30 Agosto 2022
"As mulheres brasileiras avançaram na saúde, na educação, no mercado de trabalho, etc. Mas a paridade de gênero na política permanece um sonho distante no Brasil", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 28-08-2022.
“O grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual se mede a emancipação de toda a sociedade.” Charles Fourier (1772-1837)
As mulheres brasileiras foram excluídas da política formal nos primeiros 500 anos da história do país, embora tenham se tornado maioria da população a partir de 1940 e maioria do eleitorado a partir de 1998. A participação feminina tem aumentado nas últimas décadas, mas em ritmo muito lento, pois o Brasil tem uma das menores participações femininas na Câmara de Deputados.
Nos primeiros 110 anos após a Independência do Brasil, as mulheres não podiam votar e serem votadas. Após 1932, as mulheres alfabetizadas passaram a ter o direito de voto, mas pouquíssimas se candidatavam. Todavia, com a Constituição de 1988 e com a implementação de políticas afirmativas a partir de 1995, o percentual de mulheres candidatas ao parlamento aumentou, atingiu cerca de 20% nas eleições de 2010 ultrapassou os 30% nas eleições seguintes, como mostra o gráfico abaixo.
Fazendo um breve histórico da política de cotas de gênero no Brasil, tem-se como marco a decisão do Congresso Nacional – logo após a 4ª Conferência Mundial das Mulheres ocorrida em Beijing (de 1995) – em adotar uma política de cotas para tentar reverter a exclusão das mulheres brasileiras da política parlamentar. A Lei 9.100 de 29 de setembro de 1995, no § 3º do artigo 11º estabelecia o seguinte:
“Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres”.
Porém, o número candidaturas subiram de 100% para 150% do número de vagas a preencher pelos partidos, significando que houve possibilidade de aumento das candidaturas masculinas. E o pior, o partido era obrigado a reservar os 20% das vagas (posteriormente passou para 30%), mas não era obrigado a preenchê-las.
Dois anos depois houve a aprovação de uma nova Lei eleitoral. O parágrafo terceiro do artigo 10º da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997 ficou assim redigido:
“Do número de vagas resultantes das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”.
A nova redação da política de cota possibilitou contornar os questionamentos da inconstitucionalidade do mecanismo anterior e deu um caráter mais universalista à política de cotas, dando o mesmo tratamento para os dois sexos. A nova ação afirmativa garantiu o respeito ao princípio “todos são iguais perante a lei” e apenas estabeleceu regras de representação, ou seja, um mínimo de 30% e um máximo de 70% para cada sexo.
Porém, assim como na Lei 9100, a nova redação não garantiu o preenchimento das candidaturas femininas. Os partidos reservavam o piso dos 30% para as mulheres e respeitavam o teto de 70% para os homens, mas não preenchiam as vagas femininas. Na prática, a exclusão feminina continuou, pois os partidos políticos continuaram com suas práticas excludentes, mantendo a desigualdade de gênero nas disputas eleitorais.
Para forçar os partidos a respeitarem o espírito da Lei de Cotas visando aumentar o número de mulheres candidatas e aumentar a equidade de gênero nas listas de candidaturas, e após ampla pressão dos setores progressistas da sociedade, houve uma nova mudança na legislação. Na Lei 12.034, de 29/09/2009, a nova redação da política de cotas ficou assim redigida:
“Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.
A alteração pode parecer pequena, mas a mudança do verbo “reservar” para “preencher” significou uma mudança no sentido de forçar os partidos a presença das mulheres nas nominatas eleitorais. O ideal é que fosse garantido a paridade de gênero (50% para cada sexo) nas listas de candidaturas. Mas a mudança na redação da lei representou uma oportunidade, mesmo que limitada. A aplicação da Lei 12.034/2009 garantiu o aumento do número de candidaturas femininas nas eleições seguintes.
A conquista feminina mais recente ocorreu em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres, previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997.
Ou seja, para as eleições de 2022, os partidos são obrigados a preencher a cota mínima de 30% para as candidaturas de cada sexo e, também, destinar no mínimo 30% dos recursos financeiros. O resultado é inequívoco, pois já houve aumento do percentual de candidaturas femininas como mostrado no gráfico acima. Porém, o número de mulheres eleitas cresce em ritmo bem inferior.
Comparando o Brasil com o resto do mundo percebe-se que nossos avanços são modestos. Para reduzir as desigualdades globais de gênero e elevar a participação feminina em todos os países, a IV Conferência Mundial das Mulheres, ocorrida em Beijing, em 1995, propôs a adoção de ações afirmativas ou políticas de cotas para fortalecer o empoderamento feminino. Desta forma, os ganhos de participação política das mulheres nos 27 anos após a Conferência de Beijing foi maior do que nos 50 anos anteriores, pois o percentual de deputadas femininas passou de 11,6% em 1995 para 26,4% em 2022. Contudo, os ganhos do Brasil nos últimos 27 anos continuaram lentos, passando de 6,3% em 1995 para 14,8% em 2022. No mundo as mulheres ultrapassaram 25% da participação parlamentar, mas a diferença entre o Brasil e o mundo permanece em torno de 12% e a paridade de gênero na política permanece um sonho distante no território brasileiro.
No ranking da Inter-Parliamentary Union (IPU), em maio de 2022, o Brasil aparece em 143º lugar, com 14,8% de mulheres na Câmara Federal, perdendo para a média mundial de 26,4%, para as Américas com 34,6%, Europa com 31,3%, África Subsaariana com 26,1%, Ásia com 21,2%, Mena (Oriente Médio e Norte da África) com 18,2% e região do Pacífico com 17,9%, conforme mostra o gráfico acima. Portanto, mesmo com o número recorde de deputadas federais eleitas em 2018 (77 mulheres), o Brasil continua no grupo da lanterna mundial do ranking de participação parlamentar feminina. O Brasil perde inclusive para a Arábia Saudita que tem 19,9% de mulheres no parlamento do país.
Desde o iluminismo, a luta pela emancipação feminina tem crescido e conquistado espaço. Alguns homens foram fundamentais na luta pela cidadania feminina, entre eles, François Poullain de la Barre (1647-1725), Marquês de Condorcet (1743-1794), William Godwin (1756-1836), Charles Fourier (1772-1837), John Stuart Mill (1806-1873), August Bebel (1840 – 1913), como mostrei no artigo “Homens pioneiros do feminismo e da luta pela equidade de gênero”, publicado aqui no Ecodebate (ALVES, 28/02/2018).
Há que se reconhecer que o teto de vidro foi rompido em vários locais e em diversos momentos nos 200 anos da Independência do Brasil. As mulheres brasileiras avançaram na saúde (aumento da expectativa de vida), na educação, no mercado de trabalho, etc. Mas a paridade de gênero na política permanece um sonho distante no Brasil.
As eleições gerais de 2022 serão um bom momento para se debater essas questões e para ampliar a presença feminina, com toda a sua diversidade, nos inúmeros espaços de poder da democracia brasileira.
Não existe democracia com exclusão das mulheres que são maioria da população e do eleitorado.
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022
Demografia e economia. Nos 200 anos da independência do brasil e cenários para o século XXI. Disponível aqui.
ALVES, JED et. al. Meio século de feminismo e o empoderamento das mulheres no contexto das transformações sociodemográficas do Brasil. In: BLAY, E. AVELAR, L. 50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e Chile. EDUSP, São Paulo, 2017
ALVES, JED, PINTO, CRJ, JORDÃO, F. (Orgs). Mulheres nas eleições 2010. ABCP/SPM, SP, 2012, 520 p. Disponível aqui.
ARAÚJO, Clara, ALVES, J. E. D. Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas. Dados (Rio de Janeiro). , v.50, p.535 – 578, 2007. Disponível aqui.
ALVES, JED. Homens pioneiros do feminismo e da luta pela equidade de gênero, Ecodebate, 28/02/2018
Homens pioneiros do feminismo e da luta pela equidade de gênero, artigo de José Eustáquio Diniz Alves. Disponível aqui.
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Mulheres continuam minoria nos espaços de poder. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU