07 Setembro 2022
Hoje, à luz do Movimento Litúrgico, a expressão “sacramentum tantum” é em si mesma contraditória. Conseguir ver a contradição dessa linguagem é uma das condições para defender a Reforma Litúrgica hoje.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado em seu blog, Come Se Non, 28-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A palavra “sacramento” atravessa toda a tradição cristã e católica, e nós tendemos a lê-la sobretudo na interpretação posterior ao Concílio de Trento.
Porém, se observarmos melhor essa história, descobriremos que houve algumas passagens, não desprovidas de traumas e confrontos, que transformaram o significado da palavra.
Poderíamos dizer que, até o século IX, há um substancial consenso em considerar que o termo “sacramento” indica a história da salvação que toma forma em alguns atos rituais: acima de tudo, a iniciação cristã, mas depois também a penitência e a unção dos enfermos.
É muito significativo que o Papa Inocêncio I, em 416, tenha dito que a unção dos enfermos é “in genere sacramenti”. Essa expressão do papa do século V sinaliza algo importante: sacramento é o “gênero” que une uma série de ações rituais, centrais para a vida cristã.
No entanto, a partir do século IX, as controvérsias eucarísticas, que duraram cerca de 200 anos, obrigaram a doutrina eclesial a mudar de linguagem. Assim passamos, lenta mas eficazmente, de uma atenção ao sacramento como gênero para uma atenção ao gênero do sacramento.
Esse desenvolvimento, que certamente também se baseia no saber dos séculos anteriores (sobretudo nos escritos de Agostinho), elabora um saber diferenciado do sacramento, identificando diversos níveis dele. Isso só é compreensível com base em uma nova leitura do sacramento como “sinal”.
O sacramento como sinal de uma coisa sagrada abre espaço para uma repartição teórica que considera apenas o sacramento, o sacramento e seu significado e, por fim, apenas o significado. Na linguagem da Escolástica, assim, se falaria de “sacramentum tantum”, “res et sacramentum”, “res sacramenti”.
Como essa elaboração teórica se tornou patrimônio do Magistério, chegou-se a assumir, a partir do século XII, uma terminologia que falava do sacramento, entendendo-o até como simples sinal. Aqui reside o ponto sistematicamente mais decisivo, que poderíamos resumir assim: até o século IX, ninguém entenderia o que poderia significar “sacramentum tantum”, isto é, apenas o sacramento, porque, com essa expressão, entendia-se uma plenitude e uma completude fundamentais. É claro que, quando se diz “apenas o sacramento”, usa-se o termo em um sentido formal que os séculos anteriores não apenas não compreenderiam, mas rejeitariam.
Toda essa história é muito instrutiva para entender o que aconteceu no início do século XX. Ou seja, uma espécie de rebelião contra uma linguagem que, ao despedaçar a experiência do sacramento em muitos âmbitos autônomos, impede que ele seja vivido como um ato ritual de celebração. Nós poderíamos dizer hoje, à luz do Movimento Litúrgico, que a expressão “sacramentum tantum” é em si mesma contraditória. Conseguir ver a contradição dessa linguagem é uma das condições para defender a Reforma Litúrgica hoje.
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“Sacramentum tantum”? Breve história de um equívoco sistemático da tradição latina. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU