25 Agosto 2022
"O Encontro da Economia de Francisco e Clara, que acontecerá em setembro deste ano, em Assis, não pode descartar a trajetória dos povos e do Papado de Francisco. Seria uma incongruência política grave, que desrespeitaria os ensinamentos do Papa e a natureza revolucionária da fé cristã".
O artigo é de Marina Paula Oliveira e João Pedro Stédile, publicado por Vatican News, 24-08-2022.
Marina Paula Oliveira é analista internacional, graduada e mestre em Relações Internacionais pela PUC-Minas, membro do Grupo de Reflexão e Trabalho para a Economia de Francisco e Clara (PUC-Minas) e da Articulação Brasileira para a Economia de Francisco e Clara (ABEFC). É atingida pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, defensora de direitos humanos e da natureza e participa de movimentos populares.
João Pedro Stédile é economista formado pela PUC-RS e pós-graduado pela UNAM-Mexico. Ativista social e membro da articulação dos movimentos populares com o Papa Francisco, e da Assembleia Internacional dos Povos (AIP).
Vindo de uma realidade que convive com as consequências nefastas do capitalismo, seria irresponsabilidade falar sobre a Economia de Francisco e Clara sem considerar a necessidade urgente de construir um novo modelo econômico. Pode parecer utópico, mas não é. As propostas basilares para uma nova economia são concretas, reais e partem das necessidades do povo, que são geradas pelas contradições do atual modelo econômico. A bibliografia central para se discutir a Economia de Francisco e Clara deve ser o povo organizado que trabalha há centenas de anos fazendo resistência e lutando por sua sobrevivência por meio dos movimentos populares organizados.
Esses movimentos populares, que lutam por alimentos, água, terra, moradia, trabalho e pela dignidade humana nascem a partir das contradições de um sistema econômico falido, que apenas privilegia a uma minoria de ricaços, e suas empresas, bancos e transnacionais em todo mundo, em detrimento dos direitos fundamentais de bilhões de seres humanos. Sabendo disso, o Papa Francisco tem denunciado as consequências perversas de um capitalismo selvagem e desumano, nos convidando a uma conversão evangélica, ecológica, econômica, política e pedagógica.
A tão sonhada Economia de Francisco e Clara começou com a aproximação do Papa Francisco com os movimentos populares por meio de encontros mundiais periódicos. Ela se aprofunda nas reflexões das encíclicas e exortações escritas sobre Ecologia Integral – Laudato Sì' -, sobre a boa política – Fratelli Tutti -, sobre o compromisso da igreja com aqueles que mais precisam – Evangelii Gaudium, e sobre a centralidade dos povos tradicionais e do cuidado com a Casa comum – Querida Amazônia. Essa nova economia se concretiza com o processo sinodal proposto por Francisco, de uma escuta profunda da sociedade e em especial dos povos descartados pelo capitalismo.
O Encontro da Economia de Francisco e Clara, que acontecerá em setembro deste ano, em Assis, portanto, não pode descartar a trajetória dos povos e do Papado de Francisco. Seria uma incongruência política grave, que desrespeitaria os ensinamentos do Papa e a natureza revolucionária da fé cristã.
Num dos encontros dos Movimentos Populares com o Papa Francisco, foi apresentado o documento que reúne propostas desses movimentos para a Economia de Francisco e Clara. As propostas foram agrupadas em cinco eixos:
(1) Ecologia integral e bens comuns;
(2) Democracia econômica;
(3) Terra, teto e trabalho;
(4) Educação, saúde, comunicação e tecnologia; e
(5) Soberania, mobilidade humana e paz.
Os movimentos destacam que os bens da natureza, “como a água, a biodiversidade, as florestas, a terra, os minérios e o petróleo” devem ser usufruídos em função do bem comum e do desenvolvimento, e não da exploração predatória, ou da ganância dos capitalistas.
E propõem, que devemos unir esforços de organizações populares, ambientalistas, governos, estados, para salvar o planeta. Ou defendemos a natureza, reflorestando, combatendo todas as fontes de poluição e mudanças climáticas, ou os seres humanos estaremos em risco de sobrevivência neste planeta terra.
Os movimentos destacam a importância combater o controle do capital financeiro sobre a economia, e sua especulação, juros e paraísos fiscais. Sinais perversos da distancia entre a acumulação desenfreada e a produção de bens necessários. Esses mecanismos são os responsáveis pelo aumento das desigualdades sociais, em vez de enfrenta-las. Daí a necessidade de “que a sociedade tenha o controle do capital financeiro, para que os seus recursos sejam utilizados para incentivar a produção e não para a especulação”.
Os movimentos populares defendem o desenvolvimento de políticas públicas que reforcem as práticas de economia popular solidária, entendida como “todas as atividades produtivas, de serviços e de distribuição realizadas de forma autogestionária por indivíduos, grupos familiares, comunidades ou cooperativas de trabalho”. Para isso, será necessário o apoio de recursos públicos e legislação adequada, “onde estejam presentes todos os agentes, trabalhadores e trabalhadoras organizados em movimentos populares e sindicais, empresas, cooperativas, etc.”, buscando a construção de uma economia do bem comum e impulsionando formas alternativas à propriedade privada.
Os movimentos destacam que saúde, educação, comunicação e tecnologia não devem ser tratados como mercadorias. Pelo contrário, devem ser garantidos como direitos para todos e para todas. Outra proposta muito relevante seria “estimular a transferência solidária de tecnologia e conhecimentos entre as nações, possibilitando a redução das desigualdades internacionais”.
Além disso, os movimentos defendem a superação da divisão internacional do trabalho e da especialização, ligadas às vantagens comparativas. “A indústria, os serviços de alta intensidade tecnológica e de elevado valor acrescentado não devem ser patrimônio dos países desenvolvidos, enquanto os países subdesenvolvidos permanecem com economias agrárias, de baixo valor acrescentado, padecendo índices persistentes de empregos precários e déficits estruturais nas transações correntes”.
Os movimentos populares defendem “a soberania e a autodeterminação de todos os povos do mundo, eliminando todas as formas de ingerências imperialistas e neocoloniais”. Isso poderia ser reforçado por meio da integração de organismos internacionais, “com a participação paritária de todos os governos e com representação das organizações populares, de cada país”.
Além disso, cada Estado deveria ter o controle social dos bens considerados essenciais para a sobrevivência humana coletiva e para o desenvolvimento econômico nacional, como água, minerais, petróleo, energia elétrica, terra, produção e abastecimento de alimentos, saneamento, transportes etc.
Para conhecer todas as propostas dos movimentos populares (português, inglês, espanhol, francês e italiano), acesse aqui.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Economia de Francisco, Clara e dos povos que lutam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU