29 Junho 2022
Um problema social transformado em fator de segurança. Uma resposta militar a uma questão gerada justamente pelas ações militares em certos paraísos da guerra. Uma via que já está aberta e que agora, com as imagens de Melilla [Espanha] ao fundo, pretende sair reforçada: a OTAN acredita que as crises migratórias também podem ser enfrentadas com armas.
A reportagem é de Danilo Albin, publicada por Público, 28-06-2022. A tradução é do Cepat.
Às portas da cúpula que acontecerá nesta semana, em Madri, os parceiros da Aliança Atlântica têm a questão da migração entre os pontos a serem abordados. Isso se dará após o horror vivido na última sexta-feira, em Melilla, onde ao menos 23 migrantes morreram tentando pular a cerca.
A OTAN tem sua receita para esses problemas. Em 2010, a Aliança aproveitou a cúpula em Lisboa para incorporar em seu “Conceito Estratégico” – documento que define as suas diretrizes políticas gerais – a questão da “instabilidade ou conflitos para além das fronteiras da OTAN, incluindo a promoção do extremismo, o terrorismo e as atividades ilegais transnacionais, como o tráfico de armas, drogas e pessoas”.
“A esta nova perspectiva de abordar as migrações como uma ameaça à segurança, pelas repercussões que pode ter, também se soma a forma como a migração é considerada ilegal e, portanto, um crime”, afirma a pesquisadora Ainhoa Ruiz, em um relatório que acaba de ser publicado pelo Centro Delàs de Estudos pela Paz.
Em sua avaliação, essa aposta militarista serviu para “diluir” a possibilidade de “abordar as migrações em uma perspectiva humanitária, reforçada pela narrativa da segurança”. Soma-se a isso a “intensiva perseguição exercida sobre as máfias e traficantes de pessoas que, para as pessoas migrantes e deslocadas à força, representam, na maioria dos casos, a única via de escape das diversas formas de violência presentes em seus países”.
“Esses fatores facilitam a expansão do discurso de segurança, que coloca a pessoa que migra no emaranhado de outras formas de crime, e que promove o uso de métodos militarizados que afetam consideravelmente os direitos das pessoas migrantes”, aponta Ruiz.
Esta estratégia da OTAN acarreta que as pessoas migrantes “sejam identificadas como sujeitos de risco e sujeitos em risco, de modo que as operações militares entram para justificar a sua atuação para fins de resgate, sendo que isto é uma obrigação de qualquer embarcação, caso encontre outra em situação de socorro”.
Para Ruiz, “a realidade é que estas operações são mobilizadas para a vigilância e a perseguição de diferentes formas de crime, entre as quais está a migração considerada irregular”, muitas vezes, convertida na “única opção para pessoas que fogem da violência e da perseguição”.
Glenda Garelli, pesquisadora do Departamento de Assuntos Internacionais da Universidade DePaul (Chicago, Estados Unidos) e Martina Tazzioli, acadêmica da Universidade de Swansea (País de Gales), realizaram um estudo conjunto, em 2017, no qual justamente alertavam que a abordagem das migrações, a partir de uma narrativa e uma prática militarista, “levou ao desencadeamento de toda uma série de operações militares para abordar as migrações, especialmente na zona do Mediterrâneo”, destaca o relatório do Centro Delàs.
Em inícios de 2016, registou-se um marco nessa estratégia da Aliança Atlântica: em fevereiro daquele ano, a OTAN enviou navios de guerra ao Mar Egeu para enfrentar a crise de refugiados que se vivia.
“Desta forma, o destacamento militar da OTAN veio apoiar as operações que já estavam sendo realizadas no Mar Egeu, através da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), com a finalidade de reforçar o reconhecimento, controle e vigilância do Mar Egeu e águas internacionais, nas quais a Frontex e as guardas costeiras turcas e gregas não tinham capacidade para agir”, recorda Ruiz.
Embora tenha sido a primeira operação com mandato específico de apoio ao controle e vigilância migratória, a verdade é que a OTAN “já colaborava com a União Europeia, através de sua operação Active Endeavour, implementada no Mediterrâneo a partir do ano 2001, para a vigilância e o controle do terrorismo”, destaca a pesquisadora. Aquela operação abriu passagem a uma iniciativa de segurança mais ampla chamada Sea Guardian, que “incorporou o controle dos fluxos migratórios entre seus fins”.
O relatório do Centro Delàs destaca outro aspecto relevante desse cenário. “É importante ressaltar que enquanto a Frontex só pode deixar os barcos de migrantes nas costas europeias, ao contrário, as operações da OTAN permitem que esses barcos sejam deixados em terra de outro Estado membro da Aliança, como é o caso da Turquia”, uma forma, “no mínimo, evidentemente, de interceptar e desviar os fluxos migratórios para fora dos países da União Europeia”, ressalta o documento.
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A OTAN considera a migração uma “ameaça” a ser reprimida militarmente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU