07 Junho 2022
Aos 44 anos, a cabeleireira Camila Ferraz foi assassinada e atirada nua, de cima de uma ponte sobre um igarapé, localizado na Avenida Theomario Pinto da Costa, no bairro Chapada, na zona Centro-Sul de Manaus. O assassinato brutal e cruel da mulher trans, ocorrido no último 28 de maio, segue sem resposta das autoridades, assim como outros crimes que vitimaram membros da comunidade LGBTQIA+ no Amazonas.
A reportagem é de Leanderson Lima, publicada por Amazônia Real, 03-06-2022.
“Camila tinha família, pagava seus impostos, era uma pessoa maravilhosa. A família dela está muito abalada. A população LGBTQIA+ está chocada com mais esse crime. O poder público precisa dar uma olhada para que esses casos não fiquem esquecidos. Às vezes as meninas não chegam nem aos 30 anos. Às vezes com 20 anos já têm suas vidas interrompidas”, desabafa a ativista Camila Brasil, da Associação de Travestis Transexuais e Transgêneros do Amazonas (Assotram).
Membros de entidades que lutam pelos direitos da população LGBTQIA+ protestaram na manhã de sexta-feira (3/6) na frente da Delegacia de Homicídios, na avenida Autaz Mirim, no bairro Cidade Nova, na zona Norte de Manaus.
A autônoma e mulher trans Fernanda Ventury disse estar chocada com o assassinato de Camila Ferraz, a quem conheceu no final da década de 1990. “Nos conhecemos numa boate, ficamos amigas. Nos encontramos em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Chegamos a morar juntas em São Paulo por três anos. Era uma pessoa maravilhosa. Sempre de boas. Ninguém nunca discutiu. Eu ainda não estou acreditando que ela se foi. Para mim a gente ainda vai se encontrar ou conversar pelo Facebook como a gente sempre fazia”, lamenta Ventury.
A massoterapeuta e ativista Evalcilene Santos, de 45 anos, teve a irmã Andressa assassinada a pauladas na madrugada de 21 de abril de 2021. Evalcilene cobra justiça por esse outro assassinato de transfobia e participou do protesto para que o caso de Camila Ferraz não fique impune. “Eu tive uma irmã assassinada a pauladas por quatro homens. Até hoje não solucionaram o crime. Nós, como família, queremos um posicionamento da justiça, que a justiça seja feita”, exige.
Para Evalcilene, os criminosos se julgam no direito de assassinar travestis ou mulheres trans simplesmente por estarem ganhando a vida na noite. “Já faz um ano que não nos deram um retorno até agora. Outros crimes bárbaros estão acontecendo. Mulheres trans estão sendo mortas brutalmente por pessoas covardes, e o poder público está sendo omisso. Nós não vamos ter mais esses entes queridos, mas queremos justiça, porque a vida de uma mulher trans importa”, defende.
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Movimento LGBTQIA+ realizou um protesto em frente à Delegacia de Homicídios em Manaus pela morte da mulher trans Camila Ferraz (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
“Vimos pedir justiça pelas Camilas, pelas Raimundas, por mim, como mulher. Nós tivemos mais uma morte, mais um crime, que vai cair para a estatística em Manaus. Vimos exigir leis mais rígidas para que esses assassinatos sejam solucionados”, disse a supervisora e motorista de aplicativo Isabel Cristine.
Presente na manifestação em frente à Delegacia de Homicídios de Manaus, Isabel relata os preconceitos que sofre no dia-a-dia. “Eu trabalho, apesar de ser massacrada. Nós não somos conhecidas como profissionais, somos conhecidas como machudas, lésbicas, gays, mas eu tenho trabalho. E essas pessoas que fazem programa, que vendem o corpo para poder sobreviver? São seres humanos que vocês, governantes, não dão oportunidade de terem um emprego. Não olham pela gente”, desabafa. “Ninguém está pedindo pão, ninguém está aqui pedindo esmola. Estamos pedindo justiça.”
Para a motorista de aplicativo, é incrível que as pessoas ainda tenham que ir a uma delegacia protestar para que os órgãos de segurança façam o seu trabalho. “É incrível ter que perder o nosso trabalho, abrir mão do nosso pão de cada dia, para defender um direito que é nosso. Temos o direito à justiça, mas agora que temos um presidente que não liga para a gente, a gente tem um governador que apoia esse presidente, e agora temos um prefeito que apoia esse governador, a gente não tem mais ninguém pela gente”, lamenta.
Até mesmo quem nunca conheceu Camila Ferraz fez questão de protestar. “O sentimento de revolta e indignação. Eu não a conhecia, mas tenho empatia, faz parte da mesma luta que a minha. Estamos cansadas, exaustas de tantas mortes, de tantas barbáries. Não podemos normalizar essa violência”, analisa o ativista Léo Scantbelruy.
Em 4 de fevereiro deste ano, o militante Rosinaldo Rodrigues, fundador da Associação Garotos da Noite, foi assassinado com golpes de um objeto contundente na cabeça. Até o momento, o autor do crime não foi identificado pela polícia.
Procurada pela reportagem da Amazônia Real, a Polícia Civil do Amazonas se manifestou sobre os crimes contra Camila Ferraz e Rosinaldo Rodrigues. Por meio de nota limitou-se a informar que os casos continuam sob investigação, “de acordo com o delegado Ricardo Cunha, titular da Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS)”, e que outras informações não seriam fornecidas “para não atrapalhar os trabalhos policiais”.
Ato em protesto contra o episódio de lesbofobia que ocorre no último dia 1º, em um ponto de táxi no centro de Belém-Pará (Foto: Cícero Pedrosa Neto | Amazônia Real)
A capital Belém também assistiu a um protesto da comunidade LGBTQIA+ na tarde desta sexta-feira, no bairro São Brás. Na última quarta-feira (1º), duas jovens foram agredidas por taxistas. O motivo? O casal teria se beijado em público. Uma das moças está hospitalizada depois das agressões. Durante a manifestação foi proposto que, no dia em que o episódio aconteceu, seja considerado o Dia Municipal do Beijo Lésbico.
“As meninas estavam trocando afeto e foram brutalmente agredidas por taxistas da área. Na mesma noite, elas foram conduzidas pelos próprios agressores e a polícia militar sob a alegação que elas estariam usando bebida alcoólica e esse foi o motivador das agressões truculentas”, adiantou Patrícia Gomes, do Coletivo Sapato Preto. “Argumentação essa que não prospera considerando que não há motivador algum que justifique quatro homens agredirem mulheres.”
Ponto de táxi que foi palco do episódio de lesbofobia, no bairro de São Brás, em Belém-Pará (Foto: Cícero Pedrosa Neto | Amazônia Real)
Gadá Passos, do Lesbipara, esteve presente na manifestação da capital paraense e questionava “até quando”, uma expressão na boca de muitos presentes. “Até quando não vamos poder expressar nosso amor enquanto mulher lésbica, enquanto mulher bissexual? Até quando vamos ter que apanhar porque eu com a minha companheira não podemos expressar um carinho publicamente? Se um casal hétero pode, por que eu e a minha companheira não podemos andar de mãos dadas?”
Os protestos em Manaus e em Belém ocorrem no mês de celebração mundial ao Orgulho LGBTQIA+. A data foi criada a partir da chamada rebelião de Stonewall (bar LGBTQIA+), que aconteceu na cidade de Nova York, na madrugada de 28 de junho de 1968. A professora-pesquisadora da Ufam, e pós-doutoranda pela PUC do Rio Grande do Sul, Lidiany Cavalcante, lembra que foi como uma reação a batidas policiais violentas no bar que os frequentadores decidiram mudar essa história. “Essa forma de rebelião durou três dias, então muita coisa aconteceu. E como todas as datas, a gente tem o Dia Internacional da Mulher, o Dia do Trabalho. São datas que vem de muito sangue derramado, então não é diferente, mas aí a gente celebra como Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+”, explica.
De acordo com dados do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQIA+, em 2021 houve um crescimento de 33,3% no número de mortes violentas de pessoas LGBTQIA+ em relação a 2020. O Observatório faz parte de uma parceria que contempla o dossiê da Antra (Associação Nacional de Travestis) e da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos).
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Protesto em Manaus pede justiça para morte de Camila Ferraz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU