22 Junho 2022
"Lendo esse livro perceberão que o silêncio de Deus pode ser interpretado de outras maneiras e pode servir, paradoxalmente, justamente para sinalizar sua presença sempre misteriosa e imprevisível", escreve Paolo Ricca, teólogo, pastor valdense italiano e professor emérito da Faculdade Valdense de Teologia, em artigo publicado por Riforma, publicação das Igrejas evangélicas batistas, metodistas e valdenses italianas, 24-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A benemérita (é o caso de dizer) casa editorial Qiqajon, da Comunidade de Bose, publicou recentemente uma versão italiana do livro escrito em 2018 por Gérard Delteil, pastor da Igreja Protestante unida da França e decano honorário da Faculdade Teológica Protestante de Montpellier, onde por muitos anos lecionou Teologia Prática, que é a coroação de toda a teologia. O título é: Al di là del silenzio. Quando Dio tace (Para além do silêncio. Quando Deus se cala, em tradução livre) [Magnano, Edizioni Qiqajon. Comunità de Bose, 2022, pp. 188, € 18,00].
(Foto: Divulgação)
É um livro que não decepcionará nem crentes nem não crentes: não os crentes, porque o silêncio de Deus, real ou presumido, ocupa um lugar relevante em sua experiência de vida cristã, especialmente em certas situações críticas, tanto individuais como coletivas, bem como no cotidiano “bom combate da fé” (como o chama o apóstolo Paulo: 1Timóteo 6,12). Mas nem mesmo decepcionará aqueles que se consideram não crentes, ou realmente o são, porque muitas vezes sua rejeição da fé e o afastamento de Deus nascem justamente do seu silêncio, interpretado como um sinal claro da sua inexistência: lendo esse livro perceberão que o silêncio de Deus pode ser interpretado de outras maneiras e pode servir, paradoxalmente, justamente para sinalizar sua presença sempre misteriosa e imprevisível.
Mas deixemo-nos guiar pelo autor, que, após uma breve introdução em que, principalmente, fervilham os questionamentos (realmente muitos!), escreve um Prelúdio: entre violência e silêncio, que pode ser resumido nesta afirmação: "A tentação da violência é consubstancial à religião” (p. 26). Como explicar essa combinação perturbadora?
O autor indica três possíveis motivos: a relação exclusiva com o Absoluto, a luta intransigente contra o Mal, uma atitude fatal de fechamento na convicção de possuir a verdade. Ele então enumera uma série de "recursos" que, querendo, a religião dispõe para desarmar a tempo a espiral da violência: páginas muito ricas espiritual e culturalmente, que terminam assim: "O silêncio [de Deus, que nos desarma] é o antídoto contra a intolerância e a violência” inscrita na religião (p. 38). Segue o importante capítulo sobre o "Enigma do silêncio". É surpreendente ter que constatar com o autor, quantas vezes na Bíblia, que foi criada pela Palavra e dela se nutre e vive, fala-se do silêncio de Deus, que, portanto, na dialética com a palavra, aparece como "seu eco, sua vibração" (p. 42)). Elie Wiesel confirma isso: o silêncio "não é o oposto da palavra, mas a profundidade da palavra".
Essas também são páginas belíssimas que terminam com Jacó e sua luta vitoriosa com Deus, que, no entanto, o fere para sempre. Na mesma onda está o tema de Deus que "esconde o rosto", ou seja, ele se nega ao homem que o procura, tendo Jó como ator principal: seu lamento inicial torna-se primeiro um protesto, depois uma acusação, e finalmente uma súplica: "Jó apela a Deus contra Deus" (p. 71), que no final, depois de um silêncio insuportável, responde, mas não às perguntas de Jó. Assim, seu sofrimento e aquele, multiplicado, da humanidade permanecem inexplicados. Tantos motivos podem ser identificados, mas nenhum resolve. A pergunta permanece sem resposta, mas talvez Deus esteja mais na pergunta do que na resposta (que não existe).
Serve como um feliz contraponto a esse capítulo, o sucessivo dedicado ao Cântico dos Cânticos em que dois amantes, homem e mulher, através de diálogos e seus encontros inebriantes, cantam "a felicidade de existir" (p. 81). Que esse poema de amor, esse hino ao eros em todos os seus aspectos, esse diálogo dos corpos e dos corações, com o desejo e a doação mútuos, e as paixões entrelaçadas uma na outra - que um texto desse tipo seja encontrado na Bíblia é "um enigma, ou um milagre" (p. 91). Ao longo do Cântico Deus fica em silêncio: evidentemente ele concorda. Foi ele quem assim criou o homem e a mulher, e seu amor é "chama do Eterno" (8, 6).
Os dois capítulos seguintes ("Nos passos do silêncio, a Palavra" e "Presença na ausência") desempenham, de dois pontos de vista, o mesmo tema: a palavra reclama o silêncio que, no fim, é, por assim dizer, grávido de palavras: a espera e a prepara. Silêncio e palavra, portanto, referem-se um à outra, um precisa da outra: a palavra precisa do silêncio para ser ouvida, o silêncio precisa da palavra para encontrar seu sentido. O mesmo se pode dizer da relação entre ausência e presença: a ausência gera a memória da presença que não existe mais ("Façam isso em minha memória", diz Jesus), e a presença torna-se ausência para que não se torne posse, desnaturando-se.
Os dois últimos capítulos ("Acreditar quando Deus fica em silêncio" e "O retiro de Deus e responsabilidade humana"), com a arejada "Abertura" final, não apenas fechm as pontas de todo o discurso, mas o enriquecem ainda mais, por exemplo, interpretando o silêncio de Deus como "uma presença discreta, uma aprovação secreta dada à vida humana em sua liberdade" (p. 179) e, paralelamente, como um convite ao homem para assumir plenamente suas responsabilidades; ou sinalizando aquela que, em última análise, continua sendo uma "ambivalência" do silêncio de Deus, que "está, ao mesmo tempo, ferida e prometida" (p. 183). Devemos concluir, mas gostaríamos de poder continuar: há muitas outras “pérolas” nesse livro: será privilégio de quem o ler descobrir e apreciá-las.
1. O original francês diz creux que, talvez, poderia ter sido melhor traduzido literalmente: “vazio”. É verdade que até a "pegada" é um vazio, mas tem uma forma que o silêncio - mesmo o de Deus - não tem. Dito isso, a tradução de Valerio Lanzarini nos pareceu, no geral, ótima. O francês de Delteil muitas vezes não é fácil de traduzir em italiano.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A fé às voltas com o silêncio de Deus. Artigo de Paolo Ricca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU