A “desindustrialização” da Amazônia

Foto: Felipe Werneck - Ibama | Flickr cc

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01 Julho 2022

 

"O Pará, o segundo maior Estado da federação e o maior exportador regional, é o exemplo patético desse destino colonial imposto de cima para baixo, no plano interno, e de fora para dentro, no contexto internacional", escreve Lúcio Flávio Pinto,  jornalista desde 1966, sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973, e editor do Jornal Pessoal, em artigo publicado por Amazônia Real, 29-06-2022.

 

Eis o artigo. 

 

Finda a ditadura do Estado Novo, a constituinte de 1946 decidiu iniciar o planejamento regional no Brasil pela maior região do país, ocupando mais da metade de um território continental: a Amazônia clássica – ou a combinação da hileia amazônica (botanicamente falando) e a bacia hidrográfica do rio Amazonas, a maior do planeta.

 

A Amazônia viveu a sua Idade Média quando a exploração monopolística da borracha, que durara meio século, começou seu acelerado declínio, em 1912, até quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao Brasil, em 1942. Com o refluxo econômico e demográfico (de destino, a Amazônia se tornou origem de fluxos migratórios intensos), até a sua população diminuiu.

 

A presença econômica e militar dos Estados Unidos na região atiçou antigos receios sobre a cobiça internacional. Com mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, se fosse um país, a Amazônia seria o 7º país mais extenso do mundo. Os sacerdotes das teorias conspirativas e da doutrina de segurança nacional (ainda entendida então como soberania da nação e não do Estado-Governo) viam com preocupação a condição da região: isolada, com fraca população, pouco ou nada conhecida, com uma economia de subsistência que só vendia no exterior produtos da atividade extrativista vegetal.

 

Para dar nova viabilidade a essa vasta fronteira, foi criado o plano de valorização econômica da Amazônia, que seria implementado pelo uso de um fundo formado com 3% da receita líquida anual da União. Mas só sete anos depois foi criado o órgão, a SPVEA, que executaria o plano.

 

Seu principal objetivo seria financiar a criação de infraestrutura básica e apoiar a substituição das importações, das quais a região era dependente, além de fomentar o maior beneficiamento das suas matérias primas. A região iria percorrer os mesmos rumos da industrialização nacional.

 

Mas a SPVEA só durou 13 anos, durante os quais nunca recebeu os 3% que lhe foram destinados nem chegou a consolidar a infraestrutura e um parque industrial. Na passagem dos anos 1950 para a década seguinte a região começou a ser rasgada para a implantação de uma rede rodoviária no sentido sul-norte e, em seguida, leste-oeste, modelo imposto tanto no final da democracia populista quanto na ditadura militar, que a extinguiu.

 

Os setores privilegiados passaram a ser a pecuária, a atividade madeireira, a extração mineral e a colonização particular, apoiadas por uma ampla infraestrutura e incentivada a exportar. O que restou de industrialização, com uma agregação maior de valor pelo beneficiamento do produto, se restringiu à Zona Franca de Manaus, ao custo de uma grande concentração demográfica e econômica na capital amazonense, que esvaziou o interior.

 

O resultado dessa política, iniciada em 1966, se expressa mais significativamente através da apropriação ilícita de terras, conflito fundiário, extração ilegal de madeira, invasão de reservas ecológicas e indígenas, isolamento da população e da cultura nativas, e a formação de plantations, como a soja, e de enclaves, como os gigantescos empreendimentos minerais.

 

A Amazônia se africanizou, sem que se possa dizer que repete o modelo asiático porque a Ásia, sobretudo China e Japão, tiraram e tiram enormes vantagens por estarem presentes na região ou serem o destino final dos seus principais produtos.

 

O Pará, o segundo maior Estado da federação e o maior exportador regional, é o exemplo patético desse destino colonial imposto de cima para baixo, no plano interno, e de fora para dentro, no contexto internacional.

 

A federação das indústrias do Estado faz uma campanha para dizer o contrário. Ela sustenta que o desenvolvimento do Pará se faz “com respeito à natureza”, graças principalmente à indústria. O tal respeito à natureza é ficção: o Pará é o Estado que mais desmata e queima no país, considerando-se os valores acumulados e o que está em curso. Além de ser o que tem as frentes econômicas mais violentas.

 

A afirmativa se baseia no dado quantitativo de que 64% do território paraense estão protegidos por parques, florestas e reservas. Dos 36% restantes, a lei obriga a preservar a vegetação de 80% da área”. Mas basta ir a fontes qualitativas (como Inpe, Imazon, Ipam e outras tantas) para constatar que esses números são falaciosos. Os municípios mais desmatados, queimados, com maiores emissões de gases de efeito estufa, e as reservas mais invadidas e violadas estão no Pará.

 

A peça publicitária que a Fiepa publicou na imprensa de Belém exalta o Pará como 5º maior exportador do Brasil, com 8,4 bilhões de dólares no primeiro quadrimestre deste ano (tendo sido o 4º maior em 2021) e o 3º com maior saldo da balança comercial brasileira no mesmo período (por ter importado apenas US$ 1 bilhão). Ainda assim, é esse o principal resultado do desenvolvimento estadual: tornar o Pará um exportador de matérias primas e insumos básicos.

 

O conceito de indústria da Fiepa é largo e falho, o que lhe permite dizer que a indústria é responsável por 34% do PIB do Estado, esquecendo de acrescentar que o Pará tem apenas o 11º PIB do país (tendo a 9ª maior população) e o 16º PIB per capita (na Amazônia, atrás de Mato Grosso, Rondônia, Amazonas e Roraima).

 

A Fiepa aponta as posições significativas que o Pará ocupa em vários segmentos, como os minerais, sendo o primeiro em caulim , alumínio, cobre, manganês (e o 2º em ferro, que é o líder geral dos produtos) “e seus concentrados”, parando aí, sem entrar na manufatura. É o 7º exportador de carne bovina, mas com o magro percentual de 6%, por se basear no comércio do gado em pé. É o 3º maior exportador de madeira, mas também com índice pequeno, de 8,6%, pelo mesmo motivo, o que também acontece com o cacau (3º maior, com 0,7%, pela incipiente manufatura). E o que dizer de só ser o 2º exportador de açaí, com 18,3% das suas exportações. Também como 2º em castanha do Pará?

 

Para ser coerente com esses números, embora adotando uma linguagem surrealista, como a de Alice no país das maravilhas, a federação teria que ser mais da “desindústria” do que da indústria.

 

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