inimigo a Cidade que o próprio Senhor guarda”. A esse respeito, ver M. Introvigne, “Il segreto di papa Francesco”, Milão: SugarCo, 2013, pp. 36-41.
10. L’Osservatore Romano (sábado, 5 de outubro de 2013), p. 7.
11. Francisco, Encontro com os pobres assistidos pela Cáritas, p. 7.
12. Francisco, Encontro com os pobres assistidos pela Cáritas, p. 7.
13. Francisco, Encontro com os pobres assistidos pela Cáritas, p. 7.
14. Por exemplo, Bento XVI, no que diz respeito à compreensão da história de São Francisco de Assis, afirmou várias vezes a importância de uma hermenêutica correta se não se quiser rebaixar o significado da mensagem franciscana, que teve tanta importância na história da Igreja. Há muito tempo, as vozes que apontam para o perigo de um esvaziamento de significado da figura de Francisco de Assis começaram a se fazer ouvir; um colunista, com um tom um pouco áspero, havia afirmado que alguns “veneram e difundem ilegitimamente um santinho romântico e de origem protestante, ou seja, o São Francisco do mito, um tolo de aldeia que fala com lobos e passarinhos, que dá um tapinha nas costas de todos. Uma vulgata falsa, que degrada sua mensagem”. Sua opinião lapidar, dita em tom jornalístico, parece excessiva, mas é preciso reconhecer que ela encontra uma forte confirmação em estudos científicos – como os de Sandra Migliore – que tentaram estudar as formas como São Francisco foi representado nos séculos XIX e séculos XX. De tais aprofundamentos, emerge o papel decisivo que Paulo Sabatier teve nos estudos franciscanos, mas também a forte ênfase em uma leitura em certo sentido romântica e protestante da história do Santo de Assis. Diversos pontífices se manifestaram contra tao leitura do fim do século XIX e que se espalhou no século XX. Bento XV, por exemplo, na carta encíclica Sacra propediem, de 1921, por ocasião do sétimo centenário da fundação da Terceira Ordem Franciscana, escreveu: “Acima de tudo, convém que cada um tenha uma ideia exata da figura de São Francisco, pois alguns, segundo a invenção dos modernistas, apresentam o homem de Assis como pouco obediente a esta Cátedra apostólica, como o defensor de uma vaga religiosidade, a ponto de ele não poder ser corretamente chamado nem de Francisco de Assis nem de santo”. A reafirmação da dimensão transcendental na história de Francisco de Assis, corrigindo suas falsificações seculares, foi feita por Pio XI. Em 1924, por ocasião do sétimo centenário dos estigmas do santo, uma carta encíclica do papa reafirmou o caráter sobrenatural do evento, enquanto a revista da Universidade Católica de Milão, Vita e Pensiero, em um número monográfico, deu a resposta católica às desvalorizações que, há cerca de 50 anos, o questionava. Foi sobretudo no sétimo centenário da morte de São Francisco que Pio XI recordou a importância de uma leitura correta da história do Santo de Assis. De fato, o pontífice escreveu a encíclica Rite expiatis, na qual afirma que as celebrações centenárias, “fugindo daquela figura imaginária que os defensores dos erros modernos ou os seguidores do luxo e das iguarias mundanas formulam de bom grado, tentarão propor à fiel imitação dos cristãos aquele ideal de santidade que ele retratou em si mesmo, derivando-o da pureza e da simplicidade da doutrina evangélica”. Depois de elencar as virtudes de São Francisco, escreveu: “Portanto, Francisco, aguerrido pelas fortes virtudes que recordamos, é providencialmente chamado à obra de reforma e de salvação de seus contemporâneos e de ajuda à Igreja universal. Na igreja de São Damião, onde costumava rezar com gemidos e suspiros, ouvira por três vezes descer do céu uma voz: ‘Vai, Francesco, restaura a minha casa que está caindo’. Ele, por aquela profunda humildade que o fazia crer-se incapaz de realizar qualquer obra grandiosa, não compreendeu seu misterioso significado; mas Inocêncio III bem o descobriu, argumentando claramente qual era o desígnio do misericordiosíssimo Deus a partir de uma visão milagrosa em que Francisco se apresentou a ele no ato de segurar com as costas o templo decadente de Latrão”.
15. Francisco, Homilia na Santa Missa (sexta-feira, 4 de outubro de 2013), in L’Osservatore Romano (sábado, 5 de outubro de 2013), p. 8.
16. Francisco, Homilia na Santa Missa, p. 8.
17. Francisco, Encontro com o clero, as pessoas de vida consagrada e os membros do conselho pastoral (sexta-feira, 4 de outubro de 2013), in L’Osservatore Romano (domingo, 6 de outubro de 2013), p. 6.
18. Francisco, Encontro com o clero, p. 6.
19. Francisco, Palavras às monjas de clausura (sexta-feira, 4 de outubro de 2013), in L’Osservatore Romano (domingo, 6 de outubro de 2013), p. 6.
20. Francisco, Encontro com os jovens da Úmbria (sexta-feira, 4 de outubro de 2013), in L’Osservatore Romano (domingo, 6 de outubro de 2013), p. 7.
21. Semelhante é o que afirmou o teólogo argentino Víctor Manuel Fernández – reitor da Pontifícia Universidade Católica Argentina, nomeado arcebispo titular de Tiburnia pelo Papa Francisco em 13 de maio de 2013 – no capítulo “A inspiração de Francisco de Assis” presente na conversa V.-M. Fernández – P. Rodari, “Il progetto di Francesco. Dove vuole portare la Chiesa”, Bolonha: Ed. Missionaria Italiana, 2014, pp. 15-27.
22. Cf. S. Migliore, “Mistica povertà. Riscritture francescane tra Otto e Novecento” (Bibliotheca Searaphico - Capuccina, 64), Roma: Istituto Storico dei Cappuccini, 2001. Fruto de tais interpretações também são fatos ou textos atribuídos ao Santo de Assis; é paradigmática a história da chamada “Oração Simples”: C. Renoux, “La Prière pour la paix attribuée à saint François, une énigme à résoudre” (Présence de saint Fraçois, 39), Paris: Les éditions franciscaines 2001; trad. italiana, “La preghiera per la pace attribuita a San Francesco. Un enigma da risolvere”, Pádua: Edizioni Messaggero, 2003.
23. Tradução italiana por P. Messa da intervenção em vídeo em espanhol de J. Bergoglio, “San Buenaventura, doctor de la Iglesia” (29/6/2011).
24. Cf. S. Migliore, “Mistica povertà”; R. Michetti, “Francesco d’Assisi e l'essenza del cristianesimo. A proposito di alcune biografie storiche e di alcuni studi contemporanei, in Francesco d'Assisi fra storia, letteratura e iconografia. Atti del seminario” (Rende, 8-9 de maio de 1995), Cosenza: Rubbettino, 1996, pp. 37-67; R. Michetti, “François d'Assise e la paix révélée. Réflexions sur le mythe du pacifisme franciscain et sur la prédication de paix de François d'Assise dans la société communale di XIIIe siècle, in Prêcher la paix et discipliner la société. Italie, France, Angleterre (XIIIe-XVe siècles)” (Collection d'études médiévales de Nice, 5), Turnhout: Brepols, 2005, p. 279-312 ; G. Miccoli, “Francesco e la pace”, in Franciscan Studies 64 (2006), 33-52, segundo o qual “o fato de um homem se tornar um símbolo sempre tem em si mesmo alguma razão”.
25. Francisco, Aos participantes do Congresso Internacional sobre a Catequese (sexta-feira, 27 de setembro de 2013), in L’Osservatore Romano (domingo, 29 de setembro de 2013), p. 7: “Gosto de recordar aquilo que São Francisco de Assis dizia aos seus frades: ‘Preguem sempre o Evangelho e, se necessário, também com as palavras’. As palavras vêm... mas primeiro o testemunho: que as pessoas vejam na nossa vida o Evangelho, que possam ler o Evangelho”.
26. Francisco, Homilia na Basílica de São Paulo Fora dos Muros (domingo, 14 de abril de 2013), in Acta Apostolicae Sedis 105 (2013), p. 430: “Todos nos recordamos bem: não se pode anunciar o Evangelho de Jesus sem o testemunho concreto da vida. Quem nos escuta e nos vê deve poder ler nas nossas ações aquilo que escuta da nossa boca e dar glória a Deus! Vem à minha mente agora um conselho que São Francisco de Assis dava aos seus irmãos: ‘Preguem o Evangelho e, se for necessário, também com as palavras. Pregar com a vida: o testemunho. A incoerência dos fiéis e dos pastores entre o que dizem e o que fazem, entre a palavra e o modo de vida, mina a credibilidade da Igreja”.
27. “Nova evangelização e experiência franciscana”. Carta do Ministro Geral e do Conselho Geral a todos os Irmãos e Irmãs da Terceira Ordem Regular de São Francisco de Assis para a solenidade do Natal de 2012 (25 de dezembro de 2012) (Prot. N° 97/2012).
28. Tomás de Celano, “Memoriale nel desiderio dell’anima”, 103, in “Fonti Francescane. Nuova edizione”, org. E. Caroli, Pádua: Editrici Francescane, 2004, n. 690, pp. 430-431: “Enquanto morava perto de Siena, estava lá um frade da Ordem dos Pregadores, um homem espiritual e doutor em sagrada teologia. Então, foi visitar o beato Francisco e se entretiveram por um longo tempo, ele e o santo em docíssima conversa sobre as palavras do Senhor. Depois, o mestre o interrogou sobre aquele dito de Ezequiel: ‘Se não anunciares ao ímpio a sua impiedade, eu pedirei contas a ti da sua alma’. Ele lhe disse: ‘Eu mesmo, bom padre, conheço muitos aos quais nem sempre manifesto sua impiedade, embora sabendo que estão em pecado mortal. Talvez me pedirão contas das suas almas?”. E como Francisco se dizia ignorante e, por isso, mais digno de ser instruído por ele do que de responder a uma frase da Escritura, o doutor acrescentou humildemente: ‘Irmão, mesmo que eu tenha ouvido alguns doutos exporem essa passagem, gostaria de ouvir teu parecer a esse respeito’. ‘Se a frase deve ser tomada em sentido genérico – respondeu Francisco –, eu a entendo assim: o servo de Deus deve ter em si mesmo tal ardor de santidade de vida a ponto de repreender todos os ímpios com a luz do exemplo e a eloquência de sua conduta. Assim, repito, o esplendor de sua vida e o bom odor de sua fama tornarão manifesta a todos a iniquidade deles’. O doutor ficou muito edificado com essa interpretação e, ao ir embora, disse aos companheiros de Francisco: ‘Irmãos meus, a teologia desse homem, sustentada pela pureza e pela contemplação, voa como uma águia. A nossa ciência, por outro lado, rasteja pela terra’”.
29. U. Sartorio, “Anche le parole se necessario. Dalle prime fonti a papa Francesco”, in L’Osservatore Romano (6 de outubro de 2013), p. 4. O texto indicado é Francisco de Assis, “Regola non bollata”, XVI, 5-7, in “Fonti Francescane”, n. 43, pág. 75-76: “Os frades que vão ao encontro dos infiéis podem se comportar espiritualmente no meio deles de dois modos. Um modo é que eles não tenham brigas nem disputas, mas estejam sujeitos a cada criatura humana por amor a Deus e confessem que são cristãos. O outro modo é que, vendo que isso agrada ao Senhor, anunciem a palavra de Deus para que creiam em Deus onipotente, Pai e Filho e Espírito Santo, criador de todas as coisas, e no Filho redentor e salvador, e sejam batizados e se tornem cristãos, pois, se alguém não renascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus”. É importante notar que tal texto do Santo de Assis é muitas vezes assumido como justificativa para uma missão entendida como simples presença e testemunho de vida; em tal leitura, não é estranha a projeção retroativa da história de Charles de Foucauld sobre o texto da “Regra não bulada”; cf. G. Buffon, “San Francesco d’Assisi. Fonti Francescane e rinnovamento conciliare” (Studi francescani, 22), Pádua: Ed. Messaggero, 2011, sobretudo as pp. 40-41 e 142-143.
30. Tal relato teve uma notável difusão mediante a coletânea – que chegou à sua 10ª reimpressão em 2012 – de B. Ferrero, “C’è Qualcuno lassù”, Turim, 1993, p. 4: “La predica di san Francesco”: “Um dia, ao sair do convento, São Francisco encontrou o frei Junípero. Era um frade simples e bom, e São Francisco o queria muito bem. Ao encontrá-lo, disse-lhe: ‘Frei Junípero, venha, vamos pregar’. ‘Meu pai’, respondeu, ‘tu sabes que eu tenho pouca instrução. Como poderei falar às pessoas?’. Mas, como São Francisco insistia, o frei Junípero consentiu. Percorreram toda a cidade, rezando em silêncio por todos os que trabalhavam nas lojas e nas hortas. Sorriam para as crianças, especialmente as mais pobres. Trocaram algumas palavras com os mais idosos. Acariciaram os doentes. Ajudaram uma mulher a carregar um pesado recipiente cheio de água. Depois de atravessar várias vezes toda a cidade, São Francisco disse: ‘Frei Junípero, é hora de voltar ao convento’. ‘E a nossa pregação?’. ‘Já a fizemos... já a fizemos’, respondeu o santo sorrindo”.