23 Junho 2022
“Para evangelizar os jovens nós precisamos saber como usar o que eles gostam e praticam”. Esta é a convicção do padre marfinense Marcellin Abib Don, autor de dois livros sobre música e liturgia.
Abib Don é pároco na Arquidiocese de Abidjã, Costa do Marfim, e no seu mais recente livro observa como o zouglou – uma música e dança popular africana que emergiu no país na década de 1990 – pode ser usado para conectar as pessoas com Deus.
A entrevista é de Guy Aimé Eblotié, publicada por La Croix Africa, 21-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Qual é a diferença entre uma música religiosa e um hino litúrgico?
De modo geral, deve-se dizer que uma canção religiosa é uma canção executada para expressar a fé em Deus e se refere a uma religião, particularmente as religiões reveladas: judaísmo, cristianismo e islamismo.
Na Igreja Católica, as canções religiosas, como os hinos litúrgicos, fazem parte do grupo maior do que se chama de canções sacras ou música sacra.
Mas há uma clara diferença entre músicas religiosas e litúrgicas.
A música religiosa não é admitida nos atos litúrgicos (missa, adoração, Liturgia das Horas...) e tem um caráter mais livre. É o que vemos nas composições de alguns cantores.
Por outro lado, o hino litúrgico é reservado ao âmbito das celebrações e atos litúrgicos no respeito das normas e disposições.
É nesse sentido que o Papa João Paulo II afirmou em um “motu proprio” de 22 de novembro de 2003 – Festa de Santa Cecília, padroeira dos músicos – que “nem todas as formas musicais podem ser consideradas adequadas para as celebrações litúrgicas”.
Algumas pessoas relutam em usar ritmos musicais urbanos em louvor a Deus. Você compartilha dessa opinião?
A Igreja não rejeita de improviso tudo o que vem de “fora”.
Na verdade, é a Igreja que está na base de muitos conceitos para favorecer a abertura e o diálogo entre todos os filhos de Deus, sem qualquer distinção.
Mas devemos fazer distinções.
Sim, podemos levar música urbana e profana para louvar a Deus e cantar as maravilhas do Senhor. Mas não podemos introduzir tal música em um serviço litúrgico.
Podemos fazê-lo para atividades paralitúrgicas, como encontros de jovens. E como capelão juvenil da paróquia, muitas vezes faço isso. Para evangelizar os jovens, precisamos saber usar o que eles gostam e praticam.
Como o zouglou, um ritmo urbano da Costa do Marfim, canta para Deus?
Dizer que zouglou canta para Deus e fazer disso o título de minha modesta reflexão não é ousado nem exagerado.
Ao colocar o zouglou sob o scanner da consciência, é possível, no entanto, afirmar que esta música canta e fala de Deus muitas vezes através das letras, melodias e ritmos.
Mais do que um tipo de música, podemos dizer que o zouglou é um gênero literário. Utiliza diferentes formas de linguagem: uma linguagem formal, uma linguagem híbrida com nouchi [um dialeto que mescla o francês com expressões indígenas da África Ocidental], uma linguagem atípica, uma linguagem cômica e uma linguagem tradicional.
Zouglou trata de temas relacionados à consciência social, solidariedade, amor e família, bem como os males que minam a sociedade, como roubo, prostituição, infidelidade conjugal, insegurança, corrupção, mentiras e fracassos de políticos, etc.
Há também todo o simbolismo da dança subjacente a esta música, as mãos levantadas para o céu, a súplica...
Zouglou interessa a praticamente todas as categorias sociais ao nível nacional e internacional.
Ao refletir sobre este gênero musical, quero usar esta música para dizer que a Igreja não julga para condenar ou rejeitar, mas acompanha todos os filhos de Deus na prática de obras artísticas e musicais.
Fé e cultura não se opõem. Deus está presente em tudo o que é bom, belo e ordinário. Dostoiévski disse: “A beleza salvará o mundo”.
É verdade, como diz o salmista: “Vi que toda perfeição tem um fim”.
Há insuficiências, abusos, desvios nesta música e tentamos, na medida do possível, abordá-los e ajudar todas as pessoas da cultura em geral e os “zougloufilos” em particular a realizarem as suas ações sem esquecer de Deus e da Verdade.
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A dança africana Zouglou: uma forma de se chegar aos jovens católicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU