10 Junho 2022
O Programa Mundial da UNESCO para a Avaliação de Recursos Hídricos reconhece as águas residuais como um “recurso desperdiçado”, incentivando sua valorização por meio de tecnologias de tratamento e reúso.
A reportagem é publicada por EcoDebate, 09-06-2022.
A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu a Revitalização como principal ação coletiva para as celebrações deste ano em torno do Dia Mundial dos Oceanos (08/06) e a Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reúso de Água (ALADYR) se junta a essa corrente destacando que a primeira grande medida de proteção aos oceanos passa por intensificar a reutilização de águas residuais, interrompendo assim o despejo de contaminantes nas bacias hidrográficas.
Ambas as organizações explicam que uma das grandes ameaças aos ecossistemas marinhos é o lançamento de esgoto não tratado que, de acordo com um estudo recente, é responsável por levar 6,2 toneladas de nitrogênio por ano para as áreas costeiras do mundo, causando a proliferação tóxica de algas, eutrofização e zonas mortas.
Os oceanos representam 70% da superfície terrestre e 97% da água disponível está concentrada neles, além de serem responsáveis por absorver 30% do dióxido de carbono liberado no mundo e produzirem 50% do oxigênio do planeta. Alterações no equilíbrio desse importante ecossistema afetam organismos essenciais como manguezais, gramas marinhas e marismas que, devidamente protegidos, poderiam capturar 1,4 bilhão de toneladas de emissões de carbono por ano até 2050.
Sendo importante destacar que essa capacidade de absorver o dióxido de carbono, também merece atenção diante das preocupações globais frente às Mudanças Climáticas, explica Eduardo Pedroza, representante da ALADYR no Brasil. Pedroza destaca, com base nos dados do observatório da NASA, a agência espacial americana, “que desde o início da Revolução Industrial, a acidez das águas superficiais dos oceanos aumentou cerca de 30%. Esse aumento deve-se ao crescimento das emissões atmosféricas de CO2, absorvidos pelo oceano. Essa mudança no pH traz uma preocupação para o ecossistema marinho”, explica o químico industrial.
Soma-se a isso o fato de que mais de 8 toneladas de plástico acabam no mar todos os anos e que o fundo do mar já concentra mais de 14 milhões de toneladas de microplásticos, como constatou um estudo da agência científica nacional australiana CSIRO, o que é 35 vezes mais do que se acredita flutuar na superfície das águas e pode ter grandes consequências ambientais.
Segundo o Banco Mundial, a América Latina trata menos de 30% das águas residuais que produz e, na maioria dos casos, as estações de tratamento não removem contaminantes capazes de alterar o sistema endócrino da fauna aquática. No caso do Brasil a situação é ainda mais alarmante, dados do último levantamento do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), relativos a 2020, mostram que apenas metade do esgoto coletado é tratado antes de ser disposto nos rios e mares.
A instituição financeira internacional destaca ainda que há mais de cinco anos o Programa Mundial da UNESCO para a Avaliação de Recursos Hídricos reconhece as águas residuais como um “recurso desperdiçado”, incentivando sua valorização por meio de tecnologias de tratamento e reúso. Da mesma forma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente também aponta que o reaproveitamento de resíduos, uma vez devidamente tratados, pode ajudar a reduzir a dependência de fertilizantes agrícolas, promover a segurança hídrica e fornecer fontes de energia renováveis.
Juan Miguel Pinto, engenheiro e presidente da ALADYR, considera que, no cenário ideal, as águas residuais jamais chegariam ao mar, seriam antes devidamente tratadas e reutilizadas para diversos fins, como na indústria, agricultura ou para a recarga de aquíferos, reduzindo o impacto nos oceanos e também nas fontes de captação de água doce.
O engenheiro explica que a América Latina possui legislação, decretos e regulamentos em países como Chile, Peru, México e Colômbia que permitem o uso agrícola de águas residuais tratadas seguindo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, mas que ainda são poucos os casos de aplicação devido à falta de divulgação do tema e convergência de esforços.
Cerca de 3 bilhões de pessoas dependem dos recursos marinhos como fonte de subsistência, um terço da população mundial (2,4 bilhões de pessoas) vive a pelo menos 100 km de distância de uma zona costeira e 300 milhões de pessoas dependem da dessalinização para seu abastecimento, com isso observamos o potencial de crescimento da dessalinização da água do mar como fonte de água potável.
Segundo a ONU (2018), existem quase 16 mil usinas de dessalinização operando em 177 países e produzindo um volume de água doce equivalente a 50% do fluxo médio das Cataratas do Niágara. Países como Bahamas, Maldivas e Malta suprem todas as suas necessidades com água proveniente de processos de dessalinização, enquanto que metade do abastecimento da Arábia Saudita também é oriundo dessas fontes alternativas.
Neste sentido, Pinto enfatiza que a costa latino-americana deve permanecer limpa porque será uma das principais fontes de água doce no futuro e que na região será cada vez mais frequente ver cidades que dependem da dessalinização para atender suas necessidades de abastecimento; como é o caso de Tocopilla, situada na província de Antofagasta (Chile), a primeira cidade latino-americana com mais de 20 mil habitantes cujo abastecimento vem exclusivamente do mar.
Baseado em dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o diretor da ALADYR destaca que, nos últimos anos, a América Latina e o Caribe (ALC) se tornaram um dos maiores mercados emergentes de dessalinização, com impulso significativo a partir de 2020 com projetos de potabilização em cidades como Antofagasta (Chile), Lima (Peru) e Fortaleza (Brasil).
“Não é mais uma distopia futurista, é uma realidade. As alterações climáticas, a industrialização e o crescimento populacional no levam a depender cada vez mais do mar para o abastecimento de água doce. Felizmente, a tecnologia amadureceu o suficiente para ser ambientalmente inócua e economicamente viável”, afirma.
De acordo com informações coletadas de prestadores de serviços em vários países da América Latina, estima-se que o preço médio por metro cúbico de água dessalinizada para uso residencial é de US$ 0,61. Considerando o consumo médio na região de 6,1 m³ por pessoa por mês, o engenheiro calcula que o custo mensal de abastecimento de água potável da dessalinização da água do mar seria de US$ 7,4 dólares por pessoa, excluindo diferenças de bombeamento e transporte. “O custo mensal seria o equivalente a comprar quatro garrafas de 5 litros de água mineral de uma marca de consumo regular no Brasil”, destaca.
Segundo a Associação existem estudos regionais e de outras partes do mundo em que se percebe que não há impacto quantificável da dessalinização no fundo do mar devido à descarga de salmoura, além disso, iniciativas na Arábia Saudita mostram a mineração de salmoura como uma opção economicamente rentável para tratamento do rejeito da dessalinização visando a extração mineral para obtenção de elementos como potássio, magnésio, rubídio, bromo e lítio.
Estima-se que o valor de exploração de bens e serviços pelo oceano chega a US$ 2,5 trilhões, o que corresponderia ao valor da sétima maior economia do mundo, que no último levantamento (2021) correspondia a França. Uma projeção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que a economia oceânica crescerá para US$ 3 trilhões até 2030. Além de fornecer alimentação, medicamentos, recursos energéticos minerais renováveis, 80% das mercadorias comercializadas no mundo são transportadas pelos mares.
É o que se chama atualmente de blue economy ou economia do mar, uma fonte de receita que o Brasil tem de sobra, afinal são 11 mil quilômetros de uma costa com potencial para exploração de recursos, vivos e não vivos, renováveis ou não, além do forte turismo.
“Os oceanos são uma nova fronteira da economia, principalmente quando pensamos que um dos recursos naturais mais indispensáveis a vida humana é a água. No que se refere a dessalinização como alternativa sustentável para o abastecimento de água potável, o Brasil tem um grande potencial de crescimento e possibilidade de driblar futuras crises hídricas”, destaca Juan.
A ALADYR entende que o futuro do planeta e a perpetuação da raça humana depende diretamente da conservação dos recursos hídricos disponíveis, principalmente os mares e oceanos, que além de fonte de boa parte da biodiversidade do planeta e de possuir um abundante potencial para exploração econômica, são alternativas sustentáveis para a produção de água doce e uma das soluções para a crise hídrica que afeta todo o mundo.
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Reúso de água é imprescindível para a revitalização dos oceanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU